Se as pessoas enfrentam a crise econômica com mais esforço, com mais partilha, com mais presença no coletivo, os gestores do estado, ao contrário, vendem a ideia e praticam a tese de que este pode ser mínimo. Combina isso?
Mais um ano em que a solidariedade e a empatia mobilizaram as pessoas. A indignação com o veto do presidente à lei que previa a disponibilização de absorventes higiênicos para meninas e mulheres sem condições, é exemplar dessa nova sensibilidade social. Esse veto e outras tantas medidas, revelaram o contraste entre as políticas dos governos e a disponibilidade, coragem e capacidade de solidariedade do povo.
Diante da pandemia, desemprego e fome, governantes reduziram os orçamentos nas áreas sociais e seguiram impondo rupturas com o pacto social iniciado na Constituição de 88, tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Sul, diminuindo o estado e sua capacidade de entregar à população serviços que a socorram. Qual o argumento? A crise econômica.
Ora, se as pessoas enfrentam a crise econômica com mais esforço, com mais partilha, com mais presença no coletivo, os gestores do estado, ao contrário, vendem a ideia e praticam a tese de que este pode ser mínimo. Combina isso?
Pode o estado ser mínimo quando a educação foi tão prejudicada que precisa adicionar tempo escolar, tecnologia, suporte econômico? Quando o/a agricultor/a não produz pela seca e o/a pequeno/a empresário/a precisa de apoio para recomeçar?
A desculpa da crise econômica não esconde, para um olhar mais atento, o projeto dos governantes de entrega dos negócios públicos ao lucro privado. Mostra, na verdade, que sua incompetência para encontrar soluções em que se atendam os interesses públicos é porque sua “competência” está voltada à desestatização e à terceirização dos serviços.
A tal ponto vai o compromisso com esse projeto que mesmo a palavra dada, de acordo com a ocasião, é relativizada ou mudada. Nem mesmo o alto custo da energia elétrica, da gasolina, do gás de cozinha e da água, num momento de tanta insegurança econômica e social, sensibilizam seus representantes, que impõem aumentos a esses bens estratégicos para a vida, ao incorporar os lucros privados.
É assim que 2021 termina no Rio Grande do Sul, com uma nova mudança de palavra: “a privatização do Banrisul é inevitável” anuncia o governador. Inventa um sujeito dessa ação que não seria ele. Mas é. Está sendo assim com a CORSAN. Foi assim com o magistério: mudou de ideia, não honrou o compromisso.
Triste ano em que os governantes não estiveram à altura de seu povo. “Se um só traidor tem mais poder que o povo, que esse povo não esqueça facilmente” diz a canção.
Escolhemos falar de pessoas que, ao longo deste ano de 2020 e 2021, fizeram diferença em nossa vida pessoal e social.
Temos muitos assuntos e perspectivas que mereceriam ser abordados em mais um final de ano. Decidimos, por ora, reconhecer e abordar a importância de pessoas que sabem somar na realização de trabalhos e desafios cotidianos, alicerçados na humanização. Entendemos que humanizar é nos tornarmos melhores seres humanos, a partir de ideias críticas e reflexivas.
Escolhemos falar de pessoas que, ao longo deste ano de 2020 e 2021, fizeram diferença em nossa vida pessoal e social. As amizades e as parcerias sempre são conquistas que vamos construindo a partir de relações e interações que modificam, substancialmente, as nossas perspectivas e entendimentos sobre a gente mesmo, sobre os outros, sobre a realidade.
Somo-me a estas quatro pessoas por acreditar em dimensões humanizantes da nossa vida pessoal e profissional. Por trabalhar em educação, tenho convicção de que tudo que faço tem uma intencionalidade, uma missão, um rumo, um caminho para melhorar a humanidade, presente em mim e presente em todos os outros/as.
Associo-me ao pensamento de Pablo Picasso: “minha maior esperança é a de que meu trabalho contribui para impedir novas guerras no futuro”.
Adriana Severo dos Santos
Israel Kujawa
Rosângela Trajano (Danda Trajano)
Marcus Eduardo de Oliveira
As pessoas acima listadas foram comunicadas da minha escrita; concordaram com a exposição pública que farei delas; sabem também que o relato de suas histórias e vivências farão bem a outras tantas pessoas que farão leitura desta crônica porque as nossas vidas sempre são entrelaçadas.
As nossas histórias sempre remetem a outras histórias. As nossas buscas são também a busca de outras tantas pessoas que procuram viver a vida com sentido e com “graça”.
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Adriana Severo dos Santos
Adriana é Coordenadora dos Anos Finais de uma das escolas da rede municipal de Passo Fundo. Uma pessoa experiente, com expressivas vivências pessoais, coletivas e de “chão de escola”, de uma sabedoria incrível e de uma vontade de sempre “costurar” as ideias e as práticas pedagógicas já vivenciadas pelo grupo de professores e professoras.
Ela tem uma mente aberta, tem também convicção política-pedagógica. Busca, incansavelmente, entender que, em toda ação pública, há que se fazer o equilíbrio entre os méritos e os métodos. Acredita na escrita, porque quem escreve pensa melhor e sistematiza o seu saber.
Adriana sabe valorizar e enaltecer as potencialidades de cada um e de cada uma de seus professores/as. Sabe também, apontar os limites, buscando recursos para a superação. Valoriza cada iniciativa, cada gesto, cada proposta que surge das discussões e das conversas entre os seus pares, retomando-os quando necessário.
Numa escola, o Coordenador ou Coordenadora é peça chave para organizar os processos didáticos e pedagógicos que resultem em boa aprendizagem dos estudantes. O Coordenador deve conduzir seus professores e professoras para que dêem o melhor de si e encarem os desafios necessários para a superação de seus limites.
Adriana Severo dos Santos, você me ensinou bastante nestes três anos de convivência e de aprendizagem. Te observo muito. Aprendo e reconheço, todos os dias, tuas habilidades e tua sabedoria na condução do grupo de professores e professoras. Nos humanizamos muito com a tua presença e com tua ação na escola.
Pensamento escolhido por Adriana Severo dos Santos:
“A maior recompensa para o trabalho do homem não é o que ele ganha com isso, mas o que ele se torna com isso”.
Professor Israel Kujawa mobiliza, em torno de si, um grupo de pessoas para discutir soluções de problemas sociais, a partir da educação. Tem um perfil agregador, distribui tarefas e responsabilidades, empenhando-se muito em associar os contextos da escola com as realidades dos estudantes e da comunidade em geral.
As suas práticas sociais mais recentes foram a realização de Mestrado e Doutorado com enfoque em estudos da realidade social, a escrita sistemática de crônicas sobre educação e cidadania, a participação em eleições para cargo legislativo e a criação de um canal de yotube (https://www.youtube.com/channel/UCMQoomGetU04CXmolQjkjvA, a partir de onde produz conhecimentos relevantes para o entendimento da complexidade da vida humana e social. O seu pós-doutorado foi no Centro de Comportamento Desviante (CCD), da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da FPCEUP para um grupo de professores pesquisadores interessados no tema de investigação “políticas púbicas de inserção social para jovens em conflito com a lei”.
Kujawa declara-se um humanista; acredita na força do conhecimento para superar a alienação.
Admiro professores que pensam e que agem para além do ambiente escolar. Professores e professoras que desejam colocar o magistério a serviço de práticas sociais e de mudanças que geram impactos mais globais em toda a sociedade.
Desde que o conheço, admiro seu esforço de dialogar, de buscar parcerias, de aglutinar pessoas e mentes para objetivos concretos que viabilizem a intervenção social. Atualmente, Israel está mais focado em movimento sociais, mas continua atuando em diálogos acadêmicos.
Suas experiências de escola pública, de professor universitário e de pesquisador na área educativa e social o tornaram uma pessoa de mente aberta e prática dialógica.
Sua persistente vontade de mudar o mundo, desacomodando e agregando pessoas para busca de alternativas, são parte de minha admiração por ti! Agradeço imensamente por te conhecer e por me sentir também desafiado a colaborar com as tuas ideias e práticas.
“Como estudante e professor nas áreas que interligam aperfeiçoamento na capacidade de pensar, analisar e descrever comportamentos humanos e sociais, me auto defino como um estoico em formação”.
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Rosângela Trajano (Danda Trajano)
Conheci Danda Trajano através de produções unindo filosofia e poesia e poesia há alguns anos atrás. Sempre gostei da ideia de tornar a filosofia acessível às crianças através da adaptação da linguagem e da escrita para que possam, desde a tenra idade, despertar gosto e prazer pelo pensar.
Como coordenador dos Anos Iniciais, numa escola estadual, percebi que colegas utilizavam seus textos para trabalhos com estudantes, o que despertou desejo de conhecê-la.
Nascida e residente em Natal, Rio Grande do Norte, é licenciada e bacharel em Filosofia, mestra em Literatura. Escreve poesia e prosa. É também ilustradora, diagramadora e pesquisadora de filosofia para crianças. Tem mais de 20 livros publicados e edita revista Barbante: https://www.revistabarbante.com.br/
Minha relação mais direta com esta grande pensadora se deu com um convite meu para que ela pudesse escrever uma coluna no site https://www.neipies.com/convidados/rosangela-trajano/ Foi no ano de 2016 e até agora já são quase 80 publicações.
Danda tem um jeito especial de cativar o leitor através de sua escrita. Em todas as suas publicações, consegue juntar a criticidade da filosofia com a leveza da poesia e da literatura, elaborando verdades e conclusões assertivas.
A minha mais recente descoberta é a de que Trajano escreve para viver. Sua vida perpassa a escrita, a reflexão, a vontade de comunicar os seus pensamentos. Outra descoberta é a sua íntima relação com a natureza, sobretudo, sua relação com as árvores.
Danda Trajano é uma destas pessoas que se soma em parcerias, sempre desafiando o nosso crescimento pessoal, coletivo e espiritual. É muito bom estar sempre desafiado com a inquietação de suas grandes ideias. Obrigado pela oportunidade.
Pensamento de Rosângela Trajano: O meu poema é como as criancinhas aprendendo a andar.
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Marcus Eduardo de Oliveira
Marcus Eduardo e eu firmamos uma primeira parceria através de Coluna Fé em Ação que assinamos juntos na Revista Missões há vários anos. Esta parceria, propiciada pela Revista, despertou em mim um desejo de maior compartilhamento, conhecimento e reconhecimento deste grande sujeito e ativista ambiental.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista, professor e ativista ambiental. Pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e mestre pela Universidade de São Paulo (USP), pelo Programa de Integração da América Latina. Tem contribuído como articulista para vários jornais e revistas no Brasil e no exterior. Seus dois mais recentes livros publicados em 2017 e 2018 pela editora CRV, de Curitiba são: “Economia Destrutiva” e “Civilização em desajuste com os limites planetários”.
A partir de convite para integrar grupo de Convidados, Marcus tornou-se um importante colaborador do site na área ambiental e um grande incentivador nas nossas publicações em sua página Economia Ecológica, com quase 300 mil seguidores no Faceboock: https://www.facebook.com/professormarcuseduardo
Em abril de 2020, protagonizamos uma escrita conjunta sobre nossas percepções de mundo, sociedade e planeta. Nesta publicação, apresentamos as nossas crenças e convicções na perspectiva de que o futuro há de ser melhor se nos engajarmos em causas e posicionamentos que resguardem a vida humana e dos demais seres vivos e o próprio planeta. https://www.neipies.com/fe-em-acao-em-defesa-da-vida-e-do-equilibrio-planetario/
Gosto e reconheço a importância da escrita responsável e engajada de Marcus Eduardo de Oliveira sobre as questões ambientais. Vejo com entusiasmo e esperança o seu engajamento, os seus estudos e as suas trocas com outros grandes pensadores brasileiros como Leonardo Boff, Eduardo Suplicy, Padre Júlio Lancellotti e Ailton Krenak, dentre outros.
Marcus Eduardo está aberto a parcerias que sejam em defesa do bem comum e da preservação responsável e ética do nosso Planeta. Tê-lo como parceiro das reflexões que humanizam é motivo de grande alegria!
Pensamento escolhido por Marcus Eduardo de Oliveira: “Não há nenhum fim. Não há nenhum começo. Há somente a paixão pela vida”. (Frederico Fellini)
Existe um caminho a ser percorrido no ano de 2022. Nas horas de Deus, amém! (Zé Vicente)
Nesse final de semana é proporcionada a celebração de momentos significativos na caminhada de fé da humanidade. A participação nesses momentos assinala a comunhão com a Igreja que acolhe o desígnio de Deus na missão de ajudar cada pessoa celebrar o mistério de Jesus, o verbo encarnado (Jo 1,1) que conduzirá todos à salvação.
No dia 31 de dezembro, na liturgia da oitava de Natal, é oportunidade de agradecer o ano que chega ao seu final. Foi feita a travessia, certamente com algumas dificuldades, mas também com realizações. É a dinâmica da nossa história.
Algumas preocupações permaneceram nesse caminhar: a miséria e a pobreza têm aumentado, a fome ameaça muitas famílias, tem-se presenciado muitos casos de violência impetrada de diferentes formas, têm se expressado posicionamentos fundamentalistas de diferentes matizes, sobretudo através das redes sociais. Nesse segundo ano de vigência da pandemia da Covid 19, muitos entes queridos foram perdidos e algumas pessoas ainda estão marcadas pelas sequelas da enfermidade. Famílias enfrentaram dificuldades em razão do desemprego e outros problemas que chegaram aos lares. Pessoas e famílias precisaram se reinventar na trajetória de luta pela sobrevivência e superação das tantas fragilidades.
Vimos também muitas virtudes e valores florescendo nos lares e nas comunidades. A sociedade assumiu iniciativas de solidariedade que fizeram a diferença para muitas pessoas. Algo muito simples: o “quilo” doado pode ter sido a única refeição para a pessoa que recebeu. A criatividade para fazer o bem acontecer tornou o caminho mais leve para muitas pessoas.
Certamente foi um ano exigente para todos. É necessário agradecer ao Senhor a caminhada feita que, cronologicamente, chegou ao final. Bendigamos ao Senhor!
No dia 1º janeiro, início do ano civil, a Igreja propõe celebrar a Solenidade de Santa Maria, mãe de Deus. Reconhece-se Maria como a mãe do “verbo encarnado”, porque ela deu o sim ao desejo de Deus de fazer-se carne na história da humanidade. Ela é a mãe do menino que se fez Deus, aquele que assumiu a nossa condição humana sem perder a sua divindade. O texto proposto para a celebração da solenidade é o evangelho de Lucas 2, 16-21. Narra a alegria dos pastores por encontrarem o Senhor e a atitude de Maria que guardava e meditava os fatos presenciados no seu coração. Aos poucos, a jovem de Nazaré começou a descobrir a extensão do sim dado.
Desde o pontificado de São Paulo VI, a humanidade é motivada, no primeiro dia do ano, a rezar pela paz, uma urgência em nossos tempos.
Compreendamos a paz não apenas como a inexistência de guerras, mas a possibilidade real de vida digna para todas as pessoas do Planeta. A paz que Jesus nos deu vai ser construída a partir da responsabilidade de cada ser humano.
A data de 02 de janeiro de 2022 reserva para os cristãos a celebração da Solenidade da Epifania do Senhor, a manifestação de Deus a toda a humanidade. Ele é a luz para todos os povos. Na noite de Natal o menino Jesus foi visitado pelos pastores homens pobres e desprezados pela elite citadina e que se fizeram os anunciadores da grande novidade (cf. Lc 2,20). Nesse dia celebra-se a visita dos magos do oriente, homens que representam a acolhida universal da salvação. Eles não eram da tradição cultural de Jesus. Contudo, vão até o menino o reconhecendo como alguém importante na trajetória de seus povos.
Segundo o texto bíblico, eles saíram em busca do recém-nascido, guiados pela estrela, até encontrarem o Senhor. Estes homens, diferentemente de Herodes e sua corte (Mt 2,3), alegraram-se pela manifestação do Senhor e reconheceram Jesus como o seu salvador ao ponto de se ajoelharem-se (submissão) e lhe oferecerem presentes (afeto e aceitação).
A humanidade é convidada a celebrar estes momentos com fé e esperança renovada. É a graça do Pai chegando até cada pessoa humana, esperando sua acolhida, porque Ele, em sua graça, transforma o mundo. Deus está dialogando com a humanidade através do mistério celebrado e dos fatos da vida lidos à luz da fé.
Existe um caminho a ser percorrido no ano de 2022.
O criador de todas as coisas convida a entrar no novo ano com coragem, lucidez e esperança. Ele estará com cada um nessa travessia, basta que deixemos se aproximar e conduzir.
Da parte de cada homem e mulher siga-se o conselho de Paulo: “pedimos-vos, porém, irmãos, corrigi os desordeiros, encorajai os tímidos, amparai os fracos e tende paciência para com todos. Vede que ninguém pague a outro mal por mal. Antes, procurai sempre praticar o bem entre vós e para com todos. Vivei sempre contentes. Orai sem cessar. Em todas as circunstâncias. Deem graças por tudo. Porque essa é a vontade de Deus a vosso respeito em Jesus Cristo. Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo: abraçai o que é bom. Guardai-vos de toda a espécie de mal” (cf. 1Tess 5,14ss).
Que o ano de 2022 seja um ano bom, vivido na graça de Deus!
As crianças são iguais as árvores. Elas arrastam as suas raízes pelos corações dos adultos com caras ranzinzas que vivem a chamá-las de mimadas e birrentas. Elas só querem brincar e as árvores só querem um pouco de mimo e atenção.
Em suas belas palavras Tom Jobim nos deixou o seguinte pensamento “Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz.”
Eu fico a refletir onde será esse lugar que as árvores vivem em paz. Deve ser um lugar sem homens chatos, sem serras elétricas e sem a necessidade de derrubá-las para construírem móveis ou casas com as suas madeiras. Tenho vontade de ir morar nesse lugar, mas antes da morte.
Quem dera chegar nesse lugar de paz ainda com a jovialidade que tenho no corpo e na alma, podendo cantar com os pássaros e contar histórias às árvores plantadas nos corações das criancinhas porque a coisa melhor do mundo é existir além da metafísica e confiar as suas palavras de encanto e magia às fadas e aos duendes para eles poderem guardar nas florestas a simbologia maior do ser enquanto ente presente na natureza e práxis de um existir além das aparências.
Afinal, ser sombra também é imagem que pode ser obtida pela visão. As crianças são iguais as árvores. Elas arrastam as suas raízes pelos corações dos adultos com caras ranzinzas que vivem a chamá-las de mimadas e birrentas. Elas só querem brincar e as árvores só querem um pouco de mimo e atenção.
As árvores são tão belas e singelas. Elas nos proporcionam sombra e nos dão frutos. Nunca cobram nada de nós. Nunca se rebelam contra a nossa ambição, ignorância e egoísmo. Estão sempre na floresta, robustas e felizes prontas para nos receber. Nem imaginam que somos os seus maiores predadores, que vamos derrubá-las dentro de alguns segundos. Sim, as árvores são como as crianças, ou seja, elas acreditam que todos somos pessoas boas.
Na sua preocupação de nos oferecer o melhor que pode, a árvore não se preocupa com a nossa maldade. Ela espalha seus galhos, raízes e copa por todos os lados. Parece uma baiana com o seu vestido branco a dançar na avenida em pleno carnaval. A árvore só quer saber de brincar e ser feliz. Para ela não há tempo mal. Gosta de ser abraçada e de receber carinho. Gosta da chuva. Gosta que leiam embaixo dela.
Eu nunca escrevi um texto sem pesquisar antes sobre o que desejo falar, mas este é diferente. Ele sai das profundezas da minha alma para chegar até vocês como um alerta para o cuidado com as nossas florestas. Estamos desmatando muito rapidamente. Estamos queimando as matas. Nas cidades grandes as árvores são derrubadas para a construção de enormes edifícios.
É preciso reconstruir a máquina humana. É preciso que Deus nos crie novamente. Se é que existe um Deus para tomar conta de todo esse desequilíbrio e loucura que virou a terra. Sodoma e Gomorra perderiam para o mundo profano em que estamos vivendo.
Diferentes dos homens dessas cidades, estamos violentando as árvores de uma forma bruta e perversa. Somos algozes da nossa própria morte. Ao matarmos uma árvore esquecemos que estamos nos matando também. O homem na sua ambição e egoísmo de ter muitos bens materiais invade as florestas e corta tudo. Ele quer multiplicar o seu dinheiro. Ele sabe que a madeira dá muito dinheiro. Os pássaros não têm mais lugar para morarem.
Durante a minha infância, os pássaros vinham brincar e fazer ninhos no meu cajueiro. Eu tinha vontade de ser pássaro naquela época porque eu achava lindos os seus ninhos. Ver os pássaros levando galhinhos finos para a construção dos seus ninhos no meu lindo cajueiro chamava a minha atenção. Hoje, eu não quero mais ser pássaro. Tenho medo de não ter onde morar. De levar chuva e sol porque pássaro hoje é um sem-teto.
Eu também tenho vergonha de ser gente. Talvez se eu me tornasse um inseto qualquer vivesse melhor. Mas, nem inseto vive sossegado mais neste mundo cheio de máquinas, concreto e arranha-céus.
O mundo, como disse um ex-aluno meu, está de pernas pro ar. Como ensinar filosofia a quem numa pequena idade já olha para o mundo desse jeito? Como ensinar as crianças que as árvores são importantes para a nossa sobrevivência e bem-estar se seus próprios pais as ensinam que é necessário derrubá-las para ganhar dinheiro.
Na verdade, o homem contemporâneo só pensa no ter. Ele quer ter uma mansão luxuosa, um carro elétrico fabricado ontem, um robô para cuidar da casa e muitos empregados a sua disposição. Ele não está preocupado se as florestas estão sendo destruídas. Ele nem sequer gosta delas. Muitos dizem que as árvores só sujam as ruas com as suas folhas secas, outros reclamam de que suas copas precisam ser podadas vez ou outra e gastam dinheiro com isso. É um Deus nos acuda o homem em relação as árvores.
Contudo, quero fazer um pedido especial a vocês. Espero que os poucos que me acham louca não venham me criticar mais uma vez. Eu posso ser louca por amar incondicionalmente as árvores, por achar que elas gostam de ser abraçadas, que têm sentimentos e que se movimentam a todo instante, mas eu também sou uma mulher assustada e preocupada com o planeta adoecido e sofrendo todos os dias as agressões do homem que só pensa em luxúria. Um dos pecados que Jesus Cristo condenou. Um dos vícios mais temidos pelas sociedades antigas.
Se quisermos salvar as florestas peço que plantemos dentro dos nossos corações de forma poética e metafórica uma árvore. Sim, que possamos sair por aí com um coração batendo e nos lembrando a todo instante da importância de cuidarmos das árvores, que possamos repetir esse gesto com os demais amigos e familiares, que assim como as fake news que se espalham rapidamente, esse gesto de carregar uma árvore dentro do coração possa se espalhar pelo mundo inteiro.
Claro que você nunca vai conseguir plantar uma árvore de verdade dentro do seu coração, e nem eu estou ficando louca. Isso é uma forma poética que encontrei para falar e chamar a sua atenção de que as árvores também precisam de amor. Sem amor nada sobrevive. As árvores são sensíveis e por qualquer coisa choram. Se não recebem abraços e carinhos logo morrem. Se resistem é porque acreditam em você. Sim, você é o grande responsável por aquela árvore secular na pracinha do seu bairro. Ela só quer ser carregada no seu coração pra cima e pra baixo.
Levar uma árvore consigo dentro de um avião, numa reunião de negócios, num congresso de engenharia não vai fazer de você um tolo, mas um homem que se preocupa com o futuro das florestas.
As pessoas que mais se destacam no mundo dos negócios não são as que sabem de muita matemática e estratégias, mas as que são criativas e que podem do nada trazerem uma ideia nova à empresa. Conquiste os seus clientes pedindo para eles plantarem uma árvore dentro dos seus corações caso não tenham espaço em casa para plantarem uma fisicamente.
Cada árvore plantada no coração é uma poesia que voa céus e ganha novos horizontes criando narrativas nos pensamentos alheios e induzindo outras pessoas a fazerem esse mesmo gesto. Tendemos a imitar os outros. Que possamos imitar aqueles que plantam árvores nos corações e saem falando das suas coisas boas para experimentarmos na primeira oportunidade plantarmos árvores de verdade nas calçadas ou quintais das nossas casas.
Na minha rua tem uma árvore gigante. Cada pessoa da minha rua leva essa árvore no seu coração para onde vai porque ela conta muitas histórias doídas e ao mesmo tempo lindas. Quando jovem eu namorei embaixo da sua sombra. Eu também sonhei abraçada ao seu tronco e recebi alimento para crescer sorridente e com vontade de tornar o mundo melhor através de toda a sabedoria que esta árvore me passou. As árvores depois dos anciãos são as coisas mais sábias que há no mundo.
Se déssemos mais atenção ao que as árvores nos contam, certamente, seríamos mais inteligentes.
Elas trazem narrativas belas sobre tempos longínquos e têm muito a nos contar. Só as árvores sabem contar histórias em completo silêncio. Para ouvi-las basta encostar a cabeça nos seus troncos e ficar quieto. Elas também são boas ouvintes. Conte algo para uma árvore e ela guardará segredo para o resto da sua vida.
Levar uma árvore no coração é tornar-se árvore. As crianças costumam querer carregar os seus brinquedos para a escola. Já pensou se as ensinássemos a levarem dentro dos corações uma árvore e poderem multiplicá-la com outros coleguinhas? Se tivéssemos o costume de dar as nossas criancinhas uma árvore de brinquedo que pudesse contar-lhes histórias seria o maior barato, não é mesmo? Eu nunca vi uma árvore de brinquedo e muito menos contadora de histórias. Fica aqui a minha sugestão as fábricas de brinquedos.
Quando criança a minha mãe fazia suco para gente com as sementes. O suco de goiaba ou de maracujá costumava vir cheio de sementes. Eu ficava a pensar que nasceriam várias árvores dentro de mim logo depois de tomar o suco. Talvez seja por isso que durante esse tempo virei mais árvore do que gente. Talvez por isso possa compreender as árvores e os seus sentimentos de uma forma mais completa do que as demais pessoas que só têm dentro de si feijão e arroz.
Quem na infância sentiu fome e encontrou numa árvore o alimento de que precisava para encher a barriga vai saber do que estou falando. Muitas vezes chupei cinco ou dez cajus na hora do almoço. O meu vestido branco era cheio de nódoas de caju. A mamãe reclamava. Eu achava aquelas nódoas tão bonitas. Elas eram como tatuagens no meu único vestido de passear e ir à igreja. O padre olhava para mim e me benzia carinhosamente todos os domingos sem questionar o vestido que eu repetia sempre.
Ao plantar uma árvore no coração o homem cria raízes de sabedoria, gentilezas, bondade e caridade. Ele tornar-se mais virtuoso e submerge a existência da natureza nas profundezas do seu ser, tornando-a mais coisificada e dialética que a consciência do ser enquanto nada, pois é preciso explorar o Daemon e o gigante Adamastor no que eles têm de bom a nos ofertar.
Assim como a terra pode fecundar os alimentos para a nossa sobrevivência, tudo o que colocamos nos nossos corações podem se fecundar e tornarem-se alimentos espirituais. A árvore plantada no coração experimenta o passar dos tempos e nos imortaliza de uma certa forma que onde formos sepultados nos tornaremos uma delas mesmo que na poesia do vento. É preciso ouvir o balançar dos galhos da sua árvore quando o vento passar. Não é porque ela vive no seu coração de forma poética que não tenha movimentos.
Permita-se ser chamado de tolo, de louco, de ignorante pelos homens de negócios, eles são uns tontos e não valem sequer um pimentão vermelho. Seja mais você aprenda a plantar uma árvore dentro do seu coração e nos corações das suas crianças. Como os alimentos da sua árvore, pendure-se nos seus galhos e considere os lugares por onde as suas raízes passarem, pois elas nutrem os sonhos e desejos.
A árvore que você plantou no seu coração um dia pode lhe salvar a vida, de uma certa forma. É a poesia da árvore que vai conduzir o seu benquerer. Seja árvore!
Assim dizia o poeta português Fernando Pessoa “Segue o teu destino… / Rega as tuas plantas; /Ama as tuas rosas/ O resto é a sombra de árvores alheias.”
Aprendas a regar a árvore que plantaste no teu coração e verás que logo ela te dará fruto porque sabe ser grata e companheira nas horas difíceis. A tua árvore é o sangue que sai do teu corpo e sobe o monte Olimpo para servir aos deuses o banquete da sabedoria de amar as rosas.
Quer saber por que fiz as pazes com ele? Porque cheguei à conclusão de que não será uma figura imaginária que ofuscará a pessoa de Jesus no Natal. Já houve quem até satanizasse o velhinho.
Devo admitir que aprecio muito a atmosfera natalina. Gosto de ver as casas enfeitadas, o corre-corre, a mesa farta, a troca de presentes, e até… o Papai Noel. Sou fã do bom velhinho. Tive minhas desavenças com ele anos atrás, pois julgava que estava usurpando o lugar de Cristo. De um tempo pra cá, fiz as pazes com Noel. Antes que alguém me esconjure, deixe-me explicar.
Gosto de ver as casas enfeitadas, porque nesta época do ano elas se tornam mais aconchegantes. Os olhos da criançada brilham enquanto vêem a mãe enfeitando a árvore com penduricalhos e pisca-pisca. Quem não tem uma boa lembrança da infância quando chega este período do ano?
As casas iluminadas contagiam a vizinhança de um clima de celebração. É lindo ver os filhos envolvidos na decoração da casa. Quando vejo um pinheiro de natal, lembro-me de que foi Martinho Lutero, o reformador protestante quem começou esta tradição. As bolas representavam o fruto do Espírito Santo. O pinheiro foi escolhido porque é a única árvore a sobreviver à estação do inverno nos países onde é mais rigoroso sem perder a folhagem.
E quanto ao Papai Noel? Quer saber por que fiz as pazes com ele? Porque cheguei à conclusão de que não será uma figura imaginária que ofuscará a pessoa de Jesus no Natal. Já houve quem até satanizasse o velhinho.
Uma igreja na Inglaterra chegou a dizer que o seu nome em inglês seria um anagrama do nome “Satan”. Isso porque seu nome em inglês é Santa Claus, devido à tradição que o associa a São Nicolau. Na mente fértil desta turma, Santa, como geralmente é chamado pela criançada nos países de língua inglesa, seria na verdade Satan, bastando trocar a letra “n” de lugar. #Peloamordedeus!
Imagina se o meu Jesus ficaria enciumado por causa de um personagem fictício, que no imaginário popular representa generosidade! Por que não usar a própria figura do Papai Noel para anunciar a Cristo às crianças? Seria muito mais produtivo do que simplesmente demonizá-lo. Imagine alguém fantasiado de Noel numa comunidade carente, com o saco cheio de presentes para criançada, de repente, antes de distribuí-lo, ele anuncia que o verdadeiro presente de Natal é Jesus, dado por Deus aos homens para que tenham vida eterna.
Ademais, sinto-me mais confortável de ver o “bom velhinho” sendo usado como garoto propaganda durante o período natalino, do que ver o meu Senhor tendo Sua imagem associada a qualquer que seja o produto. Seria, no mínimo, desrespeitoso.
Cristo jamais foi ameaçado por personagem algum. No Natal há lugar para o magos do Oriente, para os pastores de Belém, para o anjo Gabriel e para tantos outros personagens bíblicos, inclusive o malévolo rei Herodes. Noel entra de penetra, mas é bem-vindo.
Apesar de ser associado a Nicolau, um cristão primitivo que prezava as crianças, tornou-se num ícone natalino através de uma campanha da Coca-cola nos anos 30. Antes disso, ninguém o reconheceria vestido com aquela roupa vermelha, botas pretas, saco de brinquedos e trenó.
Dito isso, desejo antecipadamente a todos os meus leitores um Natal repleto de alegria e contentamento no Espírito. E que os cristãos não sejam vistos como estraga-prazeres, e sim como aqueles que têm motivo extra para festejar.
É chegada a hora de sair, de voar como diz uma passagem bíblica “os filhos são flechas na mão do guerreiro”. Isso quer dizer que os filhos devem ir mais longe que os pais e essa, meus queridos e queridas, é a nossa missão atirar a flecha.
É com imensa alegria que estou aqui nesta noite para homenagear nossos filhos, nossos mais valiosos tesouros.
Estar aqui com vocês é a concretização de mais uma etapa, é ver vocês seguindo o caminho, passo a passo. Eu lembro, e assim como muitos pais aqui lembrarão, do primeiro dia que entramos por esse portão de mãos dadas com vocês, muito pequeninhos e com os olhinhos brilhantes e nós com o coração na boca. Afinal, era o primeiro dia de aula na escola dos grandes, confiamos vocês à escola, que hoje nos devolve futuros homens e mulheres.
Procuro aqui e agora aqueles pequenos, não, não são mais tão pequenos, mas os olhos continuam a brilhar, e vemos neles as mesmas expectativas de anos atrás, as dúvidas, os anseios enfim, tudo de novo e os nossos corações mais uma vez, estão apertadinhos.
Queridos filhos e filhas, não existem palavras para expressar nosso orgulho de ver o fechamento desse ciclo, foram todos guerreiros e guerreiras afinal, foi na nossa existência que passamos por uma pandemia e tivemos que conviver com o medo, com o isolamento, longe da escola e dos amigos.
Amados e amadas, vocês são as maiores riquezas que podemos ter em nossas vidas. A partir do momento que Deus nos concedeu o privilégio de sermos mães e pais, é como se um pedaço nosso vivesse em outro corpo, é como se nada nesse mundo pudesse ser maior que esse amor, todos os dias agradecemos a dádiva que é sermos pais de vocês, esperamos que diariamente os caminhos que decidirem seguir, sejam iluminados e sempre conquistem seus objetivos.
Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, incertezas, alegrias e conquistas, é estar a todo momento se questionando se estamos agindo certo com vcs, é estar lapidando dia após dia a nossa joia mais preciosa.
Nossos queridos e queridas, creio eu que não haja nesta vida algo que seja capaz de mensurar o amor que temos por vocês, saibam que estaremos sempre aqui para ajudar, aconselhar, levantar, chorar, sorrir … hoje é um dia de orgulho afinal não são todos que conseguem chegar até aqui, mas vocês estão… vocês devem seguir, vocês são o futuro sendo plantado hoje.
Sei que não foram anos fáceis, mas virão outros com outros desafios e vocês estão aptos para vencer, e nós prontos para aplaudir.
Vivam intensamente com sabedoria, escolham seus caminhos, corram atrás dos seus objetivos, realizem seus sonhos… mas, principalmente, sejam felizes durante toda trajetória de vocês, a vida é curta, mas é maravilhosa.
E, para finalizar, quero dizer a vocês nossos filhos e filhas que todos os esforços que fizeram foram finalmente recompensados, foram dias de aprendizagem e muito tempo estudando, mas muito foi superado e vocês merecem sentir o prazer da vitória, mas nos prometam que teremos outras e outras formaturas. Que venha o Ensino Médio, que permaneçam as amizades.
Neste momento que vivemos, é tempo de sonhar e começar uma nova fase. Que os dias que se aproximam sejam de muito sucesso, tanto no âmbito pessoal, como profissional.
É chegada a hora de sair, de voar como diz uma passagem bíblica “os filhos são flechas na mão do guerreiro”. Isso quer dizer que os filhos devem ir mais longe que os pais e essa, meus queridos e queridas, é a nossa missão atirar a flecha. Sigam, mas não esqueçam estaremos aqui. Obrigada por serem nossos filhos e filhas amadas e amados… e para deixar aqui registrado …. nós também amaremos vocês de janeiro a janeiro até depois do mundo acabar.
Um grande abraço e mil beijos de nós seus pais e mães.
O processo biológico do indivíduo é nascer, crescer e morrer. Se ele não dá continuidade a sua vida, o sistema social se acaba porque não vai ter pessoas para se relacionarem umas com as outras. O essencial é que essa continuidade esteja sempre presente e que ao envelhecer o indivíduo já tenha criado vários laços de parentesco dentro da tribo.
O sistema político de Evans-Pritchard é uma série em expansão de segmentos opostos a partir das relações dentro da menor seção tribal até as relações entre tribos e estrangeiros, pois a oposição entre segmentos da menor seção parece-nos ter o mesmo caráter estrutural que a oposição entre uma tribo e seus vizinhos Dinka, embora a forma de sua expressão seja diferente. Muitas vezes não é nada fácil decidir se um grupo deve ser considerado como uma tribo ou como o segmento de uma tribo, pois a estrutura política possui uma qualidade dinâmica.
Nas tribos maiores, os segmentos reconhecem uma unidade formal, porém pode haver pouca coesão real. O valor tribal ainda é afirmado, mas as relações concretas podem estar em conflitos com ele já se que baseiam em lealdades locais dentro da tribo e, em nossa opinião, é nesse conflito entre valores rivais dentro de um sistema territorial que consiste na essência da estrutura política.
O autor sugere, ainda, que os grupos políticos Nuer sejam definidos, em função dos valores, pelas relações entre seus segmentos e por suas inter-relações enquanto seus segmentos de um sistema maior numa organização da sociedade em determinadas situações sociais, e não enquanto partes de espécie de uma moldura fixa dentro da qual vivem as pessoas.
Pelo que eu entendi a estrutura social dos Nuer se dá com a ausência de órgãos de governo entre eles, a ausência de instituições legais, de liderança desenvolvida e, em geral, de vida política organizada. O estado por eles formado é um estado por parentesco e acéfalo, e somente através do estudo do sistema de parentesco é que se pode compreender como se mantém a ordem e como se estabelecem e se conservam as relações sociais em amplas áreas.
A anarquia ordenada em que vivem combina muito bem com seu caráter, pois é impossível viver entre os Nuer e conceber a existência de pessoas que os governem. Seriam relações difíceis e complexas, mas que conseguem conviver conforme os seus rituais e tradições, ou seja, as suas próprias tradições e rituais que de uma certa forma organizam a “bagunça” da tribo.
A estrutura social do Evans-Pritchard se aproxima da definição de estrutura social do Radcliffe-Brown quando os dois partem do princípio de que essas estruturas se dão conforme a complexidade das relações entre as pessoas. Sendo assim, essas relações apesar de terem uma estrutura complexa conseguem manter a ordem e estabelecer a convivência das pessoas numa mesma tribo.
A anarquia organizada seria aquela que apesar de não ter um governo ou alguém que estabeleça normas e leis a serem seguidas, os Nuer conseguem conviver dentro das suas tradições e rituais entendendo que cada pessoa da tribo tem a sua liberdade e ao mesmo tempo a tomada dela conforme o que fizer contra o seu outro ou aquilo que seja considerado errado dentro dos princípios determinados pela tribo. Seria uma espécie de convivência a base de regras ditadas pelas próprias pessoas da tribo e que são seguidas de uma forma organizada, mas que não são governadas por nenhum órgão oficial.
Os Nuer têm as suas tradições e rituais, sendo neles que são estabelecidos os princípios pelos quais as pessoas da tribo devem ser regidas, mas sem nenhum sistema de governo oficial para determinar ou não o que deve ser feito. É uma ausência de governo, mas ao mesmo tempo uma presença na cabeça de cada pessoa da tribo da sua responsabilidade para a boa convivência com os demais.
O fator tempo, segundo o que ficou entendido, é que Meyer Fortes está preocupado com as mudanças que ocorrem entre as pessoas e as suas consequências para o bem comum de todos.
Essas transformações individuais podem afetar o social e muitas vezes o indivíduo é influenciado pelo seu tempo de vida e a sua experiência adquirida ao relacionar-se com os demais a se comportar de diferentes formas ao longo de um tempo não somente cronológico, mas de um tempo de mudanças que se baseiam em vivências e experiências com o outro.
O que é necessário para que esse sistema social se mantenha é a sua efetivação, ou seja, que os indivíduos possam dar continuidade as suas vidas através dos seus parentescos. O crescimento e o desenvolvimento físico do indivíduo é importante para a antropologia, pois para manter um sistema social é necessário que a tribo tenha filhos e os veja crescer e se reproduzir. A continuidade da tribo precisa ser estabelecida de alguma forma e isso deve ser levado em consideração por todos que dela pertencem.
O processo biológico do indivíduo é nascer, crescer e morrer. Se ele não dá continuidade a sua vida, o sistema social se acaba porque não vai ter pessoas para se relacionarem umas com as outras. O essencial é que essa continuidade esteja sempre presente e que ao envelhecer o indivíduo já tenha criado vários laços de parentesco dentro da tribo.
Mas qual o sentido do Natal? Em que aspecto o Natal poderia ter um sentido formativo? No que o Natal se transformou? O que significa fazer a Pedagogia do Natal?
A proximidade do Natal sempre é acompanhada de boas recordações, principalmente da minha infância. Natal era carregado de uma magia, de uma expectativa vibrante, de uma espera ansiosa para a inesquecível noite. Não por causa dos presentes ou das festas, mas pela simbologia da espera. Natal não era associado a Papai Noel, mas ao nascimento de Jesus.
Até os 7 a 8 anos, acreditava profundamente que o presente não era comprado por meus pais nas lojas, mas vinha diretamente do Menino Jesus. Lembro que o presépio era preparado com carinho, com barba de bode, pinheirinho com decorações simples, reis magos, Nossa Senhora e São José, os pastores, ovelhas, a vaca, o jumento, a manjedoura.
O cenário para que o Menino Jesus viesse trazer os presentes de Natal. Eram tempos difíceis, em que a energia elétrica nem tinha chegado no interior de minha cidade natal de Vila Maria/Marau, mas mesmo à luz de vela, o Natal era mágico, encantador, espiritual, simbolicamente significativo. O religioso era preponderante em relação ao comercial; a pureza de coração era mais vibrante que a artificialidade das compras; o nascimento de Jesus na manjedoura de Belém ganhava mais destaque que os enfeites coloridos de luzes que gastam energia para além do necessário; a ostentação era mais tímida que as formas agressivas dos dias atuais.
A mecanização agrícola não tinha chegado na região, o trabalho era duro, intenso, interminável. Numa véspera de Natal, se não me engano em 1976 (na época com 8 anos), trabalhei (talvez hoje seria considerado trabalho infantil?) com meus pais e meus irmãos num sol escaldante na lavoura, capinando no meio do milho até o cair da tarde. Mas tudo aquilo não era sofrido, pois sabia que à noite iríamos para a cidade de Marau assistir a encenação de Natal apresentado em frente à Igreja; e ao chegar em casa o Menino Jesus já havia deixado os presentes na árvore de Natal.
Presentes simples, uma cestinha com alguns doces e um brinquedo. Mas para mim era a alegria de receber um presente do próprio Menino Jesus. Havia algo de simbólico, de sagrado neste acontecimento e na minha infantilidade acreditava que o Natal era o acontecimento mais bonito do planeta.
O Natal certamente continua sendo uma das festas mais tradicionais do planeta. No mundo todo o Natal continua sendo aguardado com elevada dose de expectativa, entusiasmo e emoção por todas as idades. Os preparativos começam no final de novembro, se intensificam no mês de dezembro e tem seu ponto culminante na Noite de 24 de dezembro. Presentes, ceia de Natal, decorações, luzes, árvore natalina, Papai Noel, anúncios comerciais de todos os tipos e formas, são alguns dos sinais que o Natal está se aproximando.
Mas qual o sentido do Natal? Em que aspecto o Natal poderia ter um sentido formativo? No que o Natal se transformou? O que significa fazer a Pedagogia do Natal?
Às vezes me dá a impressão que a grandiosidade do “natal comercial” está realizando uma metamorfose estranha em que mais se torna menos: mais presentes e menos autenticidade; mais luzes e menos fé; mais comida e menos espiritualidade; mais ostentação e menos solidariedade; mais riqueza e menos amor; mais economia e menos humanidade; mais superficialidade e menos profundidade.
Talvez precisamos educar as novas gerações para que possam compreender o sentido do Natal que está a quilômetros de distância da forma como foi transformado pelos interesses mercantilistas do “natal comercial”.
Talvez seja urgente e necessário ajudar nossas crianças a entender que o nascimento de Jesus numa gruta/manjedoura não é um simples folclore popular, mas um ato simbólico de que o NATAL (com letra Maúscula) não se materializa na ostentação, mas na simplicidade, na renovação das nossas crenças, na superação dos preconceitos, no dar-se conta que somos seres finitos, limitados e de que dinheiro e poder não podem e não são as razões principais para viver. E assim, talvez possamos viver um FELIZ NATAL.
Estas histórias instigam as crianças no desenvolvimento de suas potencialidades anímicas, buscam extrair as tendências positivas, inatas no espírito humano, ao que é bom, belo e verdadeiro e que precisam ser despertadas. Estas boas histórias têm o poder de falar, em profundo silêncio, ao espírito da criança, educando as dimensões morais, emocionais e espirituais de sua inteligência.
A OLSEN EDITORA sente-se honrada em participar do lançamento desta obra, fruto do trabalho das autoras Donatela Dourado Ramos e de Maria Isabel Bolson Arruda, sob supervisão editorial de Gladis Pedersen de Oliveira, no dia 19 de dezembro de 2021, Na S.B.E. Bezerra de Menezes, em Porto Alegre. A programação festiva encerrou com momento artístico e seção de autógrafos.
É um livro que também pode ser utilizado em escolas ou na família, onde as autoras apresentam as Bem-aventuranças de Jesus às crianças.
Para contornar a natural dificuldade de tratar de um tema de tamanha profundidade, dirigido a esse público, são apresentadas pequenas histórias originais ou adaptadas e casos baseados em fatos.
Após cada história, são trazidas explicações que podem servir de subsídios a pais, avós, tios e educadores para abordar o assunto com as crianças.
Jesus foi o maior contador de histórias que o mundo já conheceu. Procurava sempre usar de linguagem apropriada ao seu público e de imagens conhecidas. Ele dava exemplos concretos e transmitia sua mensagem a partir dos conhecimentos, hábitos e costumes das pessoas que o ouviam, na época em que esteve entre nós. Sabia que para muitas lições precisaria usar símbolos, parábolas, para ser melhor entendido.
Estas histórias instigam as crianças no desenvolvimento de suas potencialidades anímicas, buscam extrair as tendências positivas, inatas no espírito humano, ao que é bom, belo e verdadeiro e que precisam ser despertadas. Estas boas histórias têm o poder de falar, em profundo silêncio, ao espírito da criança, educando as dimensões morais, emocionais e espirituais de sua inteligência.
Para ilustrarmos o valor do trabalho, colocamos a história “Um pedido de desculpas”, do capítulo 3 da referida obra (Bem-aventurados os mansos porque possuirão a Terra):
Quando o menino Marcos chegou em casa com o bilhete da professora, informando que ele havia batido em uma coleguinha, sua mãe ficou muito desapontada, pois seu filho nunca tinha feito isso antes.
– Como isso tinha acontecido? – pensava a mãe, enquanto Marcos tentava explicar, sem sucesso!
– Meu filho! Vou te contar uma história que aprendi na Escolinha de Evangelização, quando pequena:
Certa vez, dois irmãos que moravam em fazendas vizinhas, separadas apenas por um riacho, entraram, pela primeira vez, em conflito. O que começou com um pequeno mal-entendido, finalmente explodiu numa troca de palavras ríspidas, seguidas por semanas de total silêncio.
Numa manhã, o irmão mais velho ouviu baterem à sua porta. Ao abri-la, notou um homem com uma caixa de ferramentas de carpinteiro em sua mão, que lhe disse:
– Estou procurando por trabalho. Posso ajudá-lo?
– Sim! disse o fazendeiro. Claro que tenho trabalho para você. Veja aquela fazenda além do riacho. É de meu vizinho, na realidade, do meu irmão mais novo. Brigamos e não posso mais suportá-lo. – Vê aquela pilha de madeira perto do celeiro? Quero que você me construa uma cerca bem alta ao longo do rio para que eu não precise mais vê-lo.
– Acho que entendo a situação, disse o carpinteiro. Mostre-me onde estão o martelo e os pregos que, certamente, farei um trabalho que lhe deixará satisfeito.
Como precisava ir à cidade, o irmão mais velho ajudou o carpinteiro a encontrar o material e partiu.
O homem trabalhou arduamente durante todo aquele dia, medindo, cortando e pregando. Já anoitecia quando terminou sua obra, ao mesmo tempo que o fazendeiro retornava. Porém, seus olhos não podiam acreditar no que viam. Não havia qualquer cerca! Em seu lugar estava uma ponte que ligava um lado do riacho ao outro.
Era realmente um belo trabalho, mas, enfurecido, exclamou:
– Você é muito insolente em construir esta ponte após tudo que lhe contei!!!
No entanto, as surpresas não haviam terminado. Ao erguer seus olhos para a ponte, mais uma vez, viu seu irmão aproximando-se da outra margem.
Cada um dos irmãos permaneceu imóvel de seu lado do rio, quando, num só impulso, correram um na direção do outro abraçando-se e chorando no meio da ponte. Emocionados, viram o carpinteiro arrumando as ferramentas e partindo.
– Não, espere! – disse o mais velho. Fique conosco mais alguns dias, tenho muitos outros projetos para você.
O carpinteiro então lhe respondeu:
– Adoraria ficar, mas, tenho muitas outras pontes para construir.
– Que legal esta história mãe!
– Que bom que gostaste, filho! Vê a lição aprendida pelos dois irmãos, se não fosse a ponte construída, até hoje estariam brigados e perdendo a oportunidade do convívio fraternal. Eu serei a sua ponte! Amanhã você vai levar um vaso de flores para a sua amiguinha, pedir desculpa e não voltar mais a brigar com quem quer que seja.
– Está certo, mãe, eu sei que errei. E você vai comigo?
– Sim, filho! Estarei sempre ao seu lado.
No outro dia, Marcos entregou o lindo vaso de flores para sua coleguinha e pediu desculpas pela atitude na frente de toda a classe. A paz estava selada e a lição aprendida.
(Adaptada da história “Construindo Pontes” – DIJ/FEB -2º Ciclo-de- -Infância-Modulo-III)
Após cada história, as autoras oferecem a proposta de reflexão: “Vamos tentar entender o que Jesus quis dizer sobre quem são os mansos, os brandos? A partir daí é desenvolvida a ideia básica da Bem-aventurança.
As autoras do livro representam o “semeador”, das parábolas de Jesus. Elas estão lançando a semente do bem na terra fértil do coração infanto-juvenil.
Entrevista Padre Júlio Lancellotti – Adriano de Lavor (Revista Radis)
Há 35 anos ele abraçou a missão de levar a fé às ruas, sempre ao lado das pessoas em situação de vulnerabilidade. Prestes a completar 73 anos de idade [o aniversário é dia 27 de dezembro], padre Julio Renato Lancellotti é vigário episcopal para a população de rua da Arquidiocese de São Paulo e pároco na igreja de São Miguel Arcanjo, bairro da Mooca, região leste da capital. Um dos líderes religiosos mais atuantes no campo social, seu trabalho ganhou notoriedade nacional durante a pandemia de covid-19, quando quebrou a marretadas pedras instaladas pela prefeitura de São Paulo sob viadutos que serviam de moradia para pessoas sem moradia.
Agraciado nos últimos meses com o prêmio Zilda Arns, de Direitos Humanos de 2021, concedido em agosto pela Câmara dos Deputados, e com o Colar de Honra ao Mérito, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em novembro, padre Julio nunca buscou holofotes ou reconhecimento. No dia em que concedeu esta entrevista à Radis, no fim do mês de setembro, foi enfático em descartar qualquer interesse ou projeto relacionado ao poder — “Se tem alguma coisa que eu não aspiro é o poder. Nenhum tipo de poder, nem o eclesiástico” — ao seguir sua rotina de articulação em defesa dos mais vulneráveis e acolhimento dos que precisam de um prato de comida, um teto para viver, um olhar de atenção.
Nascido no bairro do Brás, filho de pai comerciante e mãe secretária, não é de hoje que padre Julio não se deixa envolver em polêmicas e segue firme no propósito de acolher quem precisa, mesmo nos dias em que o risco da pandemia exigia estratégias de distanciamento social. “Regras sanitárias não significam incomunicabilidade. E não significam o desconhecimento do outro, a negação do outro”, declarou nesta entrevista, em que também destacou a importância da comunicação e da humanização nas ações de saúde e criticou a solidão que acompanha o uso das redes sociais.
Teólogo, educador e técnico em Enfermagem por formação, foi um dos fundadores dos grupos da Pastoral da Criança e colaborou na formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde que se ordenou padre, em 1985, atua junto a adolescentes em conflito com a lei, detentos em liberdade assistida, pessoas com HIV/aids e populações de baixa renda e em situação de rua. Nos anos 1990, fundou casas de apoio para crianças que vivem com HIV e atuou diretamente na assistência às pessoas que viviam na região conhecida como Cracolândia, no Centro da Cidade.
Ativo e ativista na defesa do respeito às diferenças e da celebração da diversidade, ele defendeu uma formação menos positivista e mais integral para profissionais de saúde, chamou atenção para os riscos de uma “espiritualidade alienante” e mostrou o poder da inclusão e da interlocução para construir uma realidade mais justa e saudável: “A gente tem que aprender a conviver com a diversidade e a pluralidade, sem querer destruir ninguém”.
Padre, em uma homilia recente, o senhor comentou uma passagem da Bíblia que fala dos “microscópicos, dos descartáveis, das pessoas que ninguém vê”. O senhor tem um histórico de trabalho com as populações invisíveis. Como é trabalhar com os microscópicos de hoje?
É ser desvalorizado, também. É entrar na mesma lógica. Se você está do lado dos descartados, você vai ser descartado também.
E qual a contribuição que os profissionais de saúde podem dar para mudar este cenário?
A contribuição que todos podem dar, e não há algo específico que cada um possa dar, é que todos temos que resistir ao massacre. Nós estamos vivendo um massacre. E cada um, à sua maneira e como pode, tem que tentar resistir ao massacre.
Quais são os impactos desse massacre na saúde das pessoas que vivem em situação de rua?
Acho que aumenta o sofrimento mental, aumenta a distorção de percepção. Uma das coisas que mais me chama a atenção é aquilo que a [escritora] Simone de Beauvoir já falava: “Os opressores não teriam tanto poder se não tivessem tantos cúmplices entre os oprimidos”. E o que depois o Paulo Freire coloca: “Se você não tem uma educação libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”. A população de rua é atingida pela mesma ideologia dominante. Então eles também reproduzem a mesma forma de pensar. O fato de você ser da rua não significa que você tenha um pensamento libertário. Na rua também tem “terraplanista”, na rua também tem negacionista, e eles também vão encontrando os diversos expedientes da lógica neoliberal para agir. Eles também querem acumular, eles também querem ter vantagens, como todo mundo. Eles não são imunes à forma dominante de pensamento. Eles são invisíveis, dependendo do momento, mas há momentos em que são extremamente visíveis: quando eles estão perturbando.
Essa é uma estratégia de chamar atenção para si?
Não só isso. A sociedade não os vê porque a percepção é seletiva. Você só percebe aquilo que quer. Ou você percebe segundo a sua forma de percepção. Então a percepção dos grupos sociais, se eles estão sofrendo, mas não estão incomodando, não importa. Se ele está com fome, mas está lá no buraco onde ele mora e eu não estou vendo, então não importa. Mas se eu vejo, importa.
Diante deste cenário, como o senhor avalia a atuação da Saúde?
Nós padecemos de um grande mal, que é a compartimentalização da saúde. Se a pessoa está com um problema em determinada especialidade, o profissional não é capaz de vê-la como um todo. Esse é um problema geral da Saúde, que atinge todos, as pessoas de rua também. Então o que acontece é que elas vão ser atendidas por um profissional daquela especialidade, mas o sofrimento delas, na totalidade, não é somente cardíaco, ou renal, ou ortopédico; o sofrimento está na existência delas. Então o profissional não olha para a existência da pessoa, olha para aquela área que trabalha. Assistente social vai ver uma área, psicólogo outra, médico outra. Ele, inteiro, quem vai ver? É um problema geral, mas que na população de rua se agudiza mais.
O senhor tem formação nas áreas de Saúde e de Educação. Como essa trajetória lhe ajudou a se sensibilizar para as causas com as quais trabalha hoje?
A grande questão é ver a totalidade da pessoa. Nenhuma pessoa é uma coisa só. Ou: ninguém é um problema só. Na população de rua, por exemplo, o pessoal acha que se tiver emprego vai resolver o problema. Não é uma verdade absoluta para todos. “Ah, se tivesse moradia resolveria!” Também não é uma verdade absoluta. A gente vive o mundo do individualismo, do subjetivismo, mas é do “meu” subjetivismo, do “meu” individualismo. Eu não aplico isso para os outros. Falta pensar: Qual é a percepção que ele tem de mim? Eu sei qual é a percepção que tenho dele, mas dificilmente eu faço um exercício para saber qual é a percepção que ele tem de mim.
Falta escuta?
Isso é geral! Saiu um livro recentemente, que recebi ontem, que fala da solidão. A gente nunca viveu tanto em massa e tão solitário. A solidão na rua é ainda mais grave. Em todas as atividades que a gente faz, a gente busca mais que entregar o pão; não é somente porque esse pão vai matar a fome da pessoa, mas porque entregar o pão é um instrumento de quebra da incomunicabilidade. Você entrega o pão e olha para a pessoa. E a pessoa te vê, também. Então há uma interação. Você viu aqui que eu não estava entregando nada. Mas eles fizeram uma interação comigo. Quem é que interage com uma pessoa de rua? Quando acontece, é uma interação muito pragmática. Eu vou falar com você porque você vai tirar documento ou ter uma consulta. Eu não falo com você porque você é uma pessoa e quero conversar.
O senhor considera então que a comunicação é essencial para a garantia do direito à saúde?
A comunicação é essencial em todos os sentidos. Para comunicar sentimentos, emoções. Como a população de rua comunica a dor? A dor não é só física, é uma dor existencial. Se eu vou a um médico com dor de estômago, ele só pergunta do meu estômago, mas não investiga por que será que meu estômago não vai bem.
Falta uma formação mais integral para os profissionais de saúde?
Hoje a formação dos profissionais é muito positivista, aliás, a educação brasileira é muito positivista. Em todas as áreas. Você vê na área médica: as pessoas vão para especialidades, mas não tem ninguém especialista em ser humano. Tem especialista no pé do ser humano, na cabeça, na mão, no olho, no ouvido, na bexiga, mas não tem ninguém especialista no ser humano. Seria quem? O psiquiatra? O psicólogo?
O senhor acredita que a espiritualidade pode cumprir este papel?
A gente quando fala de espiritualidade precisa saber do que está falando, porque existe muita espiritualidade alienante, também. O ateu pode ter uma espiritualidade, o humanista pode olhar para o ser humano e vê-lo inteiro. Há profissionais que fazem isso, por sua própria forma de ser, mas não por ofício.
De que maneira a pandemia de covid-19 agudizou todas estas questões?
O que a gente viu é que a pandemia, num primeiro momento, gerou muito medo. E esse medo imobilizou as pessoas. Por exemplo: ontem houve a festa de São Miguel aqui. E vieram muitas pessoas que eu não via desde o início da pandemia. Eu percebi o quanto estas pessoas estão sofridas, envelhecidas, descuidadas. Elas estão muito marcadas pelo isolamento, pela solidão, pela não interação.
Como equilibrar o distanciamento social e as demais regras sanitárias com o cuidado com a saúde?
O distanciamento e as regras sanitárias não significam incomunicabilidade. E não significam o desconhecimento do outro. Não significam a negação do outro.
O senhor falou sobre a incomunicabilidade, sobre o fato de que nunca estivemos tão conectados e tão distantes uns dos outros. O senhor mantém no Instagram uma conta com milhares de seguidores. Como o senhor avalia o potencial destas redes tecnológicas de comunicação?
As redes sociais são como uma faca, que serve para descascar uma fruta, mas também serve para ferir os outros. Depende de como você usa. Muita gente usa as redes sociais para me ferir; eu procuro não vigiar a rede social de ninguém, não fazer polêmica. Eu não fico vendo o que cada um pensa para xingar, mas tem gente que se dedica a isso. Tem gente que entra na transmissão da missa para me xingar. Então acho que é uma questão de vontade. Se você vai dar uma palestra e eu não me interesso pelo assunto, eu não vou entrar na sua palestra. E não vou ficar xingando você por pensar daquele jeito. Isso não é comunicar. Isso é uma negação do outro e é uma estratégia da retórica do ódio, que é desqualificar o interlocutor. Ao invés de discutir o conteúdo, eu discuto e desqualifico a pessoa. “Ah, você é um comunista”; “você é um herege”; “você é um louco”.
De que modo o exemplo de são Miguel Arcanjo o inspira para continuar na luta por uma sociedade mais justa e saudável?
Ele me dá inspiração para lutar desarmado, para lutar sem a lógica da arma e da destruição. A frase “combater o mal” é muito dura, a gente tem que aprender a conviver com a diversidade e a pluralidade, sem querer destruir ninguém.
O senhor já disse que “não luta para ganhar, mas para ser fiel”. Como o senhor cuida da própria saúde?
Depende do que entendemos por cuidar. [Risos] Às vezes o autocuidado pode ser um fechamento. Eu não vou ter boa saúde enquanto as pessoas com quem me relaciono estão sofrendo. Eu sou atingido muito pela dor, pelo sofrimento. Eu procurei, durante a pandemia, aprender a ler o olhar das pessoas. Vejo olhares extremamente sofridos, então não é possível cuidar da saúde em um mundo doente. Você não vai se sentir são caso o mundo continue doente.
Cuidar da saúde então é um sacerdócio?
É uma relação de humanização. O povo da rua não vai ter saúde, por exemplo, se não tiver onde morar, se não tiver um lugar onde se sinta acolhido, se não tiver alimentação e, principalmente, se não tiver autonomia. Nós vivemos uma estrutura de enlouquecimento, que está nos matando. Temos que lutar contra isso.
Vocação, missão ou destino? O que leva padre Julio a se dedicar aos que “ninguém quer” como ele mesmo se refere? Não encontrei resposta, mas encontrei nas ações e palavras do padre Julio poesia, força, fé e um amor incondicional pelos marginalizados, pelas minorias. Ele reparte pão, cobertor, acolhida e luta mas, principalmente, procura oferecer um pouco de dignidade e cidadania ao povo da rua. Como Francisco de Assis pedia “pregue o evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”, assim percebo nosso entrevistado, contido nas palavras, mas um gigante em ações que realiza nas ruas de São Paulo, pregando igualdade e amor ao próximo. O padre se diz em casa junto aos que não têm casa. (Márcia Machado, ao entrevistar Júlio Lancellotti em 03/07/2016) Leia mais: https://www.neipies.com/acolhendo-os-que-ninguem-quer/