Eu prefiro uma posição intermediária: creio que devemos ser humildes até onde nossa simplicidade afete o amor que devemos devotar a nós mesmos, e devemos ser exuberantes até o ponto em que a vaidade destrua nossos princípios.
Nas redes sociais são comuns as mensagens que tentam acalentar os egos dilacerados pela vida competitiva, corações cheios de percalços e derrotas desafiadoras. Esses textos procuram estimular a autoestima combalida das pessoas que sofrem da desconsideração que os outros fazem do seu trabalho, seu corpo imperfeito, seus afetos, sua maternidade, etc.
Para isso apostam na auto exaltação, na visão positiva de si mesmos e na desqualificação das críticas maldosas e inconsistentes a que são submetidos. Ou seja… para não ser uma pessoa manipulada pela maldade alheia daqueles que não reconhecem seu “alto valor”, é preciso buscar o oposto, apostando na arrogância e, muitas vezes, no autoengano.
Essas dicas de “influencers” e apóstolos da autoajuda sempre nos servem quando estamos em sintonia. Os sentidos procuram avidamente palavras que se encaixem na nossa necessidade de acolhimento. Ora, é sabido que todos nós acreditamos que o mundo nos deve consideração, admiração e amor para muito além do que efetivamente recebemos.
Estamos constantemente a cobrar do resto do planeta o que pensamos ser o nosso devido quinhão de felicidade e conforto – por eles sonegados.
Para além disso, o mundo é, via de regra, injusto e severo demais com nossas pequenas ou grandes conquistas. Não recebemos o reconhecimento devido e ainda nos jogam uma crítica por demais feroz sobre nossas falhas e erros. Como lidar com tamanha injustiça?
A resposta a isso pode ser recolher-se em silêncio na humildade, entendendo que nossas virtudes, se forem reais, aparecem inexoravelmente com o tempo. Por outro lado, podemos gritar a plenos pulmões nossas qualidades imaginando que, assim agindo, conquistaremos corações e consciências. Estes são os extremos de nossa reação ao amor que (não) nos dão.
Eu prefiro uma posição intermediária: creio que devemos ser humildes até onde nossa simplicidade afete o amor que devemos devotar a nós mesmos, e devemos ser exuberantes até o ponto em que a vaidade destrua nossos princípios. Essa é a lógica que imagino também ser adequada para criar os filhos: “Ame-os infinitamente, mas até o limite da falta, para que seu amor não destrua neles a necessidade de encontrar o amor por si mesmos”.
Geralmente, privilégios são concessões, enquanto direitos são conquistas. Ninguém concede direitos a ninguém. O máximo que se pode fazer é reconhecê-los e buscar protegê-los. Diferentemente de quem goza de um privilégio, aquele que desfruta de um direito não pode negá-lo aos demais. Isso seria uma contradição.
O que distingue um privilégio de um direito legítimo? Imagine uma gangorra. Se de um lado dela estiver o direito, do outro estará o dever, e ambos se equilibram. Tanto um, quanto outro deve ser aplicado indistintamente a todos. Mas se de um lado da gangorra estiver o privilégio, do outro estará o preconceito. Onde impera o direito, todos ganham. Mas o privilégio contempla apenas alguns.
Onde houver privilégios e preconceitos, haverá clamor por direitos.
A equação pode parecer simples, mas envolve muitos fatores. Quem estaria disposto a abrir mão de seus privilégios? Aliás, muitos nem sequer os reconhecem. Por estarem tão acostumados a usufrui-los, parece-lhes algo absolutamente natural.
Nem todo privilégio pode ser renunciado, porém, deve ser constantemente denunciado até que se torne motivo de constrangimento e não mais de vanglória por parte de quem o desfruta.
Paulo, por exemplo, poderia se considerar um privilegiado por causa de sua confortável posição social. Em vez disso, ele mesmo denuncia seus privilégios, considerando-os como excremento, o resultado final de um processo de promoção e manutenção da segregação. Na apresentação de seu invejável currículo, ele diz integrar a linhagem de Israel a quem pertence as promessas divinas, a tribo de Benjamim de onde procedeu seu primeiro monarca, a mais popular facção política e religiosa de seu tempo, os fariseus, além de ser defensor intransigente das tradições, da lei e da ordem, o que levou-a a perseguir vorazmente os cristãos. “Mas o que para mim era lucro”, arrematou, “considerei perda por amor de Cristo; sim, na verdade, tenho também como perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como excremento, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3:4-8).
Qualquer coisa que nos faça sentir superiores aos outros precisa ser ressignificada. A graça nos nivelou, de modo que ninguém é melhor do que ninguém. Nenhum privilégio é reconhecido pelos céus; todos são frutos da injustiça.
O que é considerado privilégio em nossa sociedade contemporânea? Ser branco? Homem? Heterossexual? Cristão (católico ou evangélico)? O que nos concede vantagens imediatas sobre os outros? Se não podemos mudar nossa posição privilegiada, estaríamos dispostos a abrir mão das vantagens que dela decorrem?
Não posso, por exemplo, alterar minha orientação sexual. Sou heterossexual, e isso é inerente à minha condição existencial. No entanto, entendo que isso me confere vantagens sociais em relação aos homossexuais. Nunca ouvi falar de alguém sendo demitido por ser heterossexual, mas conheço muitos homossexuais que enfrentam grandes dificuldades no mercado de trabalho devido à sua orientação sexual.
Se quero “ganhar a Cristo”, como disse Paulo, devo expor meus privilégios, denunciando-os e considerando-os como perdas. Por que deveríamos considerá-los perdas, se na verdade representam vantagens e lucros? Porque, ao usufruirmos dessas vantagens, estamos perpetuando a injustiça que prejudica os outros. Não posso mudar a cor da minha pele, mas posso recusar me sentir confortável ao ser preferido em uma entrevista de emprego por ser branco. Não devo endossar preconceitos só porque não sou vítima deles. Tampouco devo apoiar privilégios apenas porque me beneficiam.
Outro exemplo pode ser encontrado nas páginas do Antigo Testamento. Trata-se do episódio em que Davi, após cometer adultério, chamou Urias, o esposo traído que estava no campo de batalha, para outorgar-lhe um privilégio inusitado. Evidentemente, o objetivo de Davi não era conceder um privilégio a um dos seus mais leais soldados, mas sim, criar um ardil para tentar se livrar das consequências de seus atos.
Quando Urias chegou ao palácio, Davi lhe deu uma merecida folga para que pudesse passar a noite na companhia de sua esposa. Com isso, a embaraçosa gravidez de Bate-seba seria atribuída ao próprio marido, e Davi, seria poupado de uma exposição desnecessária que poderia até destituí-lo do trono. Mas, surpreendentemente, Davi se vê diante de um homem de envergadura moral e ética superior à sua. Como ele poderia desfrutar das benesses e prazeres do leito conjugal sabendo que seus companheiros seguiam arriscando suas vidas no campo de batalha? Sua ética ilibada fez com que abrisse mão do privilégio e voltasse para o front.
Nem mesmo embriagando Urias, Davi conseguiu dissuadi-lo de voltar para seus companheiros. Aquela havia sido a primeira vez que Davi ficara em casa enquanto seus homens lutavam pela expansão do reino. Urias, porém, recusou a oferta. Sentindo-se encurralado, Davi recorreu ao mais covarde expediente. Ele enviou, pelas mãos de Urias, uma carta a Joabe, seu general, instruindo-o a colocar Urias na linha de frente da batalha e, quando os inimigos avançassem, ordenar aos soldados que recuassem, deixando Urias sozinho. Morrendo Urias, Davi se livraria de um grande problema.
A confiança de Davi na integridade de Urias era tão grande que ele nunca considerou a possibilidade de Urias abrir a carta e descobrir sua sentença de morte (2 Samuel 11:7-17). O plano funcionou, mas custou caro a Davi. Deus não o deixaria impune.
Somente quem possui uma sólida envergadura moral e ética é capaz de abrir mão de algo vantajoso, pois entende que o privilégio sempre priva alguém de seus direitos.
Se me vejo como detentor do direito de usufruir de certos privilégios, passo a enxergar o outro como inferior a mim. Isso é preconceito.
Geralmente, privilégios são concessões, enquanto direitos são conquistas. Ninguém concede direitos a ninguém. O máximo que se pode fazer é reconhecê-los e buscar protegê-los. Diferentemente de quem goza de um privilégio, aquele que desfruta de um direito não pode negá-lo aos demais. Isso seria uma contradição.
Moisés, por exemplo, abriu mão de sua posição como príncipe do Egito para sofrer ao lado de seu povo. O próprio Jesus abriu mão de seus atributos divinos, esvaziando-se e assumindo a posição de servo daqueles que deveriam servi-lo. Que Ele seja nosso maior exemplo, de modo que jamais nos apoiemos em nossa posição social, religiosa, eclesiástica, étnica, intelectual ou ideológica. Que nos posicionemos pelos direitos de todos, sem discriminar quem quer que seja.
Na violência da positividade não existe um inimigo externo, pois “a falta de negatividade da inimizade faz com que a guerra se dirija contra si mesmo”, ou seja, “quem destrói, será destruído”; “quem golpeia, será golpeado”; “quem vence, perde por sua vez.” (Han, 2016, p. 141).
Violência é um dos temas recorrentes, não apenas no campo da educação e da filosofia, mas de diversas áreas de estudo, como saúde, antropologia, sociologia, direito, biologia, psicologia, e a lista poderia ser imensa. A violência é algo presente, cotidiano, que invade nossa vida pessoal e coletiva das mais diversas formas. Enquanto fenômeno antropológico, é constitutiva do humano, da forma como nos relacionamos e na construção de nossa própria imagem de pessoa. Pensadores da envergadura de Nietzsche, Freud e Hobbes nos ensinaram que a violência se apresenta como um “constitutivo primordial”, pois faz parte do mais íntimo dos impulsos humanos.
Um olhar mais cuidadoso sobre o fenômeno da violência nos ajuda a compreender que ela se distingue da agressividade.
Os estudos dos biólogos e etólogos “[…] dizem que o animal que não fosse dotado de um mínimo de agressividade não sobreviveria em nosso mundo” e que “a agressividade básica está na raiz do chamado instinto de sobrevivência, que demove o animal a buscar alimento, água, segurança” (Morais, 1995, p. 20). Violência e agressividade, portanto, não são a mesma coisa, pois enquanto esta se apresenta como um dispositivo biológico de sobrevivência, aquela é própria dos seres humanos. Há quase meio século, o filósofo Jean-Marie Domenach e seus colaboradores já ressaltavam em seus estudos que “[…] foi violentamente que o homem dominou a terra e continua a ocupá-la. A vida é violência, o Estado é uma violência organizada, o pensamento é violência.” (Domenach, 1969, p. 21).
O mundo, portanto, não está dividido entre violentos e não violentos, mas entre os que realizam e praticam efetivamente a violência contra os outros e os que tendo consciência de sua condição existencial lutam permanentemente para reduzir a violência a um mínimo possível.
Sobre esse aspecto, tem razão Morais (1995, p. 21) quando diz que “[…] se nos pusermos em campanhas contra a violência, em nome de uma não-violência fantasiosa, sem que consideremos firmemente a condição paradoxal [do ser humano], pouco alcançaremos além de um moralismo frágil cujos contornos indefinidos derivam da perda da opção dialética da vida.”
Há uma violência “velada”, escondida, “camuflada” que precisa ser compreendida na forma como ela se faz presente na própria existência de cada indivíduo e nos múltiplos relacionamentos sociais do cotidiano. No ensaio Topología de la violencia o filósofo coreano Byung-Chul Han (2016) faz uma instigante e provocativa análise dos diversos lugares em que a violência se manifesta. Dividido em duas partes, o ensaio de Han descreve as metamorfoses da violência e indica que há uma distinção entre violência da negatividade e violência da positividade.
Segundo Han (2016, p. 10), “[…] a sociedade atual evita cada vez mais a negatividade do outro ou do estrangeiro”, provocando o desaparecimento gradual das fronteiras e das diferenças. No entanto, “a supressão da negatividade não se pode equiparar com a desaparição da violência, pois junto à violência da negatividade existe também a violência da positividade, que se exercita sem necessidade de inimigos nem de dominação.” Esta se faz presente na “massificação do positivo”, que se manifesta como excesso de capacidade, excesso de produção, excesso de comunicação, hiperatenção e hiperatividade. “A violência da positividade”, ressalta Han (2016, p. 10-11), “possivelmente seja mais danosa que a violência da negatividade, pois carece de visibilidade e publicidade, e sua positividade faz com que não haja defesas imunológicas.”
No capítulo dedicado à Violência da positividade, Han (2016, p. 137) ressalta que “[…] o desmoronamento da negatividade faz com que surja um excesso de positividade, de promiscuidade generalizada, de consumo, de comunicação, de informação e produção.” A massificação do positivo congestiona e obstrui a circulação, causando um infarto no sistema, em que “[…] a informação já não é informativa, a produção já não é produtiva, a comunicação já não é comunicativa.”
Valendo-se dos escritos e reflexões de Baudrillard, Han (2016, p. 138) denuncia que “[…] o espaço ascético da positividade, ao ter eliminado o efeito de toda negatividade imunológica do outro, desenvolve novas formas de viralidade, uma nova patologia.” Com isso, ele ressalta que a época contemporânea não é mais “uma época viral”, pois “[…] as enfermidades principais não são infecções virais ou bacterianas, mas sim são enfermidades psíquicas como o burnout, a hiperatividade ou a depressão, que não se remetem a negatividade viral, senão ao excesso de positividade, a violência da positividade.” (Han, 2016, p. 140).
Na violência da positividade não existe um inimigo externo, pois “a falta de negatividade da inimizade faz com que a guerra se dirija contra si mesmo”, ou seja, “quem destrói, será destruído”; “quem golpeia, será golpeado”; “quem vence, perde por sua vez.” (Han, 2016, p. 141).
Trata-se, portanto, de uma guerra em que nada se pode ganhar, onde não há vencedor. A violência da positividade é “implosiva”, diferente da violência da negatividade, que é “explosiva”. Enquanto “a violência explosiva exerce uma pressão que vem de fora”, a violência implosiva exerce uma pressão de dentro “que causa tensões e impulsos destrutivos”; “o bournout do sujeito de rendimentos é um signo da ameaça de implosão do sistema.” (Han, 2016, p. 142). “A erosão do social cada vez maior”, da sociedade contemporânea, acaba produzindo “egos ilhados encerrados em si mesmo.” Para Han (2016, p. 144, grifo do autor), “[…] muito mais perigoso que o terror do outro é o terror de si mesmo, o terror da imanência”, pois “[…] já não é possível defender-se com eficácia deste porque já não há negatividade.”
Referências:
DOMENACH, J. M. et al. A violência.Rio de Janeiro: Laudes, 1969.
FÁVERO, A. A.; TONIETO, C. Educar o educador: reflexões sobre formação docente. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
HAN, B.-C. Topología de la violencia. Barcelona: Herder, 2016.
MORAIS, R. de. Violência e educação.Campinas: Papirus, 1995.
“Flexibilização curricular com itinerários formativos, parcerias, EaD, certificação competências, validação de estágios e experiências de trabalho e “notório saber” visam a precarização da docência e atinge a dignidade dos trabalhadores da educação”
No dia 31 de julho de 2024 o Presidente Lula sancionou – com alguns vetos – a Lei nº 14.945 que alterou novamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) com novas diretrizes para o ensino médio. Esta nova lei revoga alguns dispositivos na LDBN que foram introduzidas pela MP º 746/2016, transformada em lei nº 13.415/2017, que gerou muitas críticas e resistência no meio educacional durantes estes últimos 8 anos.
A nova lei restabelece as 2.400 horas para a Formação Geral Básica (FGB) dos estudantes e retoma disciplinas obrigatórias, em todos os anos, como: português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física e química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia).
O estudo de Espanhol ficou facultativo. As demais 600 horas serão destinadas aos Itinerários Formativos (IF), inclusive a oferta de cursos técnicos de nível médio.
Desde a aprovação da LDB em 1996, nestes longos 28 anos, inúmeras modificações foram sendo introduzidas nestas diretrizes, sendo o ensino médio que mais sofreu tentativas de reformulação, a cada ciclo de governos.
De grande impacto sobre as escolas e seus sujeitos (estudantes e professores), cabe especial atenção para a reforma atualmente em rediscussão e disputas acirradas. Contudo, uma certeza se evidencia, ou seja, as (contra)reformas no ensino médio são portadoras de impactos na qualidade da educação básica, na vida e sonho dos estudantes e, na destruição da carreira docente na esfera pública estatal.
O presidente vetou, também, as mudanças no Enem aprovadas pela Câmara dos Deputados, mantendo as provas ancoradas à formação geral básica que todos os estudantes do país reivindicam em nome da igualdade de condições e direitos.
Enquanto alguns avaliam o veto do Enem como uma estratégia de fragilização dos itinerários formativos, visto que não serão avaliados nas provas, pesquisadores da educação, como Daniel Cara (USP), entendem que a decisão foi correta.
O professor Daniel Cara argumenta que a “prova é nacional, portanto, precisa ser pautada no que é comum. É uma questão de justiça e, inclusive, uma questão constitucional: o direito à educação é nacional e é preciso ter igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
Portanto, o ingresso à Universidade precisa ser feito com a maior isonomia possível”. E questiona, por exemplo, como seria feita a organização das questões da prova dos IF já que cada rede de ensino tem autonomia para definir seus itinerários?
“Um Enem com a parte diversificada seria uma injustiça por definição: os itinerários de qual rede estadual prevaleceriam?”, pergunta Daniel Cara.
Entidades, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) criticam que os privatistas impuseram nesta nova lei mais uma derrota à educação pública deixando mais distante o Brasil encontrar a rota definitiva para a inclusão social de seu povo, com dignidade.
A CNTE cita, também, os atropelos regimentais nos processos de votação, propositalmente conduzidos pelo presidente da Casa, dep. Arthur Lira (PP/AL), a Câmara dos Deputados aprovou um parecer muito próximo da MP nº 746/2016, que deu origem a nefasta reforma do Novo Ensino Médio no governo do golpista Michel Temer.
O coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade: entre conquistas coletivas e mudanças não realizadas veio a público manifestar preocupação e indignação com o texto aprovado pelo Congresso Nacional, especialmente no que tange:
– a não garantia da predominância de oferta do Ensino Médio Integrado nos Institutos Federais (IFs);
– a oferta de ensino presencial mediada por tecnologias ou na modalidade EaD; a manutenção do notório saber para a docência; a ausência da língua espanhola como componente curricular obrigatório;
– a possibilidade de oferta de parte da carga horária do ensino médio por instituições privadas;
– o estímulo ao trabalho precoce a partir possibilidade de validar horas de trabalho como carga horária letiva;
– e a existência de carga horária diferenciada na FGB para os ensinos médios técnico e propedêutico (o primeiro com 300 horas a menos).
Este mesmo coletivo reafirma que um projeto de nação alicerçado no desenvolvimento social, econômico e cultural do seu povo, na superação das desigualdades sociais e educacionais, sustentável e soberano, demanda a construção de uma escola pública à altura. Não será privando os/as estudantes do pleno acesso ao conhecimento científico e a uma formação ética e estética que assegure o direito à educação de qualidade que construiremos uma sociedade livre, plural e democrática.
Impactos na docência
O tema da carga horária da FGB e dos Itinerários Formativos (IF) na reforma do novo ensino médio despertou uma disputa e mobilização dos reformistas, dos congressistas e por representantes de fundações/institutos empresariais que tentaram, ao longo de todo o processo legislativo (trabalhando nos bastidores), reduzir a carga horária das disciplinas básicas dos estudantes brasileiros. Por quê? Qual é o verdadeiro interesse que está em jogo?
Um interesse é histórico que se expressa na dualidade educacional brasileira: uma formação propedêutica de qualidade para uma parcela dos filhos da elite brasileira e, uma formação e qualificação de segunda classe inferior para a grande maioria das juventudes populares.
Por meio das escolas particulares e algumas poucas ilhas de escolas nas redes públicas tais objetivos são atingidos, mantendo a grande maioria de estudantes (85% das matrículas) em redes e escolas sem as condições básicas para o desenvolvimento de uma aprendizagem e oferta de educação com qualidade.
Cabe relembrar que a reforma do novo ensino médio foi imposta por uma medida provisória no concomitante com um conjunto de outras reformas administrativas de interesse do empresariado com a redução do tamanho e capacidade do Estado brasileiro: PEC 095/2016 do teto de gastos sociais (novo regime fiscal), impondo limites investimentos nas área sociais; reforma previdenciária; reforma trabalhista (flexibilização contratações temporárias e a intermitência), entre outras medidas tomadas pelo então governo Temer (2016-2018).
Com a flexibilização curricular em 40% do currículo no ensino médio, por meio dos itinerários formativos de qualquer natureza, parcerias, EaD, certificação competências, validação de estágios e experiências de trabalho e “notório saber”, ficou evidenciado que maior objetivo da reforma do ensino médio é reduzir o tamanho da participação do estado e de seus investimentos em educação pública de qualidade, precarizando a carreira docente, reduzindo o quantitativo de professores efetivos nas diversas redes pública e, travando a realização de concursos públicos e/ou não efetivando das nomeações quando realizados os processos seletivos. Vejamos alguns exemplos a seguir:
Recente diagnóstico divulgado pela ONG Todos pela Educação e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), revelam que de 2013 a 2023 o quantitativo de docentes temporários nas redes estaduais se tornou majoritária, passando de 31,1% para 51,6%.
Nas redes municipais, ainda são minoria de 34%, porém seu número aumentou para 47% a partir de 2020, exatamente quando se iniciou a implementação da BNCC nos municípios.
Aproximadamente seis a cada dez cidades do país estão há mais de cinco anos sem realizar concurso público para contratar professores para as escolas municipais. Esta baixa frequência de concursos deixas as instituições escolares, sobretudo nas regiões vulneráveis, sem profissionais com formação adequada para trabalhar na sala de aula e um contingente docentes formados sem emprego.
A maior rede de ensino do Brasil, com mais de 3 milhões de alunos, o estado de São Paulo, precursor na implementação do Novo Ensino Médio, tem mais de 162 mil professores, sendo 50,7% com contratos temporários.
Agora intensifica o uso de tecnologia nas escolas para reduzir a “interferência dos professores” e prioriza as escolas cívico-militares com salários superiores ao dos professores formados e efetivos.
No Ceará, estado “referência” para os reformistas e privatistas (fundações e institutos empresariais), de acordo com o painel de monitoramento do PNE, do governo federal, a situação dos docentes na rede pública cearense era em 2023 de: Rede Federal: dos 1.432 professores, 94,4% são efetivos; Rede Estadual: dos 19 mil professores, 41,4% são efetivos; Rede Municipal: dos 69 mil professores, 56,1% são efetivos, com um Total de 87 mil professores, 54,2% são efetivos.
Ou seja, no Ceará, a realidade é que a cada 100 professores das escolas públicas, 54 são concursados e outros 46 estão em outros regimes de contratação.
No Estado do Rio Grande do Sul, de acordo com a terceira edição do Observatório da Educação Pública no RS (2023) da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, ocorreu uma significativa redução de 57,7% no número de professores efetivos no magistério estadual ao longo de 16 anos.
Os dados apresentados indicam uma queda drástica, passando de 74.163 matrículas em 2006 para 31.309 em 2022. Depois de 10 anos sem concurso na área da educação, o Governo do Estado lançou Edital do Concurso Público para professores e professoras, contemplando somente 1.500 vagas.
O pretenso déficit dos sistemas previdenciários dos servidores públicos, agravado pelo envelhecimento da população, e os orçamentos engessados tendem a dificultar a contratação de efetivos. Por outro lado, a profissão docente exige valorização e bons salários; no mundo desenvolvido, isso é norma.
No Brasil, a BNCC e a reforma do novo ensino médio, em suas várias versões, com seus itinerários, visam, também, destruir a carreira docente e a dignidade dos profissionais da educação.
O apagão docente e o desinteresse dos jovens pela profissão professor não é um acaso, é um projeto das reformas empresariais na educação, operados pela nova direita conservadora, com velhas ideias.
Perdoar e pedir perdão nos colocam em um patamar mais elevado como seres humanos.
Perdoar não é mera conduta moral. Perdão e reconciliação são fundamentais para que os seres humanos se tornem mais adaptáveis no planeta. Perdoar preserva a vida coletiva.
Ser agredido por alguém produz dor, raiva e desejo de vingança. Mas responder de forma elevada é fundamental para a vida em sociedade. Perdoar remove a hostilidade crônica, que nos faz ruminar sentimentos indesejáveis.
Há muitas razões para perdoar. Começa pelo bem-estar que isso produz. Promove saúde física e mental. Ajuda a resolver conflitos. Perdoar vem de “per” e “doar”. Doar é mais do que dar. É entregar-se. Dar ao outro a própria salvação.
Pedir perdão é também um ato de humildade e arrependimento. Revela caráter. Mas não deve ser vulgarizado. Quando um pai acoberta o delito do filho delinquente, está alimentando um monstro.
Não se pode amar ninguém incondicionalmente. Nem um filho. O ser humano precisa ser domesticado, e isso é tarefa dos pais.
Perdoar é uma das coisas mais difíceis de fazer. Mas vale a pena.
Não perdoamos o fato. Abuso ou deslealdade são imperdoáveis. Ao perdoarmos o fato, justificamos o erro. Perdoamos a pessoa.
Zero Hora noticiou o falecimento do psicanalista David Zimmermann. Fomos vizinhos. Uma grande pessoa. Numa reunião de condomínio, iriam demitir o zelador, quando alguém mencionou que o rapaz pedira desculpas por algo malfeito.
David lembrou que pedir perdão é algo nobre. Por isso, o zelador merecia outra chance. Seguimos o seu conselho. O rapaz ficou conosco por anos. Ótimo funcionário.
Perdoar e pedir perdão nos colocam em um patamar mais elevado como seres humanos.
Autor: Gilberto Schwartsmann. Esta reflexão foi publicada em versão impressa do jornal Zero Hora em 08/07/2014. Apaixonado pelas artes, Gilberto Schwartsmann é escritor, professor, colecionador de arte e médico oncologista, pós-graduado pela Universidade de Londres e membro da Academia Nacional de Medicina. Escreveu sete livros, dois deles traduzidos para o espanhol e para o francês, uma peça teatral, montada em Porto Alegre e em São Paulo, além de várias crônicas e ensaios literários publicados em jornais. Ele também realizou curadorias de exposições literárias, como Cem Anos da Semana de 1922 e Caminhos de Proust.
PROPOSTA DE ATIVIDADE PEDAGÓGICA:
Habilidade da BNCC: (EF05ER07) Reconhecer, em textos orais, ensinamentos relacionados a modos de ser e viver.
Como professor de Ensino Religioso, utilizo este texto em turmas das séries finais do Ensino Fundamental para tratar deste grande drama e dificuldade humana: perdoar.Acredito que, embora difícil, é necessário aprender e exercer a experiência do perdão. Como escreveu pastor Luciano P. Subirá: “Alguns acham que o perdão é um benefício para o ofensor. Porém, eu digo que o benefício maior não é o que foi dado ao ofensor, mas sim o que o perdão produz na vítima, naquele que está ferido. Sem perdão não há cura. A doença interior só se complica, e a saúde espiritual, emocional e física da pessoa ressentida é seriamente afetada”. (Nei Alberto Pies) Leia mais:https://www.orvalho.com/ministerio/estudos-biblicos/compreendendo-o-perdao-por-luciano-subira/
Para estudantes de anos iniciais, sugestão desta interessante história: (Habilidade da BNCC: (EF01ER01) Identificar e acolher as semelhanças e diferenças entre o eu, o outro e o nós):
Precisamos respeitar – olhar com atenção – as flores. Sem essa percepção, que exige esforço, as ervas daninhas crescem e sufocam o jardim.
A palavra “respeito” tem origem no latim respicere, que significa “considerar atentamente” ou “olhar com atenção”. Como professor, procuro todos os dias observar meus alunos com atenção e respeito, especialmente aqueles que se destacam.
Mas por que dar uma atenção especial a esses alunos?
Porque, ao encontrar uma flor no jardim, não devemos pisá-la ou ignorá-la. Sei que nem tudo são flores na educação diária; há muitos desafios que podem abalar nossa fé na cultura e na educação.
Ainda assim, insisto: há flores, e muitas!
É preciso notá-las, percebê-las, e cultivá-las para que, com o tempo, formem um jardim.
Nesta manhã, por exemplo, fui em busca de uma menina de uma turma do quarto ano do fundamental, que, há alguns dias, vi lendo um livro. Ao final do meu período, ela estava mergulhada na leitura e, embora a tenha elogiado, não fui além disso. Em meio ao caos de planilhas, notas e atividades enfadonhas, esqueci quem era a aluna. Seu nome me escapou, mas a imagem dela com um grande livro ficou na minha memória.
E que livro! Não era uma obra simples ou comum. Era It, de Stephen King, um romance de terror com mais de mil páginas!
Pela manhã, fui à turma onde a vi lendo. Descobri quem era, mas, infelizmente, ela não veio à aula. Ainda assim, prometi a mim mesmo procurá-la nos próximos dias para tirar uma foto e escrever um texto, elogiando sua paixão pela leitura.
Isso pode parecer simples, mas não é trivial. Em alguns casos, talvez, não seja em vão. Ver as flores me faz bem. Fazer um gesto, por menor que seja, para valorizar e incentivar, é bom tanto para mim, como professor, quanto para o aluno.
Lembro-me de um caso semelhante nesta mesma manhã. Enquanto caminhava pelos corredores da escola, encontrei uma aluna que me disse estar terminando de ler Cândido ou O Otimismo, de Voltaire. Eu havia emprestado o livro para outra estudante, e elas trocaram a obra entre si.
Conversamos sobre a história, a personagem Cunegundes, o humor ácido e verdadeiro da obra. Discutimos a filosofia e a sabedoria nas desventuras dos personagens. Ela mencionou que não gostou das tragédias, mas achou engraçada a forma como eram contadas.
Ao final da nossa conversa no corredor, ela pediu:
– Não conte o final! Faltam quatro páginas para eu terminar a leitura.
No momento em que esta crônica está sendo publicada, tenho certeza de que ela já terminou o livro. Sendo assim, posso mencionar que, ao final de Cândido, o protagonista aprende uma lição importante; ao ouvir mais uma elucubração filosófica das muitas que aparecem na história, ele conclui:
– Tudo isso está muito bem dito, mas precisamos cultivar nosso jardim.
Voltaire, através de seu personagem, estava certo. Precisamos respeitar – olhar com atenção – as flores. Sem essa percepção, que exige esforço, as ervas daninhas crescem e sufocam o jardim.
Em tempos de desespero, o consolo surge de maneiras inesperadas. Quando tudo parece perdido, a esperança ressurge, ocupando o espaço que sempre lhe pertenceu — o centro da vida, como uma luz que ilumina o caminho. Foi nesse cenário de incertezas que a história de duas meninas, Júlia Bonamigo e Manuela Miotto, começou a ser escrita.
Houve uma época em que as certezas foram abaladas e um vento gélido percorreu o mundo inteiro. Talvez você tenha tentado esquecer, mas certos momentos são difíceis de apagar da memória. Dias vazios, máscaras sufocantes, esperança retraída, amor em busca de abrigo… Quem não se lembra? O cheiro constante de álcool nas mãos, a perda de entes queridos — cada lembrança traz consigo um peso que ainda sentimos.
Em tempos de desespero, o consolo surge de maneiras inesperadas. Quando tudo parece perdido, a esperança ressurge, ocupando o espaço que sempre lhe pertenceu — o centro da vida, como uma luz que ilumina o caminho. Foi nesse cenário de incertezas que a história de duas meninas, Júlia Bonamigo e Manuela Miotto, começou a ser escrita.
Durante a pandemia de COVID-19, como tantos outros, elas sentiram medo. Amigas inseparáveis, de repente se viram distantes, incapazes de se encontrar para brincar, de tomar sol nos parques ou caminhar tranquilamente pelas ruas. A máscara, sempre presente, era um lembrete constante do isolamento.
Você ainda se lembra de como é triste ver uma criança de máscara?
Apesar de tudo, essas meninas mantinham em seus corações uma esperança teimosa — aquela que só as crianças conseguem ter. Se nós, adultos, conseguíssemos preservar essa “birra” infantil, talvez encontrássemos mais motivos para sorrir.
Foi então que Júlia e Manuela, na época com apenas 9 anos, descobriram uma nova forma de se conectar. Através da internet, elas começaram a escrever juntas, criando histórias a quatro mãos!
Essa jornada é um testemunho do poder da imaginação humana. Separadas fisicamente, Júlia e Manuela encontraram na escrita uma maneira de se reencontrar, criando um universo próprio em forma de livros. Quando a realidade lhes negou o convívio, elas pintaram o reencontro em suas imaginações.
Durante os dois anos da pandemia, em meio a tanta dor e incerteza, elas escreveram Os Quatro Guardiões e a Ilha das Trevas. A narrativa segue os amigos Kiara, Ayla, Alex e Kevin, que, após uma visita inesperada, são transportados para um outro mundo, onde ganham poderes especiais e se tornam OS QUATRO GUARDIÕES.
Esse novo mundo, habitado por seres mágicos, ora divertido, ora assustador, está ameaçado pela vilã ZIRENA. A missão dos heróis é clara: impedir que Zirena e a ILHA DAS TREVAS consumam todo o reino.
Ao ler o livro, a mensagem se torna poderosa. Assim como a COVID precisou ser controlada, a Ilha das Trevas também deve ser contida. Os Guardiões enfrentam o caos, mas aos poucos, aprendem a dominar seus poderes e a trabalhar juntos para restaurar a ordem.
A COVID passou, deixando cicatrizes. Mas, assim como as meninas, que usaram a arte e a imaginação para superar a escuridão, nós também podemos vencer as trevas. Elas transformaram sua própria Ilha das Trevas em uma Ilha do Sol, onde a esperança voltou a brilhar.
Agora, essa história incrível se prepara para ganhar o mundo. O primeiro exemplar está pronto, e o lançamento do livro está previsto para outubro.
Mais do que simplesmente esperar pelo fim da pandemia, Júlia e Manuela “esperançaram”. Elas criaram, e agora estão colhendo os frutos de seu esforço e determinação.
Com a literatura, de esperança em esperança, seguimos em frente. Até que, um dia, possamos transformar nossa própria Ilha das Trevas em uma nova ilha, repleta de luz e beleza.
Autor: Aleixo da Rosa. Também escreveu e publicou no site “O curioso caso dos alunos que preferiram os livros”: www.neipies.com/o-curioso-caso-dos-alunos-que-preferiram-os-livros/
Acho mesmo que os sons dos nossos recreios de infância nos acompanham e nos acompanharão para todo o sempre. Mas temos de admitir que, de repente, por ordem de um sino qualquer, eles vão… Vão sumir de vez, era o que eu ia dizer. Mas, até isso acontecer, conviveremos em nosso íntimo com risadas e gritos de alegria.
Passamos pela vida de forma discreta. Nem dá para dizer que a humanidade logo nos esquecerá. A “grande humanidade” sequer ficou sabendo de nossa existência. Não estamos nos livros de história, não somos Napoleão Bonaparte, não ganhamos prêmios mundiais, não somos destaques no noticiário internacional, não temos milhares de seguidores nas redes sociais.
Vivemos, de fato, com uma parcela mínima da imensa humanidade, na nossa “pequena humanidade”, aquela que está a nossa volta. Aquela cujos primeiros contatos ocorreu no pátio do colégio, nos recreios. Nossos ouvidos foram alimentados com sons vindos daí.
No meu caso, havia um som que me fazia pensar que havia algo maior: o som do recreio do colégio, porque era um som que surgia de repente e forte, muito forte, como uma explosão; também de repente se extinguia por inteiro. Por ordem de um sino, sumia de vez.
Na vida adulta, é fato, meu mundo foi ampliado por mais relações afetivas, profissão, participação em eventos, por problemas da sociedade em que vivi, por uma série de sons. E desse espaço ampliado acompanhei o que se passava na “grande humanidade”. Me interessei por saber de seu passado, presente e possibilidades futuras.
Agora, no “pós-vida adulta”, percebo que esse interesse por observar a “grande humanidade” diminuiu. Minha atenção passa, gradativamente, a retornar ao pequeno mundo em torno de mim, que, por sinal, mantém semelhanças com aquele da infância.
Ontem, ao dar-me conta de que caminhava na calçada em frente ao pátio do colégio Bom Conselho, moro perto, parei. Esperei. E não é que o som que na minha infância me fazia pensar que havia algo maior ressurgiu bem como antes? Como antes, explodiu do silêncio! Eram vozes! Eram gritos alegres! Risadarias! Eram sons como os do recreio do meu colégio, como se eles estivessem me acompanhando nesses anos todos.
Sim, acho mesmo que os sons dos nossos recreios de infância nos acompanham e nos acompanharão para todo o sempre. Mas temos de admitir que, de repente, por ordem de um sino qualquer, eles vão… Vão sumir de vez, era o que eu ia dizer. Mas, até isso acontecer, conviveremos em nosso íntimo com risadas e gritos de alegria. Viveremos na boa companhia de vozes amigas. Amigas para sempre.
Já pensou na angústia que pode ser a manhã de um aluno que precisa sair urgente da sala… para mergulhar nas redes?
Vamos falar francamente: não parece que a Escola vive seus dias de maior provação? E que neste confronto com as redes sociais pode vir nascer uma escola totalmente diferente? Para melhor ou pior? Alguém aí lembra em que época, a Escola, como a conhecemos, enfrentou um momento tão desafiador para manter seus alunos em sala? Ou, para a sua própria sobrevivência, manter os alunos acordados?
Um adolescente, sentado em sua cadeira, em apenas 1 minuto, pode passar com seu dedo no celular mais de 20 vídeos. Caso ele se interesse por algum deles, o tempo vira para um minuto. E todos concordam: vídeos acima de 30 segundos, tornam-se chatos.
Até o início das aulas pela manhã, supomos 7h30, a cada dia, um jovem pode ter visto mais de 50 vídeos, somente a esta hora da manhã. E a aula de Física deve começar em minutos. Qual a motivação que este seguidor terá para enfrentar sua rotina na classe, e trocar um mundo de fantasia à sua disposição? Imagens excepcionais e ainda humor, excitação, dança e música? Quem não quer?
E qual a motivação extra que o seu professor terá de tirar da cartola, para segurar uma turma ávida por um mundo que as aguarda fora, muito mais atraente, muito mais empolgante – mesmo que fantasioso, cheios de tramas e imagens superficiais e viciantes.
Porque de nada adianta nós batermos nas mesmas teclas que expurgam as redes e mídias sociais, alertando sobre seus efeitos deletérios sobre crianças e adolescentes… elas simplesmente estão mais atrativas, mais apelativas. Para todos, adultos, inclusive.
Será que a Escola já se deu conta que seu método, pode torná-la obsoleta, isolada, dando de ombros para o que vem aí?
Foi justamente um professor de Física que nos falou semana passada:
_Os alunos não têm qualquer motivação. Sequer a inscrição para o Enem os mantém motivados. E completou: Temos de admitir que está vindo uma grande mudança.
_Sim, completei. Uma mudança jamais vista.
Ponha-se no lugar de um adolescente, que vive sufocado em meio a uma sociedade de consumo, escandalosamente consumista, ele, magnetizado pelas redes, e pelo seu catálogo, sim, ele fica sabendo que jovens podem faturar alto apenas avaliando produtos, montando lojas virtuais, acessando sites que sequer os seus pais imaginam, para depois…gastar e ostentar. Não é o que se vê na Internet?
O potencial das redes é ilimitado e elas furaram uma bolha de milênios: o mundo da informação!
Gratuito, 24 horas, apresentado por inúmeras fontes, muitas delas legais, regulares e confiáveis, o saber, ou a sua pretensão, está ao alcance na prateleira das ilusões on line.
Desde a invenção da escrita, sabe-se lá em que milênio, passando pela prensa de Gutenberg em 1450, jamais, em tempo algum, o conhecimento esteve à disposição de tantos, ao mesmo tempo, sem custos e de forma instantânea. Sem falarmos nas catacumbas da Internet, da deep web, onde se pode aprender a armar granadas e a contratar matadores de aluguel.
Hoje, em uma parada de ônibus, em qualquer parte do Globo, a pessoa que está a sua espera, voltando para sua casa, pode acessar pelo celular a vida de São Francisco, as Cruzadas, o fim da segunda Guerra Mundial ou uma receita de vatapá. Não há limites! E cada vez mais não haverá!
Tanto no nascimento de novas empresas, inovadoras, quanto nos investimentos dedicados às novas tecnologias, nos números de seguidores encantados pelas novidades tecnológicas e pela monetização do ambiente online, a cada mês, a cada dia, afirmo que teremos à mão uma descoberta a nos maravilhar. Ou a nos perturbar!
E a escola? Vai suportar a presença dos alunos ausentes, a invasão de estudantes fantasmas, com o olhar preso às horas que não passam, ávidos para dar um salto rumo ao mundo fantástico das telas do novo querer e da nova alienação. O que restará para fazer na Escola? Em quais investimentos ela está comprometida, na divulgação e na busca de novos empreendimentos escolares e fazer-se genuinamente atualizada, comprometida com as transformações que explodem a cada dia em nossas casas?
Mas quem é a Escola?
Creio que como as famílias, Igrejas ou quaisquer instituições, a Escola tem de olhar com grande apreensão os novos tempos que batem em nosso rosto. E o ambiente de troca, de formação do caráter, da afetividade e do crescimento, pode ceder a um consumo das relações, aonde quem tem mais seguidores, dita as regras do comportamento e ainda os objetos de sua adoração.
Então temos de falar e gritar: vem muita mudança pela frente!
Fica difícil imaginar que a humanidade volte atrás. Hoje, você nem precisa levantar-se da cama para ganhar, gastar, endividar-se, ou mudar de vida, inclusive, permanecendo na cama. Tudo está a distância de um palmo. Como então queremos enquadrar crianças e jovens em padrões de comportamento e avaliações se o mundo real, onde vivem, não para de mudar? Sim, o mundo que começa depois do ‘sino tocar’. E eles nem precisam alcançar a calçada que estão com seus smarts em punho.
E ouve-se de tudo:
_corta o celular, disciplina sobre todos, horário para dormir e para desligar as redes…tira o celular!
Mas como? Se os pais saíram para jantar e, preocupados, deixaram o celular ao alcance dos menores para o caso de um imprevisto!
Mas como? Tirar o celular da mão do aluno, às 20 horas, justamente quando ele decidiu pesquisar sobre a República Velha, pois o tema cairá na próxima prova. E não foi possível ligar o lap top por que estava sem energia…e como não tem livro físico, apelou-se pelo cel. Mais rápido que um milhão de Enciclopédias Barsa, todas as respostas explodem numa telinha brilhante, que reflete os seus olhos como espelho de água azul, mágica.
As propostas que tenho ouvido, de pais amigos a professores, de autores irados ou Secretarias omissas, todas elas, as que têm uma proposta de banir e disciplinar o acesso às plataformas, todas, terão apenas o efeito de incitar uma curiosidade absurda nos controlados. A vontade de ver, ‘curtir’ e rolar suas telas aumentará, na proporção direta de sua proibição.
Será que nos demos conta dessa batalha quase perdida? Ou não está perdida, mas é apenas mais uma batalha?
Quantos estudantes evadidos teremos de assistir, até tomar uma posição que atenda o momento histórico e assustador pelo qual alunos e famílias vivem hoje? Estamos todos tão imersos na rede que quase ninguém pode apontar o dedo. Não há caminhos fáceis quando a inovação exige mudanças constantes. Mas temos de fazer algo! Talvez grifar, sublinhar e ou engarrafar no que temos insistido, em todos estes meses: leitura.
E aqui, uma reflexão aos centralizadores escolares que direcionam livros e conteúdo: muito do mal que assola o mundo, nasce justamente da leitura e do estudo físico. E aos alunos que se sentem atraídos pela TI ou pela AI, serão ignorantes contextuais por não saberem interpretar temas ou expor a complexidade que cresce nas demandas no seu entorno. Justamente pela sua falta de contato com livros.
Manter alunos acordados ou, pelo menos atentos, será o grande desafio de professores e profissionais daqui pra frente. Eles estão sendo acostumados a passar rapidamente adiante… o que não os interessa. E em 10 minutos, caso o assunto não os atrair, serão apenas alunos ausentes, devidamente uniformizados e disciplinados, cumprindo as normas escolares estabelecidas, dezenas de anos atrás, para, em seguida, chispar de qualquer ambiente inanimado para mergulhar nas redes.
A Escola regular não se deu conta que a velocidade desses tempos, ofusca o olhar dos matriculados e todos querem consumir?
Consumir qualquer coisa? Poderemos nos aliar à Escola, para que ela, mais uma vez, seja a resistência, o espaço de acolhimento e diversidade, como que antecipando o tipo de sociedade real que queremos? Ou que não queremos?
A luta pelo retorno do livro físico deveria ser a bandeira principal do Estado, do País… no mundo inteiro. Não somente o livro, contudo: a leitura, interpretação, o debate, a sistematização das informações (resumo ou esquema dos conhecimentos estudados), o confronto saudável de temas que sempre beiram o futuro e lançam a todos em um labirinto de dúvidas e questionamentos, que, ao final, agrupam os tijolos emocionais e racionais para a construção da humanidade.
Mas, acreditem: será somente na leitura e na escrita que a cognição das próximas gerações poderá ser salva das garras dos gigantes midiáticos e seus ‘influencers.’ E que os pátios de ternura e tolerância das Escolas, que fizeram parte do nosso despertar, nunca sejam trocados por telas enfadonhas.
Retornando à sala, como hoje presenciei, o aluno com quem conversava retornou para estudar a Velha República. Não que não seja importante, hein? Jamais! É que…cá pra nós: entre a história maravilhosa e estes tempos cansativos, eles querem mais é jogar Roblox e Hay day. Querem perguntar ao diretor se ele sabe o que é?
É ouro para o Brasil no solo da ginástica artística das Olimpíadas 2024 de Paris, mas não recebemos medalhas no respeito e na opressão às mulheres negras. Infelizmente, este ouro que tanto nos emocionou nesta manhã de cinco de agosto só nos leva a refletirmos sobre o papel da mulher preta na nossa sociedade.
Por que a mulher preta precisa todos os dias mostrar a sua coragem e enfrentar batalhas as mais diversas para alcançar os seus sonhos e objetivos? O que a faz diferente das outras mulheres? O que vimos hoje no pódio das Olimpíadas 2024 foi uma cena de causar choro e fortes emoções, pois não foi apenas Rebeca Andrade, brasileira, a se destacar, mas as outras atletas que subiram o mesmo pódio com ela também são negras e veem de um país que por muitos anos escravizou seus negros.
Tivemos no pódio olímpico a força da mulher negra que se veste todos os dias de coragem para enfrentar a opressão de alguns brancos que não têm empatia ou não sabem amar o próximo como podemos ver nos ensinamentos daquele que foi o maior homem a passar pela Terra, Jesus Cristo, que nos dizia amai ao próximo como a ti mesmo. Não! As mulheres pretas não são amadas pelo próximo! Isto é uma verdade!
Meninas negras de até 13 anos são estupradas a cada 08 minutos no Brasil e 62% das mulheres negras adultas são vítimas de feminicídio num país que usa máscaras, que se veste com a camisa verde e amarela para festejar o ouro olímpico de uma mulher negra maior atleta do país, melhor atleta da história olímpica brasileira. Somos um povo que sabemos fingir não como diria o poeta português Fernando Pessoa “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.”
Falar desse fingimento de que o povo brasileiro está engolindo o ouro olímpico de Rebeca Andrade com amor e emoção parece até utópico, pois como amar uma mulher negra, ter orgulho dela se matamos as nossas mulheres pretas nas favelas e periferias dos grandes centros urbanos, acusando-as de traficantes e esposas de bandidos?
Maltratamos as nossas mulheres pretas todos os dias nas lojas dos shopping centers, nos supermercados, nas escolas e nas diversas instituições públicas onde a maioria dos concursados é formada de mulheres brancas. O pódio olímpico de hoje na ginástica artística foi de um orgulho imenso para um povo que todos os dias sofre racismo das mais diversas áreas da sociedade formado pelas grandes atletas Rebeca Andrade, Simone Biles e Jordan Chiles. Três mulheres pretas que driblaram a branquitude e quebraram estereótipos.
Como dizia o nosso querido técnico de futebol Zagallo “vocês vão ter que me engolir”, Rebeca Andrade e as outras duas atletas americanas que formaram o pódio olímpico com ela hoje pela manhã disseram ao mundo. Vão ter que engolir que três mulheres pretas são as melhores do mundo num esporte feito para mulheres brancas.
O feito é de Rebeca Andrade, nossa mulher preta brasileira que traz pra casa, pra um país racista, um ouro que representa a luta da mulher preta pelo seu lugar de vencedora numa sociedade racista e preconceituosa que a vê como uma lavadora de roupas, empregada doméstica ou outra profissão simples qualquer. Não que estas profissões sejam de menor valor, mas que a mulher preta nunca foi vista como uma rainha ou miss universo. Estamos chegando longe, mulheres pretas!
E o povo preto no Brasil ainda sofre racismo, ainda é morto todos os dias pelos nossos policiais militares nas favelas do Rio de Janeiro e em outros grandes centros urbanos sempre confundidos com bandidos e traficantes. Este é um povo que luta todos os dias pela sua dignidade, pelo seu lugar no mundo, pelo reconhecimento de sua cor e de seus direitos.
Fomos um dos últimos países das Américas a libertar os nossos escravos. E mesmo assim depois de os libertarmos não lhes demos as condições necessárias para que pudessem trabalhar e serem livres de verdade, e há mais de um século continuamos fazendo isso. O povo preto não tem lugar na sociedade elitista e branca do Brasil.
Aonde chega um negro simplesmente é logo visto com um olhar de desconfiança. A branquitude ainda é grande na sociedade brasileira, mas quer queiram quer não, muitas dessas pessoas que ontem não comemoraram o nosso ouro olímpico por ter vindo de uma mulher preta vão ter que engolir que elas estão chegando para mostrarem quem são e o que podem fazer dentro e fora do esporte.
Primeiro vieram as cotas sociais nas universidades públicas que deram o direito de muitos pretos chegarem ao ensino universitário e agora apesar de pouco investimento e iniciativas públicas, temos visto um pequeno movimento nas periferias de organizações sem fins lucrativos que vão atrás dessas mesmas meninas pretas para lhes darem uma oportunidade.
Alguém lá fora já percebeu que as mulheres pretas brasileiras não sabem apenas sambar, mas são médicas, juízas, professoras, advogadas e agora atletas medalhistas olímpicas. Estamos mostrando a força da mulher preta brasileira de pouquinho em pouquinho, mas um dia chegaremos lá com ajuda nacional ou internacional, as modelos brasileiras pretas já começam a se destacarem nas passarelas de Paris. E foi em Paris onde o nosso sonho olímpico do lugar mais alto no pódio foi escrito por uma mulher negra!
Viver num país como o Brasil onde o racismo ainda é grande é um desafio. É todos os dias ter que fazer a travessia de uma ponte sem saber o que nos espera lá na frente.
Contudo, a mulher preta não é mais vista como a Tia Anastácia criada pelo escritor racista Monteiro Lobato, mas agora ela chega e cumpre o seu papel nas instâncias mais altas da sociedade apesar de ainda sofrerem todas as opressões agressivas e inimagináveis. Não vão nos parar mais, quebramos as correntes! Agora sabemos que podemos chegar ao mais alto lugar do pódio: o ouro é de uma mulher preta e chorem os brancos indignados.
Tenho certeza de que a nossa querida Carolina de Jesus estaria com lágrimas nos olhos até agora com este grande feito de Rebeca Andrade no dia de hoje assim como a nossa amada antropóloga americana Zora Neale Hurston que sempre lutou para acabar com a segregação do seu povo na Flórida contando em livro a sua experiência de ser uma mulher negra escritora, roteirista e folclorista.
O mais importante é que a maior medalhista olímpica brasileira é uma mulher preta e que ninguém pode tirar isso dela, representando a mulher negra que foi escravizada durante anos tendo que ficar na cozinha ou sendo ama de leite de crianças filhas de mulheres brancas. A nossa querida Rebeca Andrade é ouro, e este ouro é só o começo do grito da mulher preta contemporânea que nunca mais vai abaixar a sua cabeça para a branquitude nojenta e horrível que se impregna dentro de uma sociedade mesquinha e opressora. O ouro está no peito de uma mulher preta.
Para finalizar, deixo vocês com os versos do poema “Humanidade” da poeta Carolina Maria de Jesus que nos diz
“Depôis de conhecer a humanidade / suas perversidades / suas ambições / Eu fui envelhecendo / E perdendo as ilusões / o que predomina é a maldade…”
É triste saber do sofrimento e opressão pelo qual passou a nossa poeta, mas a história se reescreve, amada Carolina, e em pleno século XXI nasce uma menina preta paulistana de 25 anos que só envelhece a branquitude, pois o seu sorriso no lugar mais alto do pódio de hoje foi o de uma criança que vê o mundo pelos olhos de quem sabe enfrentar à dureza da cor da pele estampada nos pratos de ouro dos senhorios da sociedade brasileira.
Rebeca Andrade, obrigada por você ser tão grande! Espero que a partir de hoje a mulher negra seja vista com outros olhares, pois tudo podemos, até mesmo ganharmos ouro olímpico numa país onde desfilam as mulheres brancas da alta sociedade brasileira porque uma pobre preta de periferia não tem o direito sequer de viajar para ver os seus parentes que moram distante, não temos dinheiro o suficiente para luxos e lazer.
Trabalhamos todos os dias para sobrevivermos, e você treina todos os dias para nos colocar no lugar mais alto do pódio. O Brasil até agora ganhou duas medalhas de ouro e estas duas vieram da luta e da coragem de duas mulheres pretas. Valeu, Rebeca e Bia! Vocês são as pretas mais lindas do Brasil até que outra história seja escrita.