A maioria da população que mora em favelas ou periferias é formada por pessoas negras no Brasil. São essas pessoas as que realmente sofrem o racismo ambiental. Sabemos que apesar da escravidão ter acabado há algum tempo, muitos negros ainda sofrem com o racismo e não conseguem um bom emprego ou uma vaga numa universidade pública apesar das cotas. Tudo é muito difícil para a pessoa negra brasileira.
Segundo o escritor e filósofo Achille Mbembe “Viver sob a ocupação contemporânea é experimentar uma condição permanente de ‘viver na dor.’” Dor essa que as pessoas mais vulneráveis da sociedade brasileira sentem todas às vezes que têm os seus direitos suspensos ou usurpados pelo Estado. Dor essa que as pessoas mais vulneráveis sentem todas às vezes que perdem um parente para as mazelas do século passado que ainda hoje as atingem de uma forma intensa e acelerada.
Essas mazelas podem ser a escravidão, a fome, as doenças erradicadas há algum tempo e que vêm voltando, a falta de saneamento básico e as diversas formas de poluição que invadem as suas casas todos os dias, a todo instante.
Eu não sei se você já ouviu falar em racismo ambiental. Vou tentar explicar de uma forma simples. O termo foi empregado pela primeira vez por Benjamim Franklin Chavis, nos Estados Unidos. Chavis era químico, reverendo e liderança do movimento negro no país. Usou o termo em 1981, a partir de pesquisas e investigações apontarem que depósitos de resíduos tóxicos concentravam-se em áreas habitadas pela população negra norte-americana.
Como pode ser visto acima, racismo ambiental é tudo aquilo que envolve pessoas negras no que diz respeito a depósitos de resíduos tóxicos nos lugares onde moram, construção de indústrias poluentes próximas de moradias de pessoas negras, invasão por parte de construtoras nos lugares onde moram as pessoas negras, excluir pessoas negras dos debates ambientalistas, usar veneno e poluentes próximos de lugares onde moram pessoas negras. Mas não só negras, como veremos adiante, todas as pessoas em situação de vulnerabilidade.
Na verdade, o termo racismo ambiental está ligado ao termo racismo estrutural. É todo tipo de preconceito com as pessoas negras que as afastam e ameaçam as suas vidas sobre as questões ambientais. Temos no nosso país grandes desigualdades sociais, culturais e políticas. Ainda vemos pessoas serem escravizadas em algumas das nossas regiões e a fome nas comunidades de periferias tem crescido bastante nos últimos anos. Essas pessoas deveriam receber apoio das nossas autoridades para um viver melhor como também terem garantidos os seus direitos à saúde pública e gratuita como reza a nossa Constituição Federal de 1988. Mas, na prática não é isso que acontece. Tudo segue ao contrário.
Quando uma comunidade quilombola se vê rodeada por uma indústria que emite gases poluentes causadores das mais diversas doenças e as nossas autoridades fazem vista grossa pode ser chamado de racismo ambiental.
Temos no Brasil muitos quilombos onde as pessoas lutam todos os dias para viverem dignamente e terem os seus direitos garantidos, mas nesses lugares onde era para se viver com tranquilidade e saúde as indústrias e construtoras têm visto uma oportunidade de comprar terrenos mais baratos para construírem suas fábricas ou seus prédios enormes sem o mínimo de preocupação com as pessoas que moram próximas.
Nas comunidades mais carentes das cidades grandes falta de tudo um pouco. O saneamento básico não existe. Muitas vezes nos barracos de lona e papelão onde 10 a 15 pessoas dividem um pequeno espaço para dormirem não existe banheiro. Essas pessoas fazem as suas necessidades a céu aberto nos córregos que passam pelos locais onde moram poluindo assim os rios e a água que consomem.
As autoridades governamentais fingem que não veem essas coisas e seguem dizendo que estão fazendo o bem para todos. Que todos? Os pobres também não são os todos, senhores prefeitos e governadores?
Muitas pessoas criticam o termo “racismo ambiental” dizendo que ele não existe. O nosso próprio governo federal não o aceita. Outras pessoas dizem que ele poderia ser substituído por “injustiça social”. Sim, existem as duas coisas e elas andam de mãos dadas. Sendo a única diferença a de que o racismo ambiental acontece sempre com pessoas negras e com pessoas em situação de vulnerabilidade, caso dos indígenas também e não é difícil vê-lo nas mais diversas cidades do nosso país. Já a injustiça ambiental acontece com qualquer pessoa e não somente com as pessoas mais vulneráveis.
Quando falamos de racismo ambiental pensamos naquelas pessoas negras e pobres que não têm condições de viverem em lugares seguros e que ofereçam-lhes uma vida melhor.
A maioria da população que mora em favelas ou periferias é formada por pessoas negras no Brasil. São essas pessoas as que realmente sofrem o racismo ambiental. Sabemos que apesar da escravidão ter acabado há algum tempo, muitos negros ainda sofrem com o racismo e não conseguem um bom emprego ou uma vaga numa universidade pública apesar das cotas. Tudo é muito difícil para a pessoa negra brasileira.
Mas não é apenas o negro que entra no termo racismo ambiental. Todas as pessoas que vivem em situações de vulnerabilidades, expostas aos mais diversos problemas de desigualdades sociais, aquelas que não têm o que comer e não têm onde morar também sofrem racismo ambiental. Como exemplo podemos citar os nossos indígenas que aqui estavam antes mesmo de Cabral e sua frota invadir o Brasil e escravizá-los. Muitos empresários dizem que os nossos indígenas têm muita terra e que não fazem nada com ela. E assim vão tomando as terras daqueles que eram donos de tudo e foram roubados pelo homem europeu, seu colonizador.
Até hoje ainda tem gente que diz que há terra demais para pouco indígena. Isso é errado, fere a dignidade do povo indígena. Onde está a ética dessas pessoas? Os europeus chegaram, tomaram tudo, escravizam indígenas e negros. Brigaram pelo nosso território e seus conflitos mataram milhares de indígenas, violentaram, estupraram as nossas índias. A exploração das nossas riquezas naturais e do uso da terra dos nossos indígenas para a invasão e colonização foi uma forma de racismo ambiental da qual ainda precisamos discutir bastante.
O filósofo camaronense Achille Mbembe criou o termo Necropolítica que questiona os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. No Brasil, o termo tem sido bastante utilizado na questão da segurança pública, mas também podemos utilizá-lo no problema de racismo ambiental quando deixamos mineradores e empresários invadirem as terras dos nossos indígenas, queimarem e desmatarem as suas florestas e o que é pior escravizá-los em suas próprias terras.
Também podemos usar o termo necropolítica com o racismo ambiental quando vemos favelas sendo invadidas por milícias e policiais corruptos que ameaçam seus moradores para pagarem aluguéis mais caros, terem água encanada e até mesmo poderem viver ali com as garantias que eles lhes oferecem. O problema é mais sério do que pensamos.
O racismo ambiental se espalha nas ruas das periferias brasileiras e nas tribos indígenas. O desenvolvimento da economia agropecuária tem feito com que os agricultores usem inseticidas e venenos para matarem as pragas das plantações e com isso acabam intoxicando as pessoas que moram próximas dessas fazendas ou até mesmo as que trabalham para esses agricultores. O pequeno e quase sempre analfabeto trabalhador rural usa o veneno contra as pragas sem os devidos cuidados e proteção básicos e acaba adoecendo seriamente ao longo do tempo.
É importante falar de racismo ambiental às crianças para que desde pequeninas elas possam compreender o que é o racismo e que critiquem e não aceitem que seus pais ou responsáveis sejam racistas.
A criança não nasce racista e preconceituosa. Essas coisas vão sendo colocadas dentro dela ao longo da sua vivência com os adultos. Como eu sempre falo, a criança imita o adulto. Muitas vezes, brincando no parquinho uma criança negra com uma criança loura é rapidamente levada pelos seus pais daquele local e recebe o conselho de não brincar com pessoas daquela cor. A criança não sabe o motivo, mas atende a ordem recebida.
Nas escolas, os professores devem combater o racismo aproximando as crianças sejam negras ou brancas com brincadeiras coletivas onde possam juntas descobrirem as coisas lindas que o planeta Terra nos oferece. Brincar de ciranda para que as crianças possam dar as mãos unidas num só gesto de amor umas as outras e ao mundo também é importante.
As crianças também precisam entender na escola e em casa que existe o racismo, porém que ele deve ser combatido. Não devemos ter preconceito com as pessoas negras e nem pobres. Não devemos ter preconceito com as pessoas que se vestem diferentes de nós. As crianças precisam aprender o que é o mundo da diversidade. Depois de aprenderem todas essas coisas devem também conhecer o que é racismo ambiental e por que ele existe num lugar onde as pessoas dizem que todas somos iguais perante as leis.
Envolver as crianças em discussões sobre o racismo e o meio ambiente é importante. Falar sobre as desigualdades sociais, a pobreza, a fome e a violência nas periferias das grandes cidades se faz necessário. Deixar a criança expor o seu pensamento é um bom momento para que as outras possam opinar, também. Criar um ambiente onde cada criança tenha vez e voz de falar sem ter o seu pensamento interrompido por medo de críticas ou surpresas desagradáveis.
Todos somos responsáveis pela existência do racismo ambiental. Se cada um de nós procurasse nas nossas redes sociais uma vez ao dia escrever algo bonito e necessário às populações em situação de vulnerabilidade chamando as autoridades para combaterem conosco pelo fim dessas desigualdades e violências que tanto matam os nossos negros e indígenas todos os anos acredito que o mundo se tornaria melhor.
O local onde estamos vivendo pode ser confortável, contudo é impossível deitar a cabeça no travesseiro e dormir sabendo que milhares de negros estão morrendo de fome. Seja você um combatente contra o racismo ambiental.
A gente vê hoje um Estado que adota a política de morte, a política de inimizade, o uso ilegítimo da força, o extermínio. A divisão entre amigo e inimigo. É muito triste, porém é a nossa realidade. Um Estado que não se preocupa em proteger as pessoas negras e invade as favelas de forma errada e desconcertada sempre matando inocentes. Um Estado que libera o uso de agrotóxicos sem se preocupar em como isso poderá influenciar na nossa saúde daqui a alguns anos. E mais ainda, um Estado que não reconhece o racismo ambiental.
Nas escolas públicas das periferias falta de tudo um pouco, como também nos locais onde têm postos de saúde. As pessoas não recebem um bom atendimento, não tem medicamentos, não tem sequer esparadrapo para fazer um curativo. Bem capaz de sair do posto de saúde mais doente do que chegou. A água dos esgotos correndo pelas ruas das favelas e as crianças descalças brincando de barquinho naqueles locais. Os vírus e bactérias se proliferando nessas regiões contaminando e matando pessoas que não têm dinheiro para comprar comida imagine remédios. Isso é necropolítica. Isso é racismo ambiental.
São resíduos tóxicos hospitalares e de grandes indústrias que são despejados todos os dias nos bairros de periferias das nossas cidades onde moram centenas de crianças, idosos e pessoas gestantes negras. Ninguém se preocupa em combater a pobreza. Ninguém se preocupa com a saúde dessas pessoas. Parece até que se elas sumissem do mapa resolveria o problema das autoridades. Porém, elas não vão sumir. São milhares espalhadas por todos os lugares do país. E são elas que ajudam o Brasil a crescer com os seus trabalhos informais nas construções civis, principalmente.
A dona de casa negra e pobre que sai todos os dias para trabalhar na casa da patroa branca que manda ela jogar “fora” o celular quebrado e essa mulher leva para casa o aparelho para que a sua criança possa com ele brincar, sem saber que pode estar contaminando o seu filhinho ou filhinha com aquele brinquedo altamente tóxico. É o pai de família negro que explora a terra do seu irmão indígena mesmo sabendo que isso é errado, mas precisa garantir o pão da sua família. São pessoas vulneráveis explorando os seus próprios irmãos para sobreviverem. E o nosso governo federal ainda vai para televisão dizer que não existe racismo ambiental e que tudo vai bem no ministério do meio ambiente e dos direitos humanos.
Eu moro num bairro de periferia onde foi construída uma estação de tratamento de esgoto praticamente dentro do mangue. Depois de ser rejeitada por vários bairros. Aqui as pessoas sequer foram consultadas. O Estado chegou e construiu. Boa parte do mangue foi aterrada para essa construção. Alguns moradores tiveram as suas casas derrubadas sem indenização porque moravam em propriedade do Estado. Eram pessoas pobres e negras que não tinham onde morar e foram parar ali. É assim a vida. Ela dói sempre naquele mais fraco. E vai continuar doendo enquanto não fizermos nada pelos nossos irmãos.
O primeiro passo é cuidar para que as nossas crianças cresçam respeitando as pessoas em situação de vulnerabilidade, sem preconceitos e virtuosas. Acreditando que sempre é possível mudar o mundo para melhor mesmo que tudo fique de pernas para o ar.
O passo maior é erradicar a pobreza. E o grande passo necessário é acabarmos com o racismo num país onde a maioria da população é formada por pessoas negras.
Para finalizar deixo vocês com os belos versos do poema “Seus olhos” do poeta Gonçalves Dias que nos diz “Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, / De vivo fulgor; / Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, / Que falam de amores com tanta poesia, /. Com tanto pudor. Troquem a cor dos olhos azuis de Jesus Cristo pelos olhos negros de Luís Gama. Quando eu era criança, acreditava que Jesus Cristo nasceu na Belém brasileira. Continuemos acreditando nisso.
Autora: Rosângela Trajano
Edição: Alex Rosset