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O que podemos fazer com as folhas secas caídas das árvores

As folhas secas de uma árvore são poemas lindos que podemos rimá-los em nossos jardins e vasos de plantas. Antes de as jogá-las no lixo veja se nelas consegue ver a poesia da sua alma.

Sempre gostei de ler o filósofo e escritor Voltaire que participou do movimento do Iluminismo na França e deixou grandes ideias para a posteridade e é com ele que começo este meu texto dizendo nas suas belas palavras “um ancião é uma grande árvore que, já não tendo nem frutos nem folhas, ainda está presa à terra.” Sim, as árvores também envelhecem. Elas têm vida própria e precisam trocar de vestes vez ou outra, por isso as suas folhas secas caem no chão das nossas calçadas, canteiros ou ruas.

Muitas pessoas acham feio aquele monte de folha seca “sujando” a sua calçada. Não sabe da belezura que tem em casa. Acha sujeira na natureza. Não tem olhos para ver apenas para enxergar. Não olha as coisas com amor e sim com aquela espetacular arte de julgar tudo. As folhas secas formam tapetes no chão e são levadas pelo vento para adubarem jardins e servem para fazermos muitas coisas.

A queda das folhas é um processo natural e acontece para que árvores e plantas se protejam e se mantenham nutridas durante o inverno. Em lugares de mata preservada, o solo onde são reunidas quantidades significativas de folhas secas é escuro. Isso é sinal de que a terra está devidamente adubada e fertilizada por conta das folhas que caíram. Outro aspecto importante desse fenômeno é a retenção da umidade no solo, que, aos poucos, se alimenta dos nutrientes que chegam até ele.

Tem gente que com muita raiva pega a vassoura e todas as manhãs varre a frente de casa, tirando aquele lixo da sua porta. As folhas secas são chamadas de lixo por aqueles que não sabem apreciar a natureza. Existe até gente que briga e já se desentendeu com o vizinho porque as folhas da sua árvore caem no seu quintal sujando tudo. É uma briga feia. Conheço vizinhos que já foram parar na justiça por causa disso. A coisa é séria.

Como se sentem as árvores diante de tudo isso? Como se sentiria você se alguém brigasse por que deixou o seu coração cair em outro corpo?

Seu coração que para você tem tanto valor e para o outro significa sujeira e lixo. Assim sentem-se as árvores. As suas folhas caídas não são lixo elas são as vestes trocadas num outono necessário para ficarem mais bonitas com novas folhas verdes. As folhas secas não deveriam incomodar ninguém. Sei que é chato ficar varrendo o tempo inteiro a calçada por causa de tantas folhas caídas da sua árvore, mas isso não significa que seja preciso derrubá-la.

Muitas pessoas têm o costume de podar a copa das árvores e deixarem apenas no tronco porque estão cansadas de limparem a frente de casa com tantas folhas secas espalhadas pelo chão. Estão cansadas de reclamações dos vizinhos. Não sabem elas que essas folhas podem impedir que as suas ruas se alaguem retendo água da chuva, podem servir para adubar outras plantas, fazer um chá medicinal ou decorar uma página de livro.

As folhas secas podem servir para várias coisas. Uma delas é a beleza de decorar salas e quartos através das artes visuais. Alguns artistas usam as folhas secas para fazerem quadros com a ajuda de alguns produtos químicos que vão conservar aquelas folhas secas por muitos anos. Tem pessoas que guardam uma folhinha seca como lembrança de um momento lindo ou de um lugar especial.

Eu, certa vez, ganhei de presente uma folhinha seca de uma mangueira que fica num terreiro de Candomblé na cidade do Rio de Janeiro. Foi um dos maiores presentes que já recebi até hoje. A mãe de santo trouxe para mim quando veio visitar a minha cidade. Guardei a folha dentro do meu livro de poemas de Florbela Espanca dividindo os poemas “Eu” e “Ser Poeta”. Os marcadores de páginas dos meus livros físicos são todos feitos de folhas secas. Eu, particularmente, acho-os lindos. Uso um verniz indicado por um professor de artes visuais que me ensinou a como conservar por muito tempo a minha folha seca. Apenas isso.

Outro dia, vi uma amiga usando um lindo colar com um pingente de três folhas secas também envernizadas. Achei a coisa mais bela do mundo e desejei muito aquele colar para mim. Pedi para ela, mas claro que não recebi. Ela disse que foi presente do seu primo e até falou do bom gosto do rapaz. Realmente ele sabe bem como agradar uma mulher.

As folhas secas podem servir para adubarem outras plantas e assim servirem de nutrientes.

Lá no parque onde caminho é uma belezura de se ver as folhas secas caídas pelo chão e as pessoas pisando nelas sem nem reclamarem de nada, as poças de águas que costumam ficar paradas em cima delas à espera de que o sol venha secá-las e deixá-las ainda mais bonitas. Ah! Como eu amo as folhas secas do meu velho cajueiro!

Conheço empresas de cosméticos que usam as folhas secas das árvores para fazerem produtos de beleza e até mesmo muitas delas servem como essências para perfumes cheirosos e maravilhosos. Também tem aqueles sachês cheirosos que servem para perfumarem as nossas roupas guardadas em maleiros ou até mesmo guarda-roupas. Sim, as folhas secas servem para muitas coisas mesmo e você pode experimentar isso usando a sua criatividade.

A minha mamãe na sua juventude para sobreviver contou-me quando tive a ideia de escrever este texto e descobri a sua importância de que na juventude ela fazia perfumes com folhas secas que colocava dentro dos vidrinhos junto com outras essências e ficavam cheirosos por demais. Vendeu muitos perfumes feitos assim e com isso conseguiu comprar o leite para o meu irmão mais velho.

Na minha cidade tem calendário para os garis limparem as folhas secas caídas pelo chão. O prefeito acha que as árvores sujam as nossas ruas e por isso é preciso que de vez em quando elas sejam podadas e as suas folhas secas retiradas dos canteiros. Eu nem acho que fosse necessário isso porque não vejo mal algum num tapete feito de folhas secas cobrindo a mãe terra, protegendo-a do frio e do sol.

Acho que a natureza sabe cuidar de si sem interferência do homem. Se as folhas caem das árvores é porque, certamente, elas são necessárias ao chão. Os homens têm mania de mexer com o movimento da natureza. Ele não se contenta em mexer apenas com as tradições e costumes dos povos que vive a colonizar e roubar deles as suas culturas.

Para aquelas pessoas que realmente precisam se desfazer das folhas secas das suas árvores recomendo que as coloquem dentro de uma caixa de papelão para que o carro do lixo possa levar. Às vezes não temos tempo de decorar as nossas casas e nem sairmos à procura de quem quer folhas secas porque nem vamos encontrar quem queira assim com facilidade. E são tantas as folhas na verdade, não é mesmo? O tempo não nos permite pensar ou esperar por nada… o tempo nos consome  e consome a nossa paciência.

As folhas secas adubam o solo e isso é maravilhoso para quem gosta de plantas. Há um tipo de processo chamado de compostagem que é produzido com folhas secas e ocorre a partir de um processo diferenciado da compostagem tradicional. A principal diferença está no fato de como a matéria orgânica se decompõe. No caso do método tradicional, o calor gerado torna o ambiente propício para que as bactérias transformem o material orgânico em matéria orgânica.

A compostagem com folhas secas se dá pelo processo denominado frio, em que os fungos as transformam em matéria orgânica. O tempo de transição é outro ponto que marca diferença entre ambas. Enquanto a compostagem tradicional ocorre, em média, 3 meses, o composto de folhas pode atingir a maturidade em até 3 anos.

O principal benefício da compostagem com folhas secas é que ela promove condições que fornecem nutrientes ao solo e às plantas. Isso implica na melhoria da estrutura da terra. Por esse motivo, é considerada um condicionador de solo.

Ademais, ajuda a suavizar solos pesados, como os argilosos; possibilita a retenção de água, favorecendo assim a irrigação, estimula a atividade biológica, criando um ambiente de micro-organismos que ajudam a prevenir as pragas.

A maioria das folhas secas das árvores Castanholas quando pegas nas mãos se desmancham feito vidro. Você pode optar por usá-las como adubo no seu jardim, no seu vaso de planta que tem em casa, no apartamento ou no seu quintal. Se forem muitas e você não tiver o que fazer, infelizmente, será necessário conseguir uma caixa de papelão e jogá-las no lixo. Mas, antes de fazer isso procure ver se não existe perto de você alguém que esteja precisando delas para adubar o jardim ou coisa parecida.

Os nossos indígenas sabem muito bem como utilizar as folhas secas caídas das árvores.

Podemos descobrir com eles o que fazermos com elas além de adubarem as nossas hortas e jardins. Uma pesquisa na internet ou uma conversa com um deles seria maravilhoso.

Se for necessário descartar as folhas secas, lembre-se do cuidado com o meio ambiente e nunca as coloque em sacos plástico para o carro do lixo levá-las. Os sacos plásticos levam anos para se decomporem e podem prejudicar o meio ambiente. Evite qualquer tipo de plástico para embalar o seu lixo. Coloque as folhas secas dentro de uma caixa de papelão ou numa sacola ecológica que possa ser reaproveitada e feita por você mesmo.

No outono, as folhas secas costumam a caírem bastante das suas árvores e isso é um presente para o nosso solo. Um espetáculo divino que a natureza nos presenteia e ajuda o meio ambiente economizando energia, sabiamente, para a aridez do inverno que se aproxima. Tudo na natureza é perfeito. Não mexa com as nossas árvores e plantas. Os deuses sabem o que fazem.

Um dos maiores desastres da atualidade é vermos as pessoas, mesmo as que se dizem cultas e instruídas, desvinculadas da natureza.

Não gostam de pisar no chão para não sujarem os seus pés, não apreciam a teia que uma aranha teceu, não curtem o cheiro das flores em um jardim e acham que folhas secas dão muito trabalho e só servem para sujar as suas portas de casa. O ser humano perdeu a sua identidade com a natureza e vive preso aos objetos eletrônicos que não sujam e não dão trabalho, mas que ao contrário das folhas secas são altamente prejudiciais ao meio ambiente. Troque o seu celular por um momento de contato com o meio ambiente. Pise no chão e sinta a terra acariciar os seus pés.

É tão triste ver o solo sendo varrido e contemplar depois ele nu, completamente nu. Como se as suas vestes tivessem sido arrancadas abruptamente. Como se elas não lhe servissem mais. Sentindo frio e desprotegido. Quem gosta de ficar nu diante de estranhos? Deixe a natureza agir, não interfira no seu movimento. Ela sabe o que é melhor para si.

Para finalizar deixo vocês com o pensamento de John Keats que nos diz “se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo.”

As folhas secas de uma árvore são poemas lindos que podemos rimá-los em nossos jardins e vasos de plantas. Antes de as jogá-las no lixo veja se nelas consegue ver a poesia da sua alma.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

O autocontrole como desafio educacional

Se quisermos ter uma sociedade mais decente, então, inevitavelmente, temos que ajudar nossas crianças a compreenderem e exercitarem o autocontrole. E a melhor forma de ensinar o autocontrole é dando o próprio exemplo.

“Pensar antes de agir” tem sido um dos sábios preceitos dos grandes mestres da vida. Agir sem pensar pode levar as pessoas a tomarem decisões erradas, arrepender-se das escolhas e sofrer com possíveis consequências desastrosas.

Estudos mostram que as piores tragédias cometidas pelo ser humano são resultados de ações tomadas de forma impulsiva e destituídas de uma reflexão prévia. Não faltam exemplos de experiências coletivas ou pessoais para atestar isso.

Numa matéria intitulada “Ciência do autocontrole” divulgada recentemente na Revista Mente & Cérebro, estudiosos indicam que “sem dominar nossos impulsos não poderíamos conviver de forma civilizada”. Segundo neurocientistas, a capacidade de autocontrole social pode ser compreendida por meio de marcas neurobiológicas.

Mas o que é autocontrole? De que forma ele pode ser exercitado? Que relação existe entre a Educação e o autocontrole?

“Pessoas com bom autocontrole são, em geral, mais bem-sucedidas no trabalho e mantêm relacionamentos mais estáveis”, como comprovam os estudos do Psicólogo Roy Baumeister e seus colegas de pesquisa da Universidade Estadual da Flórida em Tellahassee, nos Estados Unidos.

A equipe de pesquisa investigou longamente duas questões importantes: os processos cerebrais responsáveis por nossa capacidade de autocontrole social e as características neurobiológicas que possam esclarecer as diferenças individuais relacionadas a essa capacidade. Os resultados da pesquisa mostraram que o autocontrole é imprescindível para uma vida mais saudável e um convívio social mais promissor.

Um estudo semelhante em termos educacionais foi feito ainda na década de 1970 pelo Psicólogo Walter Mischel e sua equipe na Universidade de Stanford, também nos Estados Unidos. Trata-se do famoso Teste do Marshmallow. Nesta experiência feita com crianças de 4 a 6 anos, os pesquisadores deixavam as crianças sozinhas numa sala em frente a um doce (marshmellow) com uma instrução muito clara: podiam comer o doce imediatamente ou esperar cinco minutos e aí poderiam comer dois doces. Após a instrução o adulto se afastava da sala por 15 minutos. Tratava-se, portanto, de um teste de adiar a gratificação.

O estudo longitudinal de Mischel mostrou que as crianças que tinham a capacidade de autocontrole tiveram um melhor desempenho escolar, conquistaram melhores empregos, tiveram uma vida mais saudável e feliz comparada as crianças que não tiveram o autocontrole.

O estudo mostrou também que o grupo de crianças que conseguiram adiar a gratificação, tiveram indicadores menores de envolvimento com drogas, com atos criminais e com propensão a obesidade em comparação com o grupo de crianças que não tiveram autocontrole.

O autocontrole certamente deveria ser um dos focos importantes da educação, pois está relacionado a forma como reagimos diante de certas situações, enfrentamos os problemas e tomamos decisões. Cotidianamente, assistimos inúmeros acontecimentos em que crianças e adultos tem dificuldade de lidar com a impulsividade do momento. Grande parte da violência que tomou conta das nossas vidas tem por base a dificuldade de exercer o autocontrole, de pensar antes de agir.

Sócrates, um dos mais importantes filósofos da Grécia Antiga, já dizia há mais de 25 séculos: “Uma vida não examinada não merece ser vivida”.

Certamente, um preceito atual de autocontrole que não pode ser negligenciado e omitido nos processos formativos.

Se quisermos ter uma sociedade mais decente, então, inevitavelmente, temos que ajudar nossas crianças a compreenderem e exercitarem o autocontrole. E a melhor forma de ensinar o autocontrole é dando o próprio exemplo.

Me proponho do decorrer na coluna quinzenal deste ano escrever e refletir sobre isso. Convido a todos os leitores a acompanharem algumas reflexões sobre essa forma espontânea de pensar a filosofia. Num mundo marcado pelo descontrole e pela irracionalidade, talvez um pouco de filosofia seja apropriado para pensarmos sobre a forma de vida que estamos vivendo e talvez concordar com Sócrates que “uma vida não examinada, não merece ser vivida”. Leia mais: https://www.neipies.com/filosofia-para-que/

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

Lugar de Diversidade

Vitória Bernardes defende que o caminho para uma sociedade mais humana e saudável é o reconhecimento da diversidade humana, e não a separação pela diferença. “Diante da diversidade e das possibilidades do corpo humano, por que vamos dizer que existe uma única forma de se enxergar ou de andar”?

Vitória Bernardes se tornou uma mulher com deficiência quando uma bala atingiu o seu corpo, em 31 de dezembro de 2001. A menina de 16 anos tinha saído da casa da avó, em Novo Hamburgo, município vizinho à capital gaúcha, e parou em um orelhão para ligar para uma amiga. Ela não percebeu o assalto que acontecia em um estabelecimento próximo ao telefone público.

Para Vitória, poderia ter sido um dia de comemoração do final de mais um ano, como tantos outros que ocorreram antes, mas esse mudaria sua vida — a bala perdida, o chão, o corpo sem sensação, o susto, três meses de internação em uma UTI, em Porto Alegre, e mais um período de reabilitação na Rede Sarah, em Brasília. A lesão deixou marcas profundas, além do que é visível. Por conta dela, Vitória ficou tetraplégica e viu seu futuro ser transformado.

Na volta à “outra vida”, como fala sobre o que teve que enfrentar, Vitória diz que a escola foi muito importante em seu processo de reintegração social. “Eu não queria ir. Hoje eu consigo entender o quanto foi importante. Fui acolhida pela escola e por meus colegas. Eu me emociono quando falo. Fiquei seis meses no hospital, voltei e concluí [o Ensino Médio] com a mesma turma”, observa, numa conversa por uma plataforma de vídeo.

Enquanto ela estava internada, a escola fez com que seu espaço ficasse mais acessível e ela pode continuar os estudos.

Na festa de formatura, os colegas pegaram sua cadeira e a conduziram por uma escada, pois não havia mais locais disponíveis para locação. “Pode não ter sido o mais adequado, mas foi simbólico. Eu desci com os meus colegas que diziam ‘é óbvio’. Isso que a gente precisa resgatar. Não é óbvio que as pessoas precisam ocupar os mesmos espaços e que devemos preservar sua dignidade? Senão a deficiência fica como algo estático, que não existe”, observa.

Vitória conta que teve que “reaprender a viver em uma nova condição”. Não foi fácil, diz. Ela relata o estranhamento que sentiu ao voltar aos lugares que costumava frequentar como uma pessoa andante. “Houve uma mudança no comportamento. Um dia te tratam de uma forma e no outro, não. Aprendi que a deficiência é isso”, afirma. Depois da escola, ela entrou para a faculdade de Psicologia, veio a formatura, a busca pelo trabalho.

Hoje, Vitória mexe as mãos, é autônoma, casou e tem uma filha, Lara, de oito anos. Com um sorriso, comenta: “A vida é feita de fases”. E a vida de Vitória seguiu com vivências que a tornaram uma ativista pela inclusão. “Os nossos corpos pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os lugares. O que faz com que todo lugar em que eu esteja eu acabe reivindicando algo. É bem violento”, relata.

Gaúcha, moradora de Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, Vitória ativista de direitos humanos e conselheira nacional de saúde, representando a Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME). Seu ponto de partida na militância começou em 2005 com a causa que marca sua trajetória, o controle de armas.

Natural de São Leopoldo, município próximo a Porto Alegre, ela nasceu na cidade que sedia a maior empresa de armas leves da América do Sul e que tem o monopólio da fabricação de armas no Brasil. Foi uma arma que, segundo Vitória, a situou em um lugar social em que predomina o estereótipo de ser uma pessoa incapaz e improdutiva — e que, segundo ela, pode ser ocupado por qualquer um em qualquer momento da vida.

Para ela, há uma “hierarquia de corpos” enraizada na sociedade que define pela comparação um corpo visto como “defeituoso” e “inválido” com um modelo de pessoa considerada “perfeita” e “normal”. “Por que uma pessoa com dois metros de altura não é vista de forma negativa e uma com baixa estatura é patologizada e seu tamanho fica fora do padrão? Precisamos ficar atentos a essa estrutura de dominação entre corpos, que é dinâmica. Às vezes é por raça, gênero, classe, e outras por funcionalidade”, alerta, falando sobre o preconceito que enquadra pessoas, não só com deficiência.

Por achar que subvertia o chamado “mantra da falta de capacitação” das pessoas com deficiência, Vitória acreditou que teria um emprego garantido logo depois de formada, em Psicologia. A realidade mostrou o contrário. “Ainda não me entendia nesse lugar de atividade política. Eu, de classe média, achei que estaria fora do enquadramento dado às pessoas com deficiência, mas não foi isso que vivi. Tentei várias posições e consegui emprego em um local que trabalhava com pessoas com deficiência. Precisava trabalhar, era o que tinha. Não foi uma escolha”, observa. Apesar disso, reforça que “fui muito feliz por lá”.

Discriminação estrutural

Para Vitória, a discriminação é estrutural e não resulta apenas de uma ação individual. “Criamos guetos [espaços segregados] com escolas especiais para mulheres, para pessoas negras, para meninos que são lidos no lugar de feminilidade ou de meninas que fogem ao padrão aceito.

As estruturas são perversas para todos. A escola não está sendo um lugar saudável para ninguém”, salienta. Segundo ela, o discurso dessa educação segregadora é baseado na proteção das pessoas com deficiência para que não sofram violência na escola.

“A ideia é colocar esses estudantes em uma redoma. E a decisão vai ficar a critério da família. Mas que família é essa se entre 40% a 68% das mulheres com deficiência serão estupradas antes dos 18 anos dentro de casa?”, argumenta.

Por isso, ela defende que o caminho para uma sociedade mais humana e saudável é o reconhecimento da diversidade humana, e não a separação pela diferença.

“Diante da diversidade e das possibilidades do corpo humano, por que vamos dizer que existe uma única forma de se enxergar ou de andar? Por que vamos ignorar todas as potencialidades e possibilidades de se relacionar com o mundo? Precisamos falar sobre isso”, reflete.

A ativista lembra que qualquer um pode se tornar uma pessoa com deficiência. “A pessoa pode adoecer ou condições inseguras e acidentes de trabalho podem levar à vivência da deficiência. Precisamos trazer humanidade porque a luta das pessoas com deficiência é pela nossa humanização”, defende. (L.M)

Há, nas escolas, educadores/as adultos/as que se dispõem a acolher, sem razões robustas, a vida precária de jovens pobres? E se não há fortes razões para isso, o que pode vincular eticamente os/as educadores/as à alteridade das pessoas marcadas por vidas precárias? São questões que introduzem a reflexão sobre os impasses e as possibilidades pertinentes à escolarização dos/das jovens pobres, exigida pela lei republicana e democrática. Leia mais: https://www.neipies.com/vidas-vulneraveis-em-escola-publica-quando-o-aprender-clama-por-acoes-que-ultrapassam-a-execucao-formal-das-atribuicoes-profissionais/

Autora: Liseane Morosini

FONTE: https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/lugar-de-diversidade

Edição: Alex Rosset

A multidão dos desterrados e errantes

O ambiente do passado reflete a impossibilidade de florescer e produzir frutos; a incerteza do futuro, revela a dificuldade de replantar as raízes em terra estrangeira.

A guerra anunciada, e finalmente declarada, entre Rússia e Ucrânia desencadeia um rio humano de pessoas em fuga. Nos últimos decênios vimos os casos do Iraque, da Venezuela, da Síria, de Mianmar, do Afeganistão, do Sudão do Sul e, agora, da Ucrânia. Refugiados que se contam aos milhões: ao redor de 6 fogem da Síria, mais de 5 da Venezuela, 3,5 no Sudão do Sul, 1,5 em Mianmar!… Afeganistão e Ucrânia, juntos, já ultrapassam e milhões. Somando os refugiados de todo mundo, a ACNUR já os estima em mais de 80 milhões.

Tensão, violência, conflito e guerra estão por trás desses deslocamentos de massa.

Desde o início deste século (e milênio), temos assistido a um aumento não somente dos focos de refugiados, bem como do número destes últimos.

Não podemos esquecer que refugiado é aquele que não pode voltar atrás e, muitas vezes, encontra pela frente barreiras intransponíveis. Águas represadas, encurraladas, em campos marcados em geral por extrema precariedade de vida e de acolhida. Bastaria uma simples olhada aos campos da Líbia, da Turquia, do México, da Grécia, do Bangladesh, entre outros.

Olhando para trás, o refugiado vê a hostilidade, a perseguição, o julgamento, o cárcere ou até mesmo a morte. Trata-se, quase sempre, de pessoas banidas do próprio país ou região, por motivos políticos, religiosos ou ideológicos, quando não tudo isso ao mesmo tempo. O certo é que o retorno é proibido sob pena de severa punição.

Olhando para frente, o refugiado depara-se com um horizonte sombrio e esfumaçado, incerto e inseguro. Uma árvore arrancada da terra, com as raízes expostas ao sol. Podem murchar, secar, definhar e morrer. Os valores, expressões e referências, só com muita dificuldade, reflorescem em solo estranho.

O recomeço é costuma ser árduo e íngreme, com frequentes possibilidades de fracasso. A qualificação e experiência, longa e laboriosamente acumuladas na origem, por vezes perdem o valor nos países de destino. Nem sempre são considerados válidos o estudo, o “saber” e o currículo trazido na bagagem, da mesma forma que nem sempre é possível traduzir tudo isso no novo idioma.

Começar do zero – eis o grande desafio! E para grande parte dos migrantes, a idade já não o permite. Além disso, o trabalho e a moradia constituem dois imperativos que não podem esperar, devido às condições da família.

Aqui, porém, talvez seja necessário ampliar o conceito de refugiado. Parte considerável dos chamados “migrantes socioeconômicos” passam pelas mesmas turbulências e adversidades. De fato, igualmente para eles, atrás ficou a pobreza, a miséria, a falta de oportunidades e, embora a gota-gotas, também a morte. Fogem de um solo seco e estéril, de uma inundação ou catástrofe repentina, de crises climáticas cada vez mais imprevistas e violentas, de furacões, terremotos ou outros tremores de ordem físico-geográfica. Na frente, tropeçam com a falta de qualificação, os serviços mais pesados e perigosos, mais sujos e mal remunerados. Novamente neste caso, sem qualquer tipo de proteção, o recomeço encontra-se fadado ao fracasso. Repete-se o desafio de antes: recomeçar do zero!

Uns e outros – refugiados e migrantes – se vêm encurralados. O ambiente do passado reflete a impossibilidade de florescer e produzir frutos; a incerteza do futuro, revela a dificuldade de replantar as raízes em terra estrangeira. Ambos se encontram sujeitos às vicissitudes da estrada, às vezes de um vaivém ininterrupto, tal como folhas secas que o vento arrasta para onde quer. Terminam por cair num tipo de existência dependente, seja em relação aos fluxos e refluxos da globalização, seja em relação às migalhas do capital.

Desnecessário acrescentar que a pandemia da Covid-19 e, em determinados países, o modo pandemônico de gerir suas implicações e consequências, desnudou e ao mesmo tempo agravou, a situação dos grupos mais vulneráveis.

Os países e regiões onde a vida já se encontrava mais frágil e ameaçada, sofreram maiores perdas tanto devido à letalidade do coronavírus quanto devido à letalidade do confronto bélico. Ambos deixam feridas e sequelas que remédio algum será capaz de cicatrizar.

Autor: Pe. Alfredo J. Gonçalves

Edição: Alex Rosset

A educação em 2022: redução de recursos e apagão de dados

2022 é o ano em que precisamos pensar mais e melhor para exercermos o direito e o dever de escolhermos governantes e gestores mais comprometidos com a educação, a ciência, a cultura e a tecnologia em prol de uma nação soberana.

Ao iniciarmos o terceiro ano letivo sob diversos impactos da pandemia na educação, a expectativa de todos era, no mínimo, melhores condições de trabalho e estudo, mais investimentos na educação e transparência dos gestores, sejam públicos ou privados, de todos os entes federados.

Porém, a realidade que se apresenta neste começo de ano é, novamente, de desarticulação, improvisação, redução de recursos orçamentários e apagão de dados do Censo Escolar.

Agrega-se a tudo isso, apesar do discurso da necessidade de retorno das aulas presenciais, um atraso proposital de vacinação de crianças e adolescentes pelo governo federal, ausência de campanhas educativas e, consequentemente, baixo índice de vacinação. Tudo isso evidencia ausência de planejamento de política pública de Estado e inoperância do regime de colaboração entre os entes federados. Inclusive no estado do RS.

Projetos e obras abandonadas

Durante o período de aulas remotas e escolas fechadas (2020 e 2021), os governos deveriam ter realizados as obras necessárias e tomado todas as providências para o retorno à presencialidade.

Porém, nenhum programa ou mutirão foi desenvolvido. O resultado é, conforme o censo escolar, além da falta de ambientes coletivos, condições sanitárias e conexão à internet; pátios e quadras esportivas não são acessíveis para a maioria dos estudantes de escolas públicas do estado.

Ao todo, de um total de 1.996 instituições estaduais (82,8%) e 2. 272 municipais (47,2%) não dispõem desses espaços. Ou seja, 53% dos estudantes sequer têm uma quadra ou pátio coberto à nas instituições onde estudam.

Escolas sem energia elétrica, sem água, com janelas quebradas, mobiliário semidestruído, prédios interditados e ausência de condições físicas de acolhimento e estudo, mesmo após dois anos sem aula presencial, são inúmeras.

O agravante não para por aqui. Em todo o país, 54.681 escolas (39,65), não têm acesso à internet banda larga, dessas 25,66% não têm acesso a qualquer tipo de conexão. Outras milhares de escolas não têm bibliotecas e as que possuem não tem profissionais para orientar a prática de leituras e pesquisas.

Conforme dados extraídos do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec), no Brasil, há 8.904 projetos escolares abandonados, sendo que os 604 do RS representam 6,8% do total, metade delas de iniciativas municipais.

Entre os empreendimentos, estão intervenções complexas, como construção de escolas de educação básica e de educação infantil, e de melhorias, como cobertura de quadras e ampliações de espaços das instituições.

Esse montante agrupa construções canceladas, paralisadas e inacabadas. Obras fundamentais para o desenvolvimento da educação e da aprendizagem dos estudantes, ainda mais especialmente em tempos de pandemia.

Vetos ao Orçamento da União de 2022

orçamento do MEC sofreu cortes expressivos nos últimos três anos e a execução orçamentária foi a mais baixa desde 2011. O orçamento sancionado em fevereiro para 2022 pelo governo federal apresentou novos e substanciais vetos que impactam Unidades Orçamentárias do Ministério da Educação.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) se manifestou em nota, apontando que os cortes no MEC atingiram R$ 739.893.076,00, abrangendo vetos a emendas, principalmente as apresentadas pela Comissão de Educação do Senado e pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, valores discricionários e valores da proposta orçamentária que não fazem parte das emendas dos congressistas.

Esses cortes em 2022 além de aprofundarem a forte redução nos recursos do MEC que se destinam ao pagamento de despesas associadas a outras despesas correntes, investimentos, inversões financeiras etc., excluindo-se aqueles para o pagamento de pessoal e encargos sociais (que são obrigatórias).

As chamadas ‘outras despesas correntes’ são as realizadas com o pagamento de água, luz, internet, material de consumo, reforma de instalações, limpeza, vigilância, terceirização etc. Os investimentos são os recursos aplicados em construções, aquisição de equipamentos e mobiliários etc.; inversões financeiras são despesas realizadas, por exemplo, com a aquisição de imóveis que já estão concluídos.

Censo Escolar: manipulação de dados

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), encarregado de coletar, organizar e divulgar os dados do Censo Escolar da educação básica e do ensino superior, divulgou recentemente que o “formato de apresentação do conteúdo dos arquivos que reúnem um conjunto de informações detalhadas relacionadas à pesquisa estatística e ao exame foram reestruturados”, a pretexto de “suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD)”.

A notícia surpreendeu a todos e mais de 30 entidades educacionais e científicas emitiram Posicionamento Público, no dia 22 de fevereiro de 2022, afirmando que é “preciso proteger a privacidade, sem abdicar da transparência. Utilizar a LGPD como justificativa genérica para o descarte dos microdados do Censo Escolar carece de fundamento legal. A própria LGPD deixa claro em seu artigo 7º, incisos II e III, que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento do titular destes dados”.

Para além do acesso ao detalhamento dos dados anteriores, rompendo e impossibilitando de análises históricas em série, as informações referentes ao ano de 2021 estão organizadas como uma estatística ampliada, desagregada no nível de escola, perdendo caráter de microdados, impedindo seu maior detalhamento e cotejamento.

No que tange à matrícula, apontam as entidades que subscrevem o posicionamento público, análises por idade, comparação entre idade e etapa não são possíveis, inviabilizando, por exemplo, o cálculo da taxa de matrícula líquida.

Apagamento de direitos

Nota-se também ausência de informações sobre transporte escolar. Em relação à análise de grupos específicos, não se tem informação sobre as categorias de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades/superdotação. Há um total de matrículas da educação especial incluídas, não podendo aferir em quais etapas/modalidades esses estudantes se encontram. Há um total de matrículas exclusivas, sem distinção entre classe exclusiva ou escola exclusiva.

Esse apagamento de dados, comum ultimamente no Brasil, impacta diretamente e imediatamente em três perspectivas: rompe uma série histórica de dados educacionais praticados pelo Inep; prejudica a estruturação e planejamento de políticas públicas educacionais consistentes para o enfrentamento das necessidades e, prejudica, a realização de pesquisas e estudos nas ciências da educação.

A medida tomada pelo MEC/Inep significa, também, o “apagamento dos direitos à educação e a tantos outros direitos de nossas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos do país” apontam as entidades.

Desde 2010, o Brasil não tem dados censitários atualizados. Em plena pandemia, o Ministério da Saúde não protege suas informações estratégicas. Plataformas privadas vendem e vazam nossos dados com frequência.

Agora o MEC/Inep censura microdados educacionais. A quem e a que interesses tudo isso serve? Sem informações atualizadas sobre as reais condições de vida e de educação dos 212 milhões de brasileiros estamos numa caverna da ignorância. Prense!

Portanto, 2022 é o ano em que precisamos pensar mais e melhor para exercermos o direito e o dever de escolhermos governantes e gestores mais comprometidos com a educação, a ciência, a cultura e a tecnologia em prol de uma nação soberana.

Esta publicação foi publicada, originalmente, no site Extra Classe: A educação em 2022: redução de recursos e apagão de dados – Extra Classe

Autor: Gabriel Grabowski

Edição: Alex Rosset

Vamos defender o SUS?

Documentário “Se não fosse o SUS” coordenado pelo CEAP de Passo Fundo destaca o papel fundamental do SUS no marco da Pandemia da Covid-19 e apresenta os prejuízos que o Sistema vem sofrendo em virtude do negacionismo e da falta de ação e coordenação do governo federal no combate ao coronavírus.

Sem dúvidas, a pandemia da Covid-19 trouxe um novo olhar ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que o sistema foi o único que garantiu todas as formas de cuidado, tratamento e acompanhamento às milhões de brasileiros e brasileiras acometidos pela doença. Caso não houvesse um sistema pronto para atender a população, o número de mortes – que somam mais de 653 mil – seria muito maior. Por meio do SUS foi possível vacinar a população prevenindo e controlando a doença.

O SUS é hoje a maior política pública do Brasil e é responsável pela assistência à saúde de pelo menos 150 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente dele. Mesmo assim há interesses difusos em desmontar o Sistema, retirando o direito à saúde, um direito fundamental da pessoa humana.

Para trazer a abrangência e a necessidade de defesa do modelo de saúde pública universal do Sistema Único de Saúde, o CEAP – Centro de Educação e Assessoramento Popular de Passo Fundo coordenou o documentário intitulado “Se não fosse o SUS”, que foi lançado pelo CNS, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS).

O audiovisual traz depoimentos de usuários, integrantes dos conselhos de saúde e trabalhadoras/es, relatos de autoridades, especialistas e ativistas, que traçam um registro histórico da importante atuação do Conselho Nacional de Saúde e da Rede de Conselhos de Saúde do país para resistir aos desmontes do SUS e avançar na sua implementação e continuidade. Cada um traz seu ponto de vista e seu relato sobre o que vive em seu território, a partir da força de um sistema que atende todos sem distinção e das fragilidades deste ocasionadas por má gestão, falta de recursos públicos e de políticas públicas.

O material destaca o papel fundamental do SUS no marco da Pandemia da Covid-19, apresenta os prejuízos que o Sistema vem sofrendo em virtude do negacionismo e da falta de ação e coordenação do governo federal no combate ao coronavírus, que resultaram na maior crise sanitária brasileira dos últimos tempos.

É uma oportunidade de dar voz as comunidades em seus territórios, quem vivencia o SUS em seu cotidiano, quem recebe as políticas públicas, atendimento e garantia da qualidade de vida.

O filme traz a essência e a potência do SUS, responsável por cuidar e salvar centenas de milhares de vidas desde sua criação em 1988. A ideia central é mostrar que nesta pandemia foi o SUS que salvou vidas e deu sustentação no atendimento às pessoas no seu dia a dia. Ele também traz a sensibilidade dos profissionais de saúde, o trabalho e cuidado do controle social para garantir que vidas fossem salvas durante o caos sanitário, político e social instalado do país.

São 24 minutos de duração que criam conexão, pois são relatos sinceros, verídicos, de quem está na ponta, seja usuário ou profissional da saúde. Os depoimentos resgatam a resistência e luta dos militantes da saúde e a força do povo.

A partir do material é possível trazer uma nova visibilidade ao SUS, levando a sociedade a entender que sem ele não haveria outra alternativa.

A pergunta que deixamos é: Se não fosse o SUS, o que seria do nosso povo brasileiro?

Assista o documentário aqui neste link: https://bit.ly/documentariosenaofosseosus

“Se não fosse o SUS”: roteiro e direção: Guilherme Castro.

Autora: Rosângela Borges

Edição: Alex Rosset

As árvores são amigas e se autoajudam

As árvores são criaturas emocionalmente fortes e saudáveis. Ao contrário dos homens, elas vivem alegres e felizes. Só se abalam quando eles, os homens, mexem com elas de forma brutal.

Na sua linda canção “As árvores”, Arnaldo Antunes faz uma ode belíssima a estes maravilhosos seres vivos que formam as florestas nos dizendo “As árvores ficam paradas / Uma a uma enfileiradas / Na alameda / Crescem pra cima como as pessoas / Mas nunca se deitam”.

Assista e ouça: https://youtu.be/auoOG–P3-U?t=20

Talvez o fato de as árvores parecerem paradas e nunca se deitarem nos criem uma ideia de que elas não fazem nada, não se movimentam nunca, não têm sensações e emoções. Mas, eis um pensamento errado sobre as nossas árvores.

Estamos perdendo as nossas florestas e já não vemos mais árvores nas grandes cidades. O concreto está tomando conta de tudo. Os homens preferem fazer árvores de argila ou cimento do que plantarem sementes e esperarem, pacientemente, que elas cresçam, se tornem formosas e nos deem sombras e frutos.

Ah, o homem! Este ser que destrói tudo! As constantes queimadas, os cortes indevidos de árvores por madeireiros e o desenvolvimento desequilibrado das cidades vêm destruindo as florestas. As árvores estão morrendo ou sendo derrubadas todos os dias, todos os dias, por um machado ou serra elétrica.

Há quem goste de ter uma árvore de frente a sua casa. Há quem reclame das suas folhas secas sujando a varanda e a rua. Há quem se delicie embaixo da sua sombra e coma os seus deliciosos frutos agradecendo-lhe por tudo que nos oferece. Sim, há pessoas que conversam com as árvores como se elas pudessem escutá-las de igual para igual. E elas nos escutam. Muito mais inteligentes do que os homens são as árvores na arte da escuta e do amor ao próximo. Elas amam umas às outras, são amigas e se autoajudam.

Qual homem vive assim atualmente? Quantos amigos você tem? Quantas pessoas vêm te ajudar quando estais se sentindo sozinho no mundo?

Pois bem, as árvores são amigas umas das outras. Elas conversam entre si, contam seus segredos e até mesmo fofocam, acreditem. Tudo isso na maior harmonia. Diferente dos homens as árvores não são egoístas. Elas compartilham os seus nutrientes com as demais, quando uma delas é derrubada pelo tronco a outra ajuda as raízes que choram a não entrarem em depressão e continuarem lutando para renascerem do quase nada. Se existe verdadeiramente a imortalidade da alma, as árvores podem garantir que sim.

Quando uma árvore é queimada lá nas profundezas do solo estão as suas raízes sofrendo, solitárias, chorando, tristes. Sem saber o que fazerem ou para onde irem elas lamentam a ira do homem. Porém, nunca estão sozinhas. As demais árvores da floresta sempre se juntam para se autoajudarem. Surge uma corrente do bem entre as árvores.

Algumas árvores são conselheiras, outras ouvintes, há as que curam e as que meio tontinhas apenas ficam ali paradas a ouvirem respeitosamente as mais velhas. Cada uma age do seu jeito.

As árvores seculares são consideradas as mães das demais árvores. Elas sempre são chamadas para ajudarem as mais novas dando conselhos e orientando-as sobre a forma como devem viver para que possam desfrutar da vida de uma forma maravilhosa. Desde criancinhas as árvores aprendem que a amizade é um tesouro e não tem valor que a compre. Na tenra idade, as árvores costumam brincar entre si como se fossem crianças num jardim de infância. Claro que elas não vão à escola iguais as nossas crianças, mas aprendem as sabedorias das suas irmãs mais velhas e das suas mães seculares.

Às vezes penso que os homens têm inveja das árvores e por isso as maltratam. Eles nem sabem que para elas a vida é um benquerer infinito e cheio de bonitezas compartilhadas entre si quando fazem amizade umas com as outras e se colocam nos finais das tardes a ouvirem o canto dos pássaros como se estivessem tomando um belo chá da tarde com as amigas. As árvores são tão amigas umas das outras que conseguem morar pertinho sem nunca se xingarem ou praticarem guerras. Ah, se os homens amassem iguais a elas!

Talvez vocês achem que este texto é um pouco metafórico e imaginário demais, no entanto não o é. Quem fala dessa amizade e autoajuda das árvores sou eu que observo os seus comportamentos há muitos anos e que as amo com todo o meu amor porque nunca na vida tive um amigo melhor do que uma árvore. É a árvore do quintal da minha casa que sabe de todos os meus segredos. É a ela que conto todas as minhas aventuras e sonhos.

A gente tem que deixar de lado essa tolice de achar que só nós temos sentimentos e podemos nos emocionar. Todo ser vivo se emociona do seu jeito. Todo ser vivo é capaz de amar do seu jeito. Não somos os únicos dotados de sentimentos e emoções.

A teoria de que o homem é um animal racional porque pensa está fora de moda para mim. Acredito que todo ser vivo é capaz de pensar e tomar decisões da sua forma. Eu não sou cientista, mas que me importa a ciência se tenho a filosofia e a poesia correndo nas minhas veias cheias de sangue e um pensamento que diz a todo instante que o homem é tão tolo e tão ignorante no que concerne a realidade que deveria muitas vezes calar-se diante de tais eventos da natureza.

As árvores nas suas sabedorias aprenderam que sozinhas não somos nada, não conquistamos territórios, não aprendemos a ser melhores, mas juntos e nos ajudando uns aos outros somos capazes de mudar o mundo para melhor. É isso que quer dizer aquela pequena plantinha que nasce do asfalto quente no meio da avenida e teimosa insiste em gritar para todos que é capaz de crescer ali mesmo se ninguém a tirar do lugar.

As árvores são criaturas emocionalmente fortes e saudáveis. Ao contrário dos homens, elas vivem alegres e felizes. Só se abalam quando eles, os homens, mexem com elas de forma brutal.

Se pudéssemos descobrir os segredos das árvores acho que ficaríamos surpresos, pois em uma floresta muitas histórias são compartilhadas entre elas que através das suas raízes profundas conseguem conversar com a mãe terra e visitam lugares distantes trazendo para as suas irmãs histórias fascinantes. Assim, elas se tornam também boas contadoras de histórias umas às outras.

Quando uma árvore adoece, as demais chegam rapidamente em socorro. Cada uma age do seu jeito. Também existem as especialistas em áreas distintas. Os indígenas conhecem muito da vida das árvores assim como os velhos africanos guardiães dos segredos das suas tribos.

Admiramos as árvores pelas suas copas e troncos. Esquecemos que elas têm raízes profundas que vão além da terra. Que se enraízam chão adentro descobrindo mistérios e encantos nas profundezas do solo fértil e desbravador. As raízes que muitos as usam para medicamentos podem ser consideradas como os corações das árvores, o lugar onde elas guardam todas as suas vivências e experiências dialogadas com o mundo.

As raízes são as guardiães do contato das árvores com o mundo. Elas estão sempre preparadas para fornecerem os nutrientes necessários à vida das árvores, assim como são boas conselheiras no que diz respeito a forma de umas cativarem as outras.

Talvez também nunca tenhamos parado para pensar que as árvores nesse mundo meio parado que pensamos elas viverem também comemoram seus aniversários e fazem festas para os deuses que as habitam. A reencarnação é presente nas árvores, por isso elas vêm com missões a cumprirem por aqui. Suas missões muitas vezes são difíceis e exigem sacrifícios.

Quando se derruba uma árvore em algum lugar do universo a substância infinita criadora de todas as coisas lamenta a sua morte, mas a leva para uma nova morada.

As árvores nunca morrem elas apenas se encantam iguais aos homens, como disse o escritor Guimarães Rosa. Eu tenho uma árvore encantada dentro de mim e sei que um dia nos encontraremos na passagem do meu tempo por aqui. Eu quero na volta, na próxima missão, ser árvore. De preferência daquelas que gostam muito de fofocar e escrever poemas para crianças de madrugada.

As árvores são amigas verdadeiras umas das outras e nunca se abandonam. Elas também têm os seus costumes, valores morais, regras e tradições. São uma espécie de sociedade. E devemos tratá-las com respeito e dignidade. Antes de tocar em uma árvore é preciso pedir licença. Você não gostaria de ser tocado por estranhos, não é mesmo?

Uma curiosidade que me veio à mente agora é que estudo o comportamento do homem enquanto ser social no meu curso de Ciências Sociais, mas de uns tempos para cá tenho me dedicado a pesquisar o comportamento das árvores.

Na verdade, ainda há homens parecidos com as árvores no planeta Terra. Esses homens são grandes amigos e capazes de ajudarem uns aos outros sem nem pestanejar. Quem dera que os homens passassem a imitar o comportamento das árvores. Elas são seres sociais que se autoajudam solidariamente com seus vícios também, mas nada que desabone as suas relações umas com as outras e dentro da floresta. Sabem o momento de opinar e de se calar. Algumas, por incrível que pareça, gostam de mentir.

As árvores são seres com defeitos e acertos iguais a nós, sendo que por se manterem unidas o tempo todo o egoísmo e a inveja são pouco apreciados.

Como toda família, as árvores têm os seus problemas, dilemas, dificuldades e coisas para resolverem. Mas, se existe algo que elas sabem fazer melhor do que os homens é amar. Sim, as árvores amam incondicionalmente umas as outras. Disso eu tenho certeza e você também terá, caro leitor, se começar a prestar atenção nas árvores ao seu redor.

Para finalizar este texto que pode parecer meio estranho ao leitor cético ou ao estudante de ciências, deixo o pensamento do autor citado acima, Guimarães Rosa, que tanto admiro e diz: “Eu estou só. O gato está só. As árvores estão sós. Mas não o só da solidão: o só da solistência.” Que a solistência nos contamine hoje e sempre para que enquanto sozinhos sejamos múltiplos assim como as árvores nas florestas e que o nonada beije o queijo que o rato escondeu dentro do tronco de alguma árvore perto de você. 

Autora: Rosangela Trajano

Edição: Alex Rosset

Diagnóstico: Viver só (Z-602)

Amando e dando valor ao próximo que seremos valorizados, e o que tem valor, ninguém esquece e nem abandona. Como aprendi com uma nobre alma “Só é solitário quem não é solidário.”

A Classificação Internacional de Doenças 11ª edição (CID-XI) foi lançada no mês passado – fevereiro de 2022- pela Organização Mundial de Saúde e comemorada como um excelente instrumento de codificação de doenças e de tendências e estatísticas de saúde em mais de 90 países. 

Utilizando-se de mais de 17 mil códigos de lesões, doenças e causas de mortes, os quais, combinados com mais de 120 mil termos codificáveis, torna-a capaz de listar mais de 1,6 milhão de situações clínicas, das quais, destaco a de código Z602.

É sob este número que está o código do diagnóstico VIVER SÓ. Segundo a OMS, esta é uma informação que serve para uso médico, para pesquisas e estatísticas, só não serviu para salvar a vida de Dona Marinela Beretta, uma idosa de 70 anos, moradora da Lombardia (região ao norte da Itália) a qual morreu sentada em uma cadeira de sua casa tendo permanecido sozinha e mumificada por dois anos sem que alguém desse por sua falta. O fato foi descoberto no mês passado, justamente aquele do lançamento da revisão da CID XI. Dona Marinela tornou-se mais um número estatístico numa região onde aproximadamente 70% de idosos moram em iguais condições de solidão.

​Pergunto: o que choca mais, a morte solitária ou uma existência na qual, ao findar, Dona Marinela não fez falta alguma? Ela não tinha familiares próximos que pudessem notar sua ausência. Seus vizinhos preocuparam-se, na verdade, com alguns galhos de árvores que caíram sobre a rua e a sua casa, e por isso, somente por isso, chamaram os bombeiros para a remoção. Encontra-la morta foi a consequência.

Que esta desagradável notícia possa nos servir de reflexão: se morrêssemos hoje, sozinhos, quem daria por nossa falta? Quanto tempo depois? Que tipo de importância temos como pais, filhos, vizinhos, amigos…. Fazemos falta? 

Não precisamos viver com medo da morte, ela é inexorável, chegará. Porém, é possível vivermos de maneira que nossas vidas tenham sentido nos permitindo a sensação de realização, de maneira tal, que passemos a representar algo na vida dos outros. É amando e dando valor ao próximo que seremos valorizados, e o que tem valor, ninguém esquece e nem abandona.

​Como aprendi com uma nobre alma “Só é solitário quem não é solidário.”

Autor: César A R de Oliveira

Edição: Alex Rosset

Desmagoadores: o bem que nos fazem

Creio que todos queremos bem os nossos desmagoadores, pois tentam minimizar os sofrimentos permitindo que se pare de pensar nas mágoas e que se possa voltar a apreciar as cores oferecidas a nossos olhos.

Meu avô recebia na sala envidraçada da frente de sua casa um ou outro visitante. Eu ficava atento às suas conversas. Notava que, quando alguém se queixava de alguma ofensa que sofrera, de alguma desatenção, injustiça, descaso, meu avô oferecia algumas sugestões.

Certamente, eram conselhos que fizeram bem a ele mesmo. Depois, adulto, fiz uma síntese da sua técnica e acrescentei a de outros desmagoadores.

UM: saia da postura passiva de vítima injustiçada e adote uma postura ativa.

DOIS: examine sua participação no evento para ver se há como agir diferente no sentido de evitar que se repita; não atraia sobre si o lado maldoso das pessoas.

TRÊS: não espere que todo mundo se coloque no seu lugar e “cuide” de você.

QUATRO: é humano desejar que alguém seja solidário, imaginar que o líquido que escorre da garrafa não seja devido à condensação e que sejam lágrimas, como diz a canção de Gusttavo Lima: “Até a garrafa chora quando vê meu sofrimento”.

CINCO: certos problemas são criados dentro de você e, assim, são seus e você é responsável por eles; há problemas que são criados por outros, fora de você, vão “respingar” em você mas não os deixe entrar, não são seus, não os “adote”.

SEIS: muitas das pessoas que lhe magoaram são boas pessoas; de nada adianta ficar revivendo esses seus “maus momentos”; Procure construir um presente positivo entre ambos: dele virão memórias e lembranças felizes de “bons momentos”.

Creio que todos queremos bem os nossos desmagoadores, pois tentam minimizar os sofrimentos permitindo que se pare de pensar nas mágoas e que se possa voltar a apreciar as cores oferecidas a nossos olhos como na foto de Zilah Fragomeni Goellner.

Fica a sugestão: vamos nos lembrar deles. Não só de filósofos, como Epicuro, mas também de pessoas com as quais convivemos, aquelas que nos encantam porque, “frente a um problema, buscam a solução e não o culpado”. Repito: “a solução e não o culpado”.

Esta é a minha segunda crônica publicada no site. Conheça também a crônica: A princesa das baratas. https://www.neipies.com/a-princesa-das-baratas/

Autor: Jorge Alberto Salton

Edição: Alex Rosset

Ensino Religioso no Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio

O RCG afirma o reconhecimento das diferentes religiosidades na formação histórica e cultural dos diferentes povos de toda humanidade e na afirmação de valores que promovam o respeito, a alteridade, a ética e a convivência pacífica como pilares de uma sociedade justa e equilibrada, superando os fundamentalismos dogmáticos que reforçam os anátemas.

Através de um Edital de Transferência Temporária para Dedicação exclusiva à Escrita do Currículo do Novo Ensino Médio do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2020, a Secretaria Estadual de Educação fez uma seleção de 18 redatores titulares e 18 redatores suplentes. Estes redatores e redatoras, divididos por áreas de conhecimento, começaram seu trabalho no dia 22 de outubro de 2020 e seguiram atuando até o presente momento.

Os redatores e redatoras selecionados pela SEDUC são todos professores e professoras da rede estadual de ensino com atuação em escolas.

Como professor do estado, licenciado em Filosofia e Especialista em Metodologia do Ensino Religioso, fui selecionado para fazer parte do Grupo das Ciências Humanas, a partir do Componente Curricular Ensino Religioso.

Processo de Construção

A história do Ensino Religioso no RS tem sido generosa, contando com o empenho e participação de muitas pessoas e entidades que fortaleceram o componente curricular a perspectiva de uma formação humana integral. Em especial, destacamos o papel do Coner-RS que, a partir das denominações religiosas que compõem este Conselho do Ensino Religioso do RS, fortalece a perspectiva do diálogo inter-religioso.

Conheça: https://conerrs.wixsite.com/coner

Gládis Pedersen de Oliveira, uma estudiosa em Ensino Religioso, atuante na formação de professores e professoras, em artigo neste site, publicado em 30 de novembro de 2020, escreve que “a finalidade do Ensino Religioso é o conhecimento dos fenômenos religiosos, na perspectiva da diversidade religiosa. Fundamenta-se na ideia de que é preciso “conhecer para respeitar”, trabalhando os conhecimentos religiosos sem proselitismo, mas reconhecendo sua importância na formação histórica e cultural dos diferentes povos e de toda humanidade e afirmando valores que promovam o respeito, a alteridade, a ética e convivência pacífica como pilares de uma sociedade justa e equilibrada.”. Leia mais: https://www.neipies.com/ensino-religioso-no-novo-ensino-medio/

Na mesma publicação, Gládis Pedersen de Oliveira apresentou sugestões de habilidades que poderiam contribuir para a consolidação dos conhecimentos do Ensino Religioso no Ensino Médio, bem como podem definir a especificidade da atuação deste componente curricular nesta última etapa de formação da Educação básica.

A partir destas sugestões, de discussões com outros estudiosos do Ensino Religioso, em sintonia com os redatores dos demais componentes da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e com contribuições e sugestões da Consulta Pública a que foi submetido o Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio nos meses de novembro e dezembro de 2021, resultaram um texto específico do Ensino Religioso e na definição de 10 habilidades que dialogam diretamente com a execução deste componente curricular no Ensino Médio do RS.

Como registra o Referencial Curricular Gaúcho Ensino Médio, na página 111, “no Rio Grande do Sul, o Ensino Religioso é parte integrante do currículo do Ensino Fundamental e Médio, atendendo ao disposto na Constituição Estadual de 1989, compondo, juntamente com as demais áreas do conhecimento, um todo orgânico e interdisciplinar, com foco na construção efetiva de aprendizagens significativas. Nesse sentido, o RCG afirma o reconhecimento das diferentes religiosidades na formação histórica e cultural dos diferentes povos de toda humanidade e na afirmação de valores que promovam o respeito, a alteridade, a ética e a convivência pacífica como pilares de uma sociedade justa e equilibrada, superando os fundamentalismos dogmáticos que reforçam os anátemas”.

O texto que segue é transcrição de parte específica do Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio aprovado pelo Conselho Estadual de Educação no dia 20 de outubro de 2021, conforme Parecer CEEd Nº 003  que, “institui o Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio – RCGEM, etapa final da educação básica, e suas modalidades, como referência obrigatória para elaboração dos currículos das instituições integrantes dos Sistemas Estadual e Municipais de Ensino do RS, nos termos deste Parecer”  e a “ Resolução CEEd Nº 361, que Institui o Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio – RCGEM, etapa final da educação básica e suas modalidades, como referência obrigatória para elaboração dos currículos das instituições integrantes dos Sistemas Estadual e Municipais de Ensino do Rio Grande do Sul, nos termos do Parecer CEEd 003/2021”  .

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 Reconhecer e promover as diversidades culturais e religiosas como elementos de convivência fraterna e dialógica.

“A escola, lugar de interação social, de representação e representatividade, de aceitação, de respeito e de pluralidade cultural e religiosa, acolhe indivíduos das mais diversas origens. Além de promover o estudo e o reconhecimento das tradições religiosas, valoriza os saberes tradicionais e a ancestralidade, colabora para melhores entendimentos sobre a diversidade religiosa, cultural e étnica do Rio Grande do Sul.

O conhecimento das diferentes religiosidades e as diferentes formas de crença contribuem para desconstruir preconceitos na âncora do conhecer para respeitar. A educação, ao almejar o pleno desenvolvimento humano, não pode omitir o conhecimento, o estudo e a pesquisa das religiosidades, dos fenômenos religiosos, como manifestações espirituais.

Os fenômenos religiosos, indissociáveis da vida das pessoas, não podem ausentar-se dos estudos realizados na escola. A escola colabora para superar visões fragmentadas e meramente racionais da existência, do conhecimento e do mundo, compreende que, para além do racional, o ser humano constitui-se também do emocional, moral e do espiritual.

O Ensino Religioso guarda significativa relação com o Projeto de Vida dos/as estudantes, permitindo-lhes amplitude e profundidade de relações consigo mesmos, com os/as outros/as, com a natureza e com o transcendente, o que pode ser denominado espiritualidade.

Um dos aspectos que se incorporam nas práticas pedagógicas do Ensino Religioso são as competências socioemocionais, já previstas na BNCC. Uma formação integral vai além dos aprendizados técnicos. As competências socioemocionais oferecem suporte para cada indivíduo lidar com as próprias emoções, através de habilidades intrapessoais como autoconhecimento, autoestima, autonomia e resiliência. Auxiliam, também, nas relações interpessoais, quando os indivíduos elaboram senso de colaboração, empatia e respeito.

O trabalho escolar socioemocional contribui nas lidas do dia a dia, através da ética, do aumento de capacidade para lidar com situações complexas e da persistência, além do pensamento crítico, da colaboração e da ponderação para resolver conflitos.

Entende-se, numa perspectiva inter-religiosa, o objeto de estudo é o conhecimento e a compreensão dos conceitos de imanência e transcendência e trabalhar o respeito à diversidade cultural e de crenças, sem proselitismo, o aumento de capacidade para lidar com situações complexas e da persistência, além do pensamento crítico, da colaboração e da ponderação para resolver conflitos.

O olhar crítico, questionador e reflexivo das juventudes, uma vez orientado para o reconhecimento e o respeito às diferenças religiosas que envolvem a todos/as socialmente, inclusive daqueles/as não religiosos/as, é fundamental para qualificar relações sociais mais respeitosas e livres. É direito dos/as estudantes conhecer e reconhecer os princípios e fundamentos das diferentes religiões e culturas, bem como do ateísmo e do agnosticismo.

O acesso e a apropriação dos conhecimentos das religiões, dos saberes tradicionais, da ancestralidade e das filosofias de vida possibilita o exercício do respeito e da superação dos preconceitos e discriminações. Ao conhecer as tradições religiosas, os/as estudantes compreendem como elas implicam a formação cultural dos povos, como impregnam valores, moral e ética aos modos de vida das diferentes nações e povos.

O trabalho pedagógico, a partir de habilidades específicas que partem deste componente curricular, valoriza o patrimônio cultural e religioso produzido pelas capacidades humanas e pelos sentidos e usos da razão e da reflexão e institui potencialidades dialógicas e hermenêuticas de crescimento interior e relacional entre ciência e religiosidade. Valoriza, também, as culturas locais e o reconhecimento das diferentes religiosidades e formas de crenças que compõem a rica e diversa cultura gaúcha.

Ao incluir as tradições – indígenas e afro-brasileiras –, se reconhece o caráter identitário de muitas comunidades e de suas origens. Dessa forma, confere-se representatividade aos grupos e também às individualidades de cada estudante, sem deixar de lado suas histórias. Valorizar conhecimentos religiosos, filosóficos e científicos, em diálogo permanente, sugere às juventudes, no decorrer dos estudos e discussões, a pluralidade cultural e o princípio da alteridade como dimensões da autonomia e do protagonismo.

Os conhecimentos das diferentes tradições religiosas, os saberes tradicionais e da ancestralidade e as filosofias de vida, no contexto das CHS, podem sinalizar os fundamentos para a prática da espiritualidade, diante dos fortes apelos do mundo material”.

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Habilidades relacionadas com o Ensino Religioso no Ensino Médio

Com a intenção de facilitar a compreensão e a aplicabilidade de habilidades no planejamento das aulas do Ensino Religioso no Ensino Médio, queremos propor uma divisão didática que segue. Lembramos, ainda, que os objetos de Conhecimento devem ser construídos a partir de cada habilidade.

Habilidades de espiritualidade e religiosidade:

(EM13CHSA307RS) Compreender o conceito de espiritualidade na dimensão do cuidado: de si, dos outros, da natureza e do transcendente.

(EM13CHSA505RS) Pensar os sentidos e a importância das ações humanas promotoras do bem comum, da solidariedade, da ética e da cooperação, como pressupostos da cultura de paz, da harmonia, da justiça social e da dignidade humana.

(EM13CHSA506RS) Analisar os conceitos e fundamentos do agnosticismo e do ateísmo num contexto de liberdade religiosa, preservação do diálogo respeitoso e fraterno e da convivência pacífica.

(EM13CHSA607RS) Analisar e compreender o ser humano como integral e capaz de desenvolver suas potencialidades e habilidades socioemocionais e cognitivas.

(EM13CHSA608RS) Compreender o sentido ampliado de vida como relevante para a constituição dos Projetos de Vida e da trajetória pessoal.

(EM13CHSA308RS) Compreender as relações intrínsecas entre os elementos constituintes do cosmos e o protagonismo humano nas fronteiras da ética e da bioética concentrando esforços na promoção, defesa e continuidade da vida.

(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais

Habilidades de contexto sócio-histórico:

(EM13CHSA107RS) Problematizar as relações entre cultura e religiosidade, de modo a compreender como diferentes povos e nações constroem sua história a partir da diversidade das crenças e das manifestações de fé.

(EM13CHSA108RS) Identificar e analisar datas comemorativas, feriados locais e nacionais com origens religiosas ou sejam referências por reconhecimento de lutas, por consciência ou por afirmação de direitos.

(EM13CHSA207RS) Analisar e reconhecer as relevantes contribuições culturais e religiosas dos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros para a história e a cultura.

(EM13CHSA507RS) Estudar e compreender como os paradoxos do secularismo e do fundamentalismo tensionam a negação do poder religioso e as formas autoritárias e impositivas de vivenciar valores.

(EM13CHSA508RS) Reconhecer o direito e a liberdade de crença como garantias de um Estado laico e de vivência dos direitos humanos

(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.

(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.

(EM13CHSA110RS) Elaborar, compreender e desenvolver argumentações com sentido para a dignidade humana e a justiça social a partir de diferentes concepções teóricas

 (EM13CHS501) Analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, tempos e espaços, identificando processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a cooperação, a autonomia, o empreendedorismo, a convivência democrática e a solidariedade.

FONTE: https://educacao.rs.gov.br/upload/arquivos/202111/24135335-referencial-curricular-gaucho-em.pdf

Autor: Nei Alberto Pies

Edição: Alex Rosset

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