Segundo vários analistas, estamos avançando a passos largos na era do antropoceno. É o ser humano no centro de sua autodestruição.
A água é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). Aos 0ºC, congela; aos 100ºC, entra em ebulição. Cada substância química tem seu próprio ponto de ebulição, em que passa do estado líquido para o gasoso. Esse fenômeno da natureza pode servir de metáfora elucidativa do contexto presente em que vive a humanidade. Tempos de profundas, intensas, extensas e complexas metamorfoses.
Conforme analisa o sociólogo Zygmunt Bauman, são marcadamente tempos líquidos e efêmeros. Tempus fugit e galopantes. E são também tempos em ebulição.
Mas, o que é o tempo? Para alguns, ele é o senhor da história. Para outros, é remédio. Outros ainda o tem como o melhor professor. Porém, ele flui independente da nossa teimosia, rebeldia ou reprovação. É implacável, indelével e irreversível.
Contra o tempo não adianta lutar, pois que a batalha está perdida já antes de começar. Com o tempo é melhor ir a favor. Usufruir do seu favor e do seu valor. Querer defini-lo é perda de tempo, até porque é melhor vivê-lo do que tentar definir o que nos define. Entretanto, é altamente necessário refletir sobre ele. Nisso os profetas e os poetas são especialistas.
No poema “O tempo”, Mário Quintana exprime com fineza a lógica temporal. Assim enuncia: “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal… Quando se vê, já terminou o ano… Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado… Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio…”.
Há o tempo cronológico, o psicológico e o ontológico; o tempo da feliz espera, o tempo do amor e o tempo da dor. Também o tempo da fusão e da ebulição. Já advertia o autor do livro do Eclesiastes (3,1-8) de que há tempo para tudo debaixo do céu. Todavia, em tempos como o nosso, parece prevalecer as situações de destruição. Muitas vezes tem-se a impressão de que “debaixo do céu” sobressai o purgatório com amostras vigorosas de inferno. Aquele de Dante e outros que são criados e mantidos pelos impulsos e instintos desumanos e desumanizadores.
Aqui e acolá, alguém adverte para não perder tempo. Para aproveitar bem a vida. Mas, em que consiste essa recomendação? Ela pode significar coisas bem distintas. Pode representar um estímulo ao fruir, ao consumir, ao tirar proveito prazeroso sem se importar com o sofrimento dos outros. Por outro lado, pode denotar atitude de cuidado a quem necessita, busca de crescimento na espiritualidade, no conhecimento, na solidariedade e no processo humanizatório.
Estamos dentro de uma “grande engrenagem”, condicionados por um tempo histórico e um espaço geográfico. Essa engrenagem, toda ela, está em pleno aquecimento. Não apenas em metamorfose, em rito veloz, mas também em efervescência.
Tal parábola pode aludir às questões ambientais, sociais, econômicas, políticas, culturais, religiosas, etc. Segundo vários analistas, estamos avançando a passos largos na era do antropoceno. É o ser humano no centro de sua autodestruição.
A termodinâmica não é suficiente para nos ajudar a entender a complexidade da ebulição societária e planetária que estamos experimentando. Necessário será o recurso da psicologia, da psicanálise, da psiquiatria, da teologia, da sociologia, da antropologia e de outras tantas ciências. Mas, não basta entender. É preciso agir. Quando a casa está queimando, não é suficiente identificar a causa. Será necessário utilizar com rapidez e de forma adequada os recursos para combater o incêndio. E por mais que se acelere a contenção do fogo, algum dano sempre haverá.
O globo aquece e a sociedade ferve. Nesse ambiente (chamado de meio), muitos sucumbem inteiramente. Quando não vêm a óbito, resultam marcados por sequelas. Não raro, são graves, vitalícias e irreparáveis. Ocorre que é tempo de fome, de agonia, de ódio, de violência, de pandemia, de múltiplas outras doenças; tempo de política malfadada e de necrófila economia. Tempo de corrosão das bases democráticas, dos princípios republicanos (res publica = coisa pública), de ataques à educação humanista e de degradação das belezas naturais.
E a 26ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP26) conseguirá chamar a atenção da humanidade para a gravidade do tempo presente?
O texto final da COP26, encerrada dia 13 de novembro, defende a redução gradativa do uso de combustíveis fósseis como forma de conter o avanço do aquecimento global. Embora os quase 200 países membros da ONU tenham assinado o documento, ele está longe de ser uma unanimidade. E entre a decisão e a concretização, geralmente há muita defasagem, muito faz de conta, muita insensibilidade com os danos impostos aos outros das presentes e das futuras gerações.
Em tempos de aquecimento e de ebulição, não há tempo a perder! O que, quem e como fazer?
Na abertura da COP26, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, reafirmou que “é hora de dizer chega. Chega de brutalizar a biodiversidade. Chega de matarmos com carbono. Chega de tratar a natureza como um banheiro. Chega de queimar, perfurar e minerar cada vez mais fundo. Estamos cavando nossas próprias covas”. Pensamento complementado por Boris Johnson, ministro da Inglaterra, ao afirmar que “quanto mais demorarmos para agir, pior fica” e, que, “se falharmos, não seremos perdoados”, especialmente pela própria natureza. Leia mais: https://www.neipies.com/crises-climaticas-e-educacao-ambiental/
O que para alguns simboliza a força do mercado financeiro, para outros é um símbolo da fome, da miséria e da exploração do trabalho.
Enquanto açougues vendem gordura e ossos de boi para consumo de famílias empobrecidas pela crise econômica do país, e pessoas são flagradas invadindo caçambas de lixo atrás de resto de comida, nesta semana, a Bolsa de Valores instalou a estátua do Touro de Ouro no Centro de São Paulo inspirada na Harging Bull, o touro de bronze no coração financeiro do mundo, Wall Street em Nova York. Um verdadeiro acinte à dignidade de milhões de brasileiros entregues à miséria.
O que para alguns simboliza a força do mercado financeiro, para outros é um símbolo da fome, da miséria e da exploração do trabalho.
O Harging Bull é o maior símbolo de poder da bolsa de valores de Wall Street e é uma das atrações gratuitas mais visitadas pelo turistas em Nova York. A escultura de bronze idealizada por Arturo di Modica tem se tornado no símbolo do capitalismo americano.
Muitos acreditam que esfregar a mão em seu chifre, focinho ou em seus testículos, atrai sorte, prosperidade e dinheiro. Turistas esperam horas em filhas gigantescas para tirar fotos agachados apalpando os testículos do touro. Crendices às parte, o fato é que, para quem conhece um pouco das Escrituras, é impossível não associar o símbolo do capitalismo com o bezerro de ouro confeccionado pelos hebreus enquanto esperavam por Moisés que se demorava no monte para receber das mãos de Deus as tábuas da Lei.
Seria o capitalismo uma espécie de ídolo moderno?
O momento político em que estamos vivendo tem o mérito de trazer de volta questões ideológicas para o centro das atenções, fomentando discussões acaloradas em torno de quais seriam as atribuições do Estado e os limites de sua atuação. Distinções antes consideradas superadas voltaram à cena. Termos que já não inspiravam qualquer ameaça são agora considerados abomináveis por alguns setores mais reacionários da sociedade.
“Esquerdopatas!”, grita um tele-pastor conhecido por suas posições anacrônicas. “Petralhas!”, “comunas!”, brada o pastor blogueiro. Como se não bastasse o uso de expressões chulas, tentam espiritualizar o debate, tratando seus oponentes como verdadeiros hereges.
De acordo com alguns cristãos conservadores identificados com a ala direita do espectro ideológico, os esquerdistas atribuiriam ao Estado papéis divinos. Em sua opinião, não competiria ao Estado prover educação, saúde, programas assistenciais, nem tampouco tentar regular a economia. Agindo assim, o Estado estaria usurpando o lugar de Deus.
Todavia, por trás deste discurso aparentemente piedoso se esconde motivações nada louváveis. Mesmo um conservador não cristão vai defender que não é justo usar seus impostos para socorrer os menos favorecidos. Já os do outro lado do espectro pensam de maneira inversa. Compete ao Estado diminuir a distância entre as classes, tirando das mais abastadas através de impostos, e provendo serviços que beneficiem a todos, sobretudo, aos mais necessitados.
Para o cristão de direita, o papel do Estado se limita ao que Paulo sucintamente apresenta em Romanos 13:
“Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal.” Romanos 13:3-4
Resumindo: Estabelecer a ordem, coibindo o avanço da maldade através do uso da lei e da força, julgando e punindo os criminosos. Isso justificaria forte investimento em segurança através do aparelhamento das forças armadas e das polícias. Um ambiente seguro garantiria um terreno fértil para o desenvolvimento de outras atividades e, consequentemente, a prosperidade da sociedade.
Se observarmos mais atentamente o texto, perceberemos que o papel do Estado vai além de garantir segurança aos seus cidadãos. Ele também deve ser ministro de Deus para a promoção do bem. Portanto, não basta coibir o mal, tem que promover o bem. E o que abrangeria este “bem”? Poderíamos incluir a saúde, a educação? E mais: o Estado deveria igualmente estimular a livre iniciativa que vise o bem comum? Creio que com base neste texto, a resposta é um sonoro sim.
Receber louvor do Estado nada mais é do que receber estímulo, incentivo, inclusive de ordem econômica. Estimula-se o desenvolvimento de uma sociedade provendo-lhe educação, qualificando profissionalmente os seus cidadãos, investindo em pesquisas. Estimula-se o progresso econômico através da desburocratização, e de incentivos fiscais, desonerando serviços essenciais à população, viabilizando o crédito, incentivando a produção.
Não se trata de atribuir ao Estado papéis divinos e sim de conferir-lhe o papel que as Escrituras lhe atribuem: ser ministro de Deus.
Lutero costumava dizer que Deus age no mundo através de dois braços, o Estado e a Igreja, a Lei e a Graça. Como promotor do bem comum, compete ao Estado contribuir na distribuição de renda. Jamais foi plano de Deus que as riquezas deste mundo fossem concentradas em poucas mãos. A justiça do reino de Deus se caracteriza, sobretudo, pela distribuição equitativa dos recursos. Por isso, Paulo nos fala de um Deus que espalha, dá aos pobres, de modo que, “a sua justiça permanece para sempre” (2 Coríntios 9:9).
Tanto a igreja, quanto o Estado têm a obrigação de ser agentes de Deus para espalhar, e não para concentrar. Não se trata de ser uma espécie de Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos pobres. A propriedade privada deve ser garantida. O primeiro a comer do fruto do seu trabalho é aquele que o produziu (confira 2 Tim.2:6). Todavia, ser o primeiro não significa ser o único. Paulo nos adverte a trabalhar, “fazendo com as mãos o que é bom”, para que tenhamos “o que repartir com o que tiver necessidade” (Efésios 4:28).
A diferença entre o Estado e a igreja é que o primeiro age por força da lei, enquanto a igreja promove o bem através da conscientização. O Estado não pode me obrigar a partilhar os meus bens com quem quer que seja. O que ele pode e deve é usar os meus impostos para beneficiar a todos, sobretudo aos mais necessitados. Porém, cabe à igreja conscientizar-nos da importância da partilha. Não uma partilha imposta por lei, mas voluntária, motivada pelo amor. O Estado coage pela força. A igreja constrange pelo amor. O Estado impõe. A igreja propõe. O Estado busca prevalecer-se. A igreja, compadecer-se.
A igreja primitiva serve-nos de modelo de uma sociedade justa. Somos informados que “era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns” (Atos 4:32). Consequentemente, “não havia, pois, entre eles necessitado algum” (v.34). Tudo era repartido entre eles. Não de maneira compulsória, mas por amor.
O Estado incentiva, a igreja motiva. O Estado distribuiu através de serviços pagos pelos impostos dos seus cidadãos, a igreja distribuiu através da partilha voluntária. O bem promovido pela igreja não se limita aos seus membros, ainda que estes lhe sejam prioridade. Paulo orienta a que “enquanto temos oportunidade, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6:10). Porém, há aqueles que, motivados por amor, invertem esta prioridade. João dá testemunho disso ao afirmar acerca daquele a quem sua terceira epístola era endereçada: “Amado, procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos, especialmente para com os estranhos, os quais diante da igreja testificaram do teu amor” (3 Jo 1:5-6). Sem importar se priorizaremos uns ou outros, o importante é que façamos o bem a todos. E fazer o bem implica repartir.
Nosso maior problema não é o Estado. Se fosse, Paulo teria dito que o amor ao Estado é a raiz de todos os males. Em vez disso, ele diz que o amor ao dinheiro é que é a raiz de todos os males. É o capital, tão defendido por eles, que promiscui o Estado.
Nem mesmo Jesus enxergava no Estado um rival a ser combatido. Pelo contrário, Ele diz que é possível ser fiel a Deus, e ainda assim, ser leal ao Estado. Basta dar a César o que é de César, porém, sem negar a Deus o que é de Deus. Não obstante, Jesus afirma que não se pode servir a Deus e ao dinheiro.
Na verdade, tanto o Estado quanto o Capital têm potencial de se tornarem ídolos. Mas deles, nenhum é tão voraz quanto o dinheiro. O amor a ele é a raiz da corrupção. Quando o Estado se torna na grande prostituta, o Capital é o seu cafetão.
Alguns alegam que o Estado não possui competência para atuar em certas áreas e que a prova disso seria o caos encontrado na saúde, na educação e em tantas outras áreas que deixam a desejar. Para estes, só haveria uma maneira de resolver o problema: privatização. Defendem, inclusive, que uma eventual privatização da Petrobrás, por exemplo, reduziria o preço do combustível. Interessante o argumento. Parece até que faz sentido. Porém, a experiência diz outra coisa. A telefonia foi privatizada e hoje pagamos mais pelo uso do celular que qualquer outro país do mundo.
O buraco é bem mais embaixo.
Qual a real razão de nossos hospitais e universidades públicas estarem sucateados? O que estaria por trás da educação de má qualidade?
Tomemos como exemplo o SUS (Sistema Único de Saúde), que poderia ser considerada uma das maiores conquistas da sociedade brasileira, que já rendeu elogios até de Barack Obama durante sua gestão como presidente dos EUA. O SUS foi criado para prestar atendimento universal e gratuito, sem distinção de classe ou categoria profissional.
Obviamente, não interessa aos gestores dos grandes planos de saúde que algo como o SUS garanta atendimento de qualidade a todos. Quem pagaria uma fortuna a Amil, podendo recorrer à saúde pública, caso esta oferecesse um serviço de qualidade? Nas últimas eleições, os planos de saúde distribuíram R$ 52 milhões em doações para 131 candidaturas de 23 partidos diferentes.
Na hora de votar o orçamento para a saúde pública, a bancada eleita pela máfia dos planos de saúde vai trabalhar arduamente para sabotar qualquer tentativa de melhorar os serviços. O mesmo ocorre com a educação. Colégios e Universidades privadas investiram milhões na eleição de representantes para sabotar o ensino público e assim garantir seus lucros galopantes.
Se quisermos, de fato, que o país mude de rumo, precisamos urgentemente de uma reforma política que inclui o financiamento público das campanhas políticas, acabando de vez com esta orgia que mistura interesses públicos e privados. Somente assim, voltaremos a ter esperança de que o Estado cumprirá cabalmente seu papel de promover o bem comum em vez de aprofundar o abismo entre classes.
Não há regimes ou ideologias perfeitas. Creio que todos estão preparando o caminho para a grande síntese, o reino de Deus. É por ele que a humanidade tanto anseia. Nele a justiça e a liberdade, tão caros à civilização, finalmente se entrelaçarão. E o cupido que promoverá este encontro épico será o amor.
“A gente tem que agir. Se a gente quiser ter alguma chance de não viver num planeta muito hostil para a nossa espécie e várias outras, a gente vai ter que se transformar em outro tipo de gente muito rapidamente” (Eliane Brum, jornalista e escritora).
O planeta caminha para um impacto “irreversível” sobre a humanidade. O aquecimento projetado, o estresse hídrico e os extremos climáticos aumentarão a variabilidade espacial e temporal na produção agrícola, exacerbando a insegurança alimentar regional e a desnutrição, crises humanitárias, tais como deslocamento e migração forçada e conflitos violentos poderão levar a pontos de rupturas sociais, advertem os estudiosos das condições climáticas.
O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em agosto 2021, bem como a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), que está ocorrendo em Glasgow, na Escócia, reafirmam que o impacto da ação humana sobre o meio natural está produzindo efeitos climáticos piores e mais velozes que se temia. A raiz do problema está nas ações causadas por nós: humanos. O total de objetos construídos pela humanidade já ultrapassou a massa total de todas as formas de vida na Terra.
Esta é uma das consequências do pensamento ocidental moderno mercantilista que nos vendeu a promessa de progresso por meio da ciência como conhecimento e domínio da natureza (Bacon, Descartes, Newton e outros). O resultado, imediatamente posterior, foi representado na revolução industrial e no desenvolvimento tecnológico que possibilitaram grandes transformações, mas, também, a exploração e destruição da natureza.
Transcorridos 200 anos, a conta chegou. Esse modelo de desenvolvimento coloca a vida humana no Planeta Terra em risco. O atual nível de aquecimento e os eventos climáticos em cursos colocam em risco nossa possibilidade de existir neste planeta.
Nas últimas décadas estudos, pesquisas, conferências mundiais, acordos diplomáticos, declarações, atos, protocolos, leis, 26 COPs e inúmeros compromissos foram firmados. Porém, continuamos ignorando a maioria das manifestações e intensificamos nosso modelo cultural consumista irresponsável.
“Nada é mais poderoso do que uma ideia cuja hora chegou” (Victor Hugo, dramaturgo e romancista francês)
Após mais de 60 anos alertando a humanidade que a crise ambiental colocaria nossa existência em risco o momento já chegou e, para alguns especialistas, já passou. Não temos mais tempo. Agora, é mudar nossa relação com a natureza ou perecer, pois não teremos mais condições de sobrevivência. Eventos climáticos e pandemias estão aí para quem quer ver.
Na abertura da COP26, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, reafirmou que “é hora de dizer chega. Chega de brutalizar a biodiversidade. Chega de matarmos com carbono. Chega de tratar a natureza como um banheiro. Chega de queimar, perfurar e minerar cada vez mais fundo. Estamos cavando nossas próprias covas”. Pensamento complementado por Boris Johnson, ministro da Inglaterra, ao afirmar que “quanto mais demorarmos para agir, pior fica” e, que, “se falharmos, não seremos perdoados”, especialmente pela própria natureza.
Já a jovem indígena, fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que pronunciou-se na abertura da COP26, criticou as “mentiras vazias e promessas falsas” comuns nestes temas. Defendeu que “se não houver proteção aos territórios e direitos indígenas, também não haverá solução para a crise climática, porque fazemos parte dessa solução. Precisamos salvar urgentemente nossos territórios para proteger as vidas dos povos indígenas e o futuro de nosso planeta”. E lembrou que “nunca alcançaremos justiça climática sem justiça social para os povos indígenas, que estão na linha de frente na luta das mudanças climáticas”.
Não sejamos seres ingênuos, nem hipócritas. A grande causa do colapso ambiental em curso é o capitalismo
Esse sistema econômico triunfou porque se mostrou, de todos, o mais capaz de acumular riqueza, de criar excedente e de se expandir. Mas, justamente porque prima por essas qualidades que o definem, esse sistema econômico é prisioneiro delas. Ele não tem liberdade de se autolimitar. Ele é incapaz de não destruir, em sua engrenagem acumulativa, a riqueza biológica de nosso planeta e os equilíbrios do sistema Terra, afirma Luiz Marques (UNICSMP), autor livro Capitalismo e Colapso Ambiental.
A verdadeira ameaça, mais que a continuidade da existência biológica do homem, é a existência do homem, a existência dessa grande criação que caminhou pari passu com a crescente destruição das condições que a tornaram possível. Aqui está, lembra Luiz Marques, o paradoxo da função do espírito no mundo: graças a ele, toda essa grande aventura da humanidade vale a pena, mas ao mesmo tempo o espírito destrói também as condições que permitem prosseguir essa aventura.
Neste cenário, cabe nos indagarmos: qual a função da Ciência, da Educação, da Universidade e da Escola?
Inicialmente, precisamos ter a capacidade de (re)pensar sobre nós mesmos para não corrermos o risco de sermos cúmplices e vítimas dos nossos próprios erros e omissões. Praticar o exercício pleno e coletivo da reflexão crítica e interdisciplinar de pesquisas e processos de ensino/aprendizagem é condição para nos reinventarmos e construirmos pontes de comunicação entre os diversos conhecimentos ancestrais, científicos, filosóficos e populares existentes em nosso meio.
As universidades e as escolas não são uma torre de marfim alheias às dinâmicas e contradições econômicas, sociais e ambientais. Ao contrário, instaura-se em seu meio o pensamento hegemônico que apela ao mito da liberdade individual, à mercantilização de todas as facetas da vida social, à racionalização meritocrática, à sucção e lapidação da práxis política, e ao esvaziamento do Estado, adverte o sociólogo e economista Isaac Enríquez Peres da Universidade Autônoma do México (Unam).
As instituições de ensino são atacadas, por fora, por poderes fáticos, sejam empresariais, clericais, governamentais e, até, criminais, que descarregam o implacável chicote do mercado e do consumismo, a idolatria do lucro e da austeridade fiscal. Por dentro, são atacadas pelas mesmas estruturas de poder e burocratismo parasitário que, também, reproduzem lógicas e práticas que a fazem involuir e se aniquilar. O desprezo para com o conhecimento e a diversidade se irradia de ambos os lados.
Porém, tanto os sistemas econômicos como os argumentos que os legitimam, são criações e concepções da própria cultura humana
A lógica econômica e a narrativa de um desenvolvimento científico e tecnológico dominador e explorador da natureza não é produção divina e, muito menos, natural e inevitável. Logo, a resistência e reversão destes processos compete a nós humanos, causadores de todos estes impactos.
Os conhecimentos acumulados de sabedoria dos povos ancestrais e a epistemologia das ciências ambientais constituem evidências suficientes e capazes para uma conscientização e formação de uma nova mentalidade das atuais e futuras gerações.
Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo ao Poder Público definir políticas; às instituições educativas, promover a educação ambiental (EA); aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente promover ações de EA integradas; aos meios de comunicação divulgar práticas educativas e, às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores.
Ou seja, conforme Lei Federal nº 9.795 de 1999, a educação ambiental é responsabilidade de todos
Uma ética da totalidade que considera que, ao maltratar o mundo, você está maltratando a si mesmo –, propondo, em lugar da conquista da natureza pelo homem, promover a libertação de ambos, é uma perspectiva espinosiana a perseguir. Nessa ética, ao demonstrar que Deus e Natureza constituem uma só coisa, Espinosa está afirmando que a Natureza é o ser fundante de todos os seres, é a substância que existe no interior de todos eles.
Então, cada realidade individual é uma manifestação deste Todo, que se individualiza e se concretiza em unidades autônomas, como os homens, os animais e o meio ambiente. Daí se deduz que todos os seres estão intimamente interligados, embora cada um mantenha sua dignidade de realidade singular na plenitude de sua especificidade. Isto significa que não é correto falar em supremacia do homem sobre o meio ambiente. Ambos constituem uma unidade, de forma que a saúde de um depende da do outro. E mais, “se uma parte do Todo se anulasse, tudo se aniquilaria”. Ou seja, ao destruirmos a natureza estamos nos destruindo.
E quem pode transformar as pessoas? A educação
Por esta razão, todas as instituição de ensino, da educação infantil à pós-graduação, precisam, emergencialmente, se transformarem em espaços integrais de educação ambiental sustentáveis. Uma educação ambiental permanente, não neutra, crítica, integradora, prática, transversal, inter e multidisciplinar, vivencial e com participação da sociedade e da comunidade.
Na natureza nada é em vão. É nosso dever proteger nosso patrimônio natural, pois a nação que destrói seu solo destrói a si mesma.
A maioria da população que mora em favelas ou periferias é formada por pessoas negras no Brasil. São essas pessoas as que realmente sofrem o racismo ambiental. Sabemos que apesar da escravidão ter acabado há algum tempo, muitos negros ainda sofrem com o racismo e não conseguem um bom emprego ou uma vaga numa universidade pública apesar das cotas. Tudo é muito difícil para a pessoa negra brasileira.
Segundo o escritor e filósofo Achille Mbembe “Viver sob a ocupação contemporânea é experimentar uma condição permanente de ‘viver na dor.’” Dor essa que as pessoas mais vulneráveis da sociedade brasileira sentem todas às vezes que têm os seus direitos suspensos ou usurpados pelo Estado. Dor essa que as pessoas mais vulneráveis sentem todas às vezes que perdem um parente para as mazelas do século passado que ainda hoje as atingem de uma forma intensa e acelerada.
Essas mazelas podem ser a escravidão, a fome, as doenças erradicadas há algum tempo e que vêm voltando, a falta de saneamento básico e as diversas formas de poluição que invadem as suas casas todos os dias, a todo instante.
Eu não sei se você já ouviu falar em racismo ambiental. Vou tentar explicar de uma forma simples. O termo foi empregado pela primeira vez por Benjamim Franklin Chavis, nos Estados Unidos. Chavis era químico, reverendo e liderança do movimento negro no país. Usou o termo em 1981, a partir de pesquisas e investigações apontarem que depósitos de resíduos tóxicos concentravam-se em áreas habitadas pela população negra norte-americana.
Como pode ser visto acima, racismo ambiental é tudo aquilo que envolve pessoas negras no que diz respeito a depósitos de resíduos tóxicos nos lugares onde moram, construção de indústrias poluentes próximas de moradias de pessoas negras, invasão por parte de construtoras nos lugares onde moram as pessoas negras, excluir pessoas negras dos debates ambientalistas, usar veneno e poluentes próximos de lugares onde moram pessoas negras. Mas não só negras, como veremos adiante, todas as pessoas em situação de vulnerabilidade.
Na verdade, o termo racismo ambiental está ligado ao termo racismo estrutural. É todo tipo de preconceito com as pessoas negras que as afastam e ameaçam as suas vidas sobre as questões ambientais. Temos no nosso país grandes desigualdades sociais, culturais e políticas. Ainda vemos pessoas serem escravizadas em algumas das nossas regiões e a fome nas comunidades de periferias tem crescido bastante nos últimos anos. Essas pessoas deveriam receber apoio das nossas autoridades para um viver melhor como também terem garantidos os seus direitos à saúde pública e gratuita como reza a nossa Constituição Federal de 1988. Mas, na prática não é isso que acontece. Tudo segue ao contrário.
Quando uma comunidade quilombola se vê rodeada por uma indústria que emite gases poluentes causadores das mais diversas doenças e as nossas autoridades fazem vista grossa pode ser chamado de racismo ambiental.
Temos no Brasil muitos quilombos onde as pessoas lutam todos os dias para viverem dignamente e terem os seus direitos garantidos, mas nesses lugares onde era para se viver com tranquilidade e saúde as indústrias e construtoras têm visto uma oportunidade de comprar terrenos mais baratos para construírem suas fábricas ou seus prédios enormes sem o mínimo de preocupação com as pessoas que moram próximas.
Nas comunidades mais carentes das cidades grandes falta de tudo um pouco. O saneamento básico não existe. Muitas vezes nos barracos de lona e papelão onde 10 a 15 pessoas dividem um pequeno espaço para dormirem não existe banheiro. Essas pessoas fazem as suas necessidades a céu aberto nos córregos que passam pelos locais onde moram poluindo assim os rios e a água que consomem.
As autoridades governamentais fingem que não veem essas coisas e seguem dizendo que estão fazendo o bem para todos. Que todos? Os pobres também não são os todos, senhores prefeitos e governadores?
Muitas pessoas criticam o termo “racismo ambiental” dizendo que ele não existe. O nosso próprio governo federal não o aceita. Outras pessoas dizem que ele poderia ser substituído por “injustiça social”. Sim, existem as duas coisas e elas andam de mãos dadas. Sendo a única diferença a de que o racismo ambiental acontece sempre com pessoas negras e com pessoas em situação de vulnerabilidade, caso dos indígenas também e não é difícil vê-lo nas mais diversas cidades do nosso país. Já a injustiça ambiental acontece com qualquer pessoa e não somente com as pessoas mais vulneráveis.
Quando falamos de racismo ambiental pensamos naquelas pessoas negras e pobres que não têm condições de viverem em lugares seguros e que ofereçam-lhes uma vida melhor.
A maioria da população que mora em favelas ou periferias é formada por pessoas negras no Brasil. São essas pessoas as que realmente sofrem o racismo ambiental. Sabemos que apesar da escravidão ter acabado há algum tempo, muitos negros ainda sofrem com o racismo e não conseguem um bom emprego ou uma vaga numa universidade pública apesar das cotas. Tudo é muito difícil para a pessoa negra brasileira.
Mas não é apenas o negro que entra no termo racismo ambiental. Todas as pessoas que vivem em situações de vulnerabilidades, expostas aos mais diversos problemas de desigualdades sociais, aquelas que não têm o que comer e não têm onde morar também sofrem racismo ambiental. Como exemplo podemos citar os nossos indígenas que aqui estavam antes mesmo de Cabral e sua frota invadir o Brasil e escravizá-los. Muitos empresários dizem que os nossos indígenas têm muita terra e que não fazem nada com ela. E assim vão tomando as terras daqueles que eram donos de tudo e foram roubados pelo homem europeu, seu colonizador.
Até hoje ainda tem gente que diz que há terra demais para pouco indígena. Isso é errado, fere a dignidade do povo indígena. Onde está a ética dessas pessoas? Os europeus chegaram, tomaram tudo, escravizam indígenas e negros. Brigaram pelo nosso território e seus conflitos mataram milhares de indígenas, violentaram, estupraram as nossas índias. A exploração das nossas riquezas naturais e do uso da terra dos nossos indígenas para a invasão e colonização foi uma forma de racismo ambiental da qual ainda precisamos discutir bastante.
O filósofo camaronense Achille Mbembe criou o termo Necropolítica que questiona os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. No Brasil, o termo tem sido bastante utilizado na questão da segurança pública, mas também podemos utilizá-lo no problema de racismo ambiental quando deixamos mineradores e empresários invadirem as terras dos nossos indígenas, queimarem e desmatarem as suas florestas e o que é pior escravizá-los em suas próprias terras.
Também podemos usar o termo necropolítica com o racismo ambiental quando vemos favelas sendo invadidas por milícias e policiais corruptos que ameaçam seus moradores para pagarem aluguéis mais caros, terem água encanada e até mesmo poderem viver ali com as garantias que eles lhes oferecem. O problema é mais sério do que pensamos.
O racismo ambiental se espalha nas ruas das periferias brasileiras e nas tribos indígenas. O desenvolvimento da economia agropecuária tem feito com que os agricultores usem inseticidas e venenos para matarem as pragas das plantações e com isso acabam intoxicando as pessoas que moram próximas dessas fazendas ou até mesmo as que trabalham para esses agricultores. O pequeno e quase sempre analfabeto trabalhador rural usa o veneno contra as pragas sem os devidos cuidados e proteção básicos e acaba adoecendo seriamente ao longo do tempo.
É importante falar de racismo ambiental às crianças para que desde pequeninas elas possam compreender o que é o racismo e que critiquem e não aceitem que seus pais ou responsáveis sejam racistas.
A criança não nasce racista e preconceituosa. Essas coisas vão sendo colocadas dentro dela ao longo da sua vivência com os adultos. Como eu sempre falo, a criança imita o adulto. Muitas vezes, brincando no parquinho uma criança negra com uma criança loura é rapidamente levada pelos seus pais daquele local e recebe o conselho de não brincar com pessoas daquela cor. A criança não sabe o motivo, mas atende a ordem recebida.
Nas escolas, os professores devem combater o racismo aproximando as crianças sejam negras ou brancas com brincadeiras coletivas onde possam juntas descobrirem as coisas lindas que o planeta Terra nos oferece. Brincar de ciranda para que as crianças possam dar as mãos unidas num só gesto de amor umas as outras e ao mundo também é importante.
As crianças também precisam entender na escola e em casa que existe o racismo, porém que ele deve ser combatido. Não devemos ter preconceito com as pessoas negras e nem pobres. Não devemos ter preconceito com as pessoas que se vestem diferentes de nós. As crianças precisam aprender o que é o mundo da diversidade. Depois de aprenderem todas essas coisas devem também conhecer o que é racismo ambiental e por que ele existe num lugar onde as pessoas dizem que todas somos iguais perante as leis.
Envolver as crianças em discussões sobre o racismo e o meio ambiente é importante. Falar sobre as desigualdades sociais, a pobreza, a fome e a violência nas periferias das grandes cidades se faz necessário. Deixar a criança expor o seu pensamento é um bom momento para que as outras possam opinar, também. Criar um ambiente onde cada criança tenha vez e voz de falar sem ter o seu pensamento interrompido por medo de críticas ou surpresas desagradáveis.
Todos somos responsáveis pela existência do racismo ambiental. Se cada um de nós procurasse nas nossas redes sociais uma vez ao dia escrever algo bonito e necessário às populações em situação de vulnerabilidade chamando as autoridades para combaterem conosco pelo fim dessas desigualdades e violências que tanto matam os nossos negros e indígenas todos os anos acredito que o mundo se tornaria melhor.
O local onde estamos vivendo pode ser confortável, contudo é impossível deitar a cabeça no travesseiro e dormir sabendo que milhares de negros estão morrendo de fome. Seja você um combatente contra o racismo ambiental.
A gente vê hoje um Estado que adota a política de morte, a política de inimizade, o uso ilegítimo da força, o extermínio. A divisão entre amigo e inimigo. É muito triste, porém é a nossa realidade. Um Estado que não se preocupa em proteger as pessoas negras e invade as favelas de forma errada e desconcertada sempre matando inocentes. Um Estado que libera o uso de agrotóxicos sem se preocupar em como isso poderá influenciar na nossa saúde daqui a alguns anos. E mais ainda, um Estado que não reconhece o racismo ambiental.
Nas escolas públicas das periferias falta de tudo um pouco, como também nos locais onde têm postos de saúde. As pessoas não recebem um bom atendimento, não tem medicamentos, não tem sequer esparadrapo para fazer um curativo. Bem capaz de sair do posto de saúde mais doente do que chegou. A água dos esgotos correndo pelas ruas das favelas e as crianças descalças brincando de barquinho naqueles locais. Os vírus e bactérias se proliferando nessas regiões contaminando e matando pessoas que não têm dinheiro para comprar comida imagine remédios. Isso é necropolítica. Isso é racismo ambiental.
São resíduos tóxicos hospitalares e de grandes indústrias que são despejados todos os dias nos bairros de periferias das nossas cidades onde moram centenas de crianças, idosos e pessoas gestantes negras. Ninguém se preocupa em combater a pobreza. Ninguém se preocupa com a saúde dessas pessoas. Parece até que se elas sumissem do mapa resolveria o problema das autoridades. Porém, elas não vão sumir. São milhares espalhadas por todos os lugares do país. E são elas que ajudam o Brasil a crescer com os seus trabalhos informais nas construções civis, principalmente.
A dona de casa negra e pobre que sai todos os dias para trabalhar na casa da patroa branca que manda ela jogar “fora” o celular quebrado e essa mulher leva para casa o aparelho para que a sua criança possa com ele brincar, sem saber que pode estar contaminando o seu filhinho ou filhinha com aquele brinquedo altamente tóxico. É o pai de família negro que explora a terra do seu irmão indígena mesmo sabendo que isso é errado, mas precisa garantir o pão da sua família. São pessoas vulneráveis explorando os seus próprios irmãos para sobreviverem. E o nosso governo federal ainda vai para televisão dizer que não existe racismo ambiental e que tudo vai bem no ministério do meio ambiente e dos direitos humanos.
Eu moro num bairro de periferia onde foi construída uma estação de tratamento de esgoto praticamente dentro do mangue. Depois de ser rejeitada por vários bairros. Aqui as pessoas sequer foram consultadas. O Estado chegou e construiu. Boa parte do mangue foi aterrada para essa construção. Alguns moradores tiveram as suas casas derrubadas sem indenização porque moravam em propriedade do Estado. Eram pessoas pobres e negras que não tinham onde morar e foram parar ali. É assim a vida. Ela dói sempre naquele mais fraco. E vai continuar doendo enquanto não fizermos nada pelos nossos irmãos.
O primeiro passo é cuidar para que as nossas crianças cresçam respeitando as pessoas em situação de vulnerabilidade, sem preconceitos e virtuosas. Acreditando que sempre é possível mudar o mundo para melhor mesmo que tudo fique de pernas para o ar.
O passo maior é erradicar a pobreza. E o grande passo necessário é acabarmos com o racismo num país onde a maioria da população é formada por pessoas negras.
Para finalizar deixo vocês com os belos versos do poema “Seus olhos” do poeta Gonçalves Dias que nos diz “Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, / De vivo fulgor; / Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, / Que falam de amores com tanta poesia, /. Com tanto pudor. Troquem a cor dos olhos azuis de Jesus Cristo pelos olhos negros de Luís Gama. Quando eu era criança, acreditava que Jesus Cristo nasceu na Belém brasileira. Continuemos acreditando nisso.
As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o equilíbrio do ser humano, harmonizar a emoção e a razão para evitar a permanência em uma única vertente da realidade. O sentimento e pensamento racional se complementam e apresentam resultados satisfatórios nas condutas humanas.
A inteligência geral humana, a nossa inteligência e a dos nossos alunos, têm várias dimensões que precisam ser acessadas e estimuladas para desenvolverem todo o seu potencial. Por muitos anos prevaleceu a ideia da unicidade da inteligência; ela seria exclusivamente intelectual, racional e essa abordagem permaneceu na área da educação no Século XIX e no Século XX.
Os educadores mais antigos lembram da aplicação dos testes de QI para medir a capacidade intelectual dos alunos. No Brasil, até pouco tempo, essa compreensão sobre a inteligência predominava. Paulo Freire traz esta questão na obra “Pedagogia do Oprimido” quando fala da educação bancária: abarrotava-se a mente(memória) do aluno com conteúdos – muitas vezes sem significado para eles – e depois ele era medido nas provas para verificar-se o que ficou depositado.
Lembro-me, como aluna do curso primário, que éramos submetidos a provas nacionais às quais todas as escolas do Brasil tinham que aplicar, e que chegavam lacradas e com ritual para abertura do pacote na frente da turma e com a presença de um fiscal. Através dessas avaliações, se classificavam o QI dos alunos.
Neste vídeo, faço uma abordagem das Competências socioemocionais e a minha experiência com relação à aplicação dos testes de QI. Assista:https://youtu.be/UZtetrhM36k?t=1144
Uma das questões que tive que resolver, no primeiro ano primário, era colocar a vela num desenho de um barco. Como boa gaúcha, e não nordestina, desenhei, bem feliz, uma vela de sebo para iluminação, inclusive caprichando no pavio e na chama. Estava eu completamente errada, segundo a avaliação, pois a vela a que se referiam era uma peça de barco à vela, coisa que não fazia parte do meu viver.
Viva Paulo Freire, que preconizava a importância do significado do conhecimento para o aluno!
Felizmente, as pesquisas sobre o cérebro humano e a inteligência avançaram nas últimas décadas do século passado e continuam trazendo novas informações que necessitam ser estudadas pelos educadores nas escolas. Em 1983, o psicólogo norteamericano Howard Gardner e equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard, após estudos de mais de trinta anos analisando os resultados da visão unicista da inteligência, concluíram que deveria haver outras formas de manifestação, diferente deste posicionamento, as inteligências múltiplas. Inicialmente relacionaram sete inteligências: Lógico-matemática, Linguística, Espacial, Musical, Corporal-cinestésica, interpessoal e Intrapessoal, logo depois acrescentaram a Naturalista e a Inteligência Existencial.
A partir destas pesquisas, passou-se a considerar que o ser humano, antes de tudo, é um feixe de emoções que o dirigem, o condicionam, elaboram programas para a sua estrutura psicológica e contribuem para a sua autorrealização.
As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o ser humano e não apenas as resultantes de sua racionalidade.
Em 1987, o psiquiatra norte-americano Robert Coles publicou o livro The Moral Intelligence of Children, resultado de pesquisa de três décadas onde ele destaca a diferença entre o caráter e o intelecto e a ascendência do primeiro sobre o segundo e sugere a adoção da didática do exemplo, centrada na educação moral de crianças e adolescentes.
O adulto é o modelo que vão imitar.
A educação da dimensão moral da inteligência tem como práticas eficazes o diálogo e o exemplo, a conversa livre, espontânea, sem imposições entre professor e aluno onde se expressa o afeto recíproco, sem censuras, com plena liberdade de expor opinião, de questionar e o bom exemplo ajudam a melhorar o relacionamento dos educandos no lar, na escola e na sociedade.
Nos deslizes morais, a tolerância deve ser zero por parte dos educadores.
Em 1995, o psicólogo Daniel Golemann, nos Estados Unidos, lança o livro Emotional Intelligence no qual evidencia que o QI, quociente da inteligência racional não era suficiente para garantir o sucesso de alguém em qualquer área da vida. Seria preciso desenvolver o QE (quociente emocional), que promove o melhoramento efetivo dos relacionamentos humanos em todos os grupos sociais, resolvendo conflitos pessoais, estimulando a fraternidade e a maior eficácia do processo de aprendizagem, introduzindo o fator afetividade sadia no relacionamento escolar.
As habilidades relacionais e emocionais são fundamentais para o equilíbrio do ser humano, harmonizar a emoção e a razão para evitar a permanência em uma única vertente da realidade. O sentimento e pensamento racional se complementam e apresentam resultados satisfatórios nas condutas humanas.
QS – Inteligência Espiritual No ano 2000, a psicóloga e filosofa Danah Zohar e o psicólogo Ian Marshall publicam o livro The Ultimate Intelligence, lançado no Brasil QS – Inteligência Espiritual, eles fundamentaram-se em suas pesquisas e observações diretas e nas pesquisas de eminentes neurologistas, localizando, no cérebro, o “módulo Deus” ou o DNA Divino o qual está relacionado com a busca do sentido de vida, ponto capital da inteligência espiritual.
Eles concluíram que o desenvolvimento das dimensões da inteligência racional (QI) e a emocional podem trazer crescimento e sucesso profissional, financeiro e social, mas não necessariamente paz interior e alegria. Preconizam que é preciso encontrar um sentido mais amplo e profundo para a vida, na forma de um propósito pessoal, robustecido por valores mais elevados, perceber que não se está sozinho no mundo, que pertencemos ao todo e isto desperta o espírito de cooperação que é a forma mais elevada da inteligência espiritual. Assim se conquista a habilidade para lidar com os problemas existências e encontrar o verdadeiro e mais profundo propósito da vida.
Para o desenvolvimento do QS deve-se estimular o autoquestionamento: Qual o meu propósito de vida? Estou sendo coerente com este propósito? Por que certas coisas me incomodam? Do que gosto em mim? Do que não gosto? Quais meus limites? Qual o futuro que desejo? E assim por diante. O objetivo é buscar encontrar o propósito da vida, considerar a dor, o sofrimento, as frustrações, como desafios existências. Enriquecer o espírito com novos conhecimentos, novos valores emergidos do âmago do ser, nos tornando mais flexíveis e holísticos.
No ano de 2003, nós erámos professora da Escola Estadual Tom Jobim, situada nas dependências da FASE (Fundação Socioeducativa de Porto Alegre), destinada a oferecer o ensino fundamental aos jovens de 12 aos 18 anos, em medida socioeducativa, com restrição de liberdade, com vistas à futura reinserção na sociedade. A escola atende todas as Unidades da FASE, inclusive a feminina. As salas de aula comportam, no máximo, 10 alunos, o professor e um monitor que fica de guarda na porta para garantir a segurança.
Dávamos aulas de História, Geografia e Ensino Religioso, experiência marcante onde tinha que empregar todos os meus conhecimentos de pedagogia e buscar novas informações para tornar as aulas atrativas e participativas. Apesar das dificuldades naturais, sempre me entrosava bem com os alunos e os monitores. Buscava analisar a situação de cada aluno para entender onde o lar, a escola e a sociedade haviam falhado no encaminhamento daquela pessoa, tão jovem, tornar-se transgressora da Lei e precisar sofrer medida socioeducativa.
Naquele ano, aceitamos o desafio proposto pela direção da escola, com o apoio da SEDUC, de darmos aulas de Inglês, já que tínhamos a formação legal, para turma de alunos que não poderiam se formar na educação fundamental porque faltava cumprir a carga horária da disciplina de Inglês, sendo que os cinco professores que a SEDUC tinha encaminhado desistiram de continuar dando aulas pela pressão dos alunos. Teríamos que recuperar a carga horária e trabalhar os conteúdos básicos da disciplina. Às pressas, analisamos os planejamentos anteriores e concluímos que seria inadequado seguirmos na mesma linha, com os mesmos livros didáticos que apresentavam a realidade norteamericana totalmente diferente da realidade dos nossos alunos.
Conforme Paulo Freire, esta não tinham significado para eles. Já havíamos entrado em contato com as pesquisas sobre a inteligência espiritual, de Danah Zohar e Ian Marshall e organizamos nosso planejamento nesta linha – a inteligência espiritual, como foco pedagógico, sem desmerecer as demais dimensões da inteligência dos meus futuros alunos. Na sala dos professores, quando veio a informação de que nós assumiríamos “aquela turma” houve gracejos jocosos dos colegas que sugeriram até que ensinássemos a assaltar em inglês e os alunos ficariam interessados nas aulas.
No primeiro contato com os alunos, eles me informaram que nós seríamos a sexta professora a ir embora. Conversamos e após colocamos no quadro a frase: God, help us. Pedi que copiassem a frase. Expliquei o significado de cada palavra e pedi para escreverem em português. Foi um impacto. Todas as aulas iniciavam com uma frase em inglês sobre Deus que eles tinham que traduzir para o português.
Não utilizei nenhum livro didático disponível. Todas as frases e textos em inglês que escolhemos para trabalhar em aula estimulavam a dimensão espiritual da inteligência, como o texto do Pai Nosso, em inglês para os alunos traduzirem para o português. Paralelamente, fomos desenvolvendo os conteúdos básicos da língua inglesa num clima de muita harmonia e participação em sala de aula, até os monitores faziam questão de ficar atentos na aula. Os alunos brigavam entre eles para assistir a aula, pois só era dez por vez.
Após um mês de trabalho intensivo, para surpresa de meus colegas professores, quando entrávamos na Unidade desta turma e os alunos já estavam na quadra central de esporte, jogando ou brincando nós erámos saudada: Good morning, teacher. Ho are you? Nice to see you.
O momento mais marcante desta experiência foi quando desenvolvemos a aula com o vocabulário sobre a família, seus membros e a construção de frases utilizando os verbos to be e to have, começamos a aula colocando o título; The Family, abaixo escrevemos: God is our father, we are all brothers. Fizemos juntos a tradução e fomos introduzindo todos os vocábulos referente ao assunto. Cada aluno formava suas frases referentes a sua família etc. depois apresentava ao grande grupo. Tudo com muito entusiasmo e participação espontânea.
No final da aula, todos saindo, fomos apagar o quadro, quando percebemos que um dos jovens ficou junto de nós, ele era considerado, devido suas atitudes, de grande periculosidade, o monitor fez menção de vir até nós, com a mão pedi que ele parasse e perguntei ao jovem: Meu filho, estás com alguma dúvida? Podes perguntar. Só então vi que ele estava em lágrimas, segurou me braço e disse: Professora, até agora eu nunca disse a palavra pai para ninguém e a senhora me disse que Deus é meu pai, eu tenho pai. Foi muito emocionante.
Para desespero do monitor, conversamos bastante, o jovem me contou sua vida, desde que o pai biológico não quis conhecê-lo até que ele já era pai de uma menininha linda… Explicou-me que agora se sentia feliz porque descobriu que era filho de Deus. Finda a recuperação da carga horária das aulas de inglês, todos foram aprovados e receberam o documento de conclusão do Ensino Fundamental. Graças a Deus!
Nós professores e professoras precisamos nos apropriar das novas descobertas das Neurociências e das ciências do comportamento humano com o objetivo de aprimorar o fazer pedagógico, tornando-o agradável para quem ensina e quem aprende, tornar a sala de aula um espaço dinâmico de relacionamentos harmônicos, onde todos tenham gosto de pertencer.
Muitas vezes, privilegiamos a estimulação só de uma ou outra dimensão da inteligência de nossos alunos, deixando as outras dimensões de lado. Precisamos perceber cada aluno como um ser único, excepcional, que traz insto, dentro de si uma abertura maior, um talento inato em uma ou mais dimensões da sua inteligência múltipla: tem mais afinidade com o raciocínio lógico-matemático, ou com a comunicação, expressão verbal, ou com a música e as demais artes, ou com a movimentação do corpo, ou com a espacialidade, é um verdadeiro GPS, ou tem facilidade em comunicar-se com todos, ou só consigo mesmo, ou tem forte ligação com as questões ambientais, ecológicas e transcendentais.
Através da observação, do diálogo, da participação em sala de aula, do conhecimento de seus dados pessoais, teremos condições de traçar o perfil de cada aluno. Temos que levar em conta que nós e nossos alunos temos a espiritualidade básica e possuímos qualidades humanas fundamentais, como bondade, compaixão, empatia, em maior ou menor grau, independente da religião que pertençamos.
Harold Koenig, professor de Psiquiatria e Comportamento Humano da Duke University, alerta que a espiritualidade está baseada na busca de cada pessoa do significado e propósito definitivos da vida, é uma força propulsora na busca desse sentido e dos mistérios do transcendente. Consideramos que o momento inicial da aula deve provocar um impacto nos alunos, ser estimulante, provocativo: uma prece, uma música, um pequeno texto edificante, ou frase, uma dramatização, uma notícia desafiante, um exercício respiratório, um relaxamento conduzido, uma meditação…
Olhos, ouvidos, cérebro e coração vão ficar ligados na figura do(a) professor(a). Educar é uma Arte!
No desenvolvimento das habilidades socioemocionais, destaca-se que o educando não domine apenas o conhecimento cognitivo, tradicional, mas que saiba a importância do controle das emoções, da empatia, das relações sociais e da tomada responsável das decisões. Recursos pedagógicos: diálogo, conversa, trabalho colaborativo, elaboração de projetos em conjunto a partir de uma problematização. Assuntos como igualdade, diferenças, ajudam a que se reconheça e respeite o outro e verbalize sentimentos e intenções de si e dos outros. Exercitar a arte da convivência: ouvir e aceitar o outro como ele é. Leia mais: https://www.neipies.com/o-ensino-religioso-e-habilidades-socioemocionais/
Autora: Gladis Pedersen de Oliveira
Referências bibliográficas:
Amui, A.B.F. – Princípios que fundamentam a educação do espírito. Ed. Esperança e Caridade – Sacramento MG 2015
Durgante, C.E.A. – Fé na Ciência Mira Ed. Porto Alegre RS 2013
Frankl, V.E. – Em Busca de um Sentido Ed. Vozes RJ 2010
Koenig, H.G. – Medicina e Saúde – O encontro da Ciência com a Espiritualidade LPM ed. Porto Alegre 2005
Franco, Divaldo P. – Triunfo Pessoal Ed Leal Salvador BA 2002 ——-Vida, Desafios e Soluções Ed Leal Salvador BA 1998
Oliveira, G.P. – Educação, a Arte de Manejar o Caráter Ed. Olsen POA RS 2017
Rodrigues, M. – Educação Emocional Positiva – Sinopsys, Ed.2015
Evento contou com a apresentação de 18 curtas-metragens e participação de 113 estudantes do ensino médio
A sexta-feira, 5 de novembro de 2021, foi marcada pelo retorno de um tradicional evento do Centro de Ensino Médio Integrado da Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF): o Festival de Cinema Integrado UPF. A 13ª edição da atividade apresentou e premiou as produções audiovisuais produzidas por estudantes do segundo ano do ensino médio a partir de obras da literatura brasileira e estrangeira.
Devido ao contexto da pandemia de Covid-19, no ano passado não houve a realização do evento. Este ano, as atividades foram retomadas cumprindo todos os protocolos sanitários. O XIII Festival de Cinema Integrado UPF foi realizado no Centro de Eventos da UPF e reuniu apenas os estudantes, seus pais e a equipe do Integrado UPF. A premiação também foi transmitida pelo canal da UPF Online no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=bx9LeZNaA3E).
O evento contou com a produção de 18 curtas-metragens e a participação de 113 estudantes de três turmas do segundo ano do ensino médio. Para cumprir com os protocolos de segurança, a idealizadora do Festival de Cinema, professora Dra. Nara Marley Alessio, destaca que as gravações foram feitas somente dentro do Campus da Universidade de Passo Fundo (UPF), com número reduzido de integrantes no grupo e dentro do horário escolar, acompanhados por supervisão da escola. “Várias unidades acadêmicas nos ajudaram, abrindo suas portas para acolher os artistas. Essa parceria foi muito importante”, pontua.
O Festival é desenvolvido pela área das linguagens, composta pelas disciplinas de Educação Física, Redação, Literatura, Língua Portuguesa, Programação de Computadores, Língua Estrangeira – Inglês e Espanhol e visa incentivar a leitura, a apreciação de obras da literatura e potencializar os talentos criativos dos estudantes. “O Festival visa encantar e despertar em nossos alunos o desejo pela leitura. Além disso, é uma forma de promover a formação de sujeitos que possam compreender o mundo e nele atuar com espírito crítico e criativo”, afirma o diretor do Integrado, Me. Jonir Dalbosco.
As obras literárias foram lidas, selecionadas, adaptadas e gravadas em uma produção integralmente realizada pelos estudantes do segundo ano, com edição final realizada nos laboratórios da Faculdade de Artes e Comunicação (FAC), tornando-se curtas de dois minutos e meio. As produções foram avaliadas por uma comissão julgadora formada por artistas e profissionais das áreas de Letras, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Cinema e Artes.
Ao final do evento, três estudantes subiram ao palco e fizeram uma homenagem à professora Nara, em nome de todos os alunos do segundo ano.
Transcrevemos breve manifestação da professora Profa Dra Nara Marley Alessio Rubert sobre a importância da realização do Festival de Cinema no Integrado UPF.
“A primeira e maior justificativa da implantação do Projeto Festival de Cinema é a importância inegável da leitura de textos literários e o reconhecimento de que, no dizer de Antônio Cândido – em seu O direito à literatura, “a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (1995), assim como o entendimento de que a escola tem o papel de mediação deste relacionamento: leitura clássica X jovem estudante.
Considerando que o jovem estudante de Ensino Médio tem apelos múltiplos para seu entretenimento, informação e busca de conhecimento, e também que os recursos apresentados à geração internauta mudam velozmente, o cenário em que surge o Festival de Cinema é o do papel que todo professor de literatura tem de desempenhar: oferecer caminhos para a aproximação dos jovens com os escritores da literatura clássica, encontrar meios para atrair aqueles nomes que, há 100 anos, atraíam o leitor apenas pela tradição.
O Festival não é meramente um projeto que articula o uso do cinema nas aulas; nele o estudante é sujeito de todo o processo, inclusive quando o material, por ele produzido, é utilizado como conteúdo didático-ilustrativo em aulas formais. Neste projeto o discente lê, interpreta, adapta, resenha, encena, filma, edita e faz o material que, a posteriori, até pode ser usado como conteúdo para se ‘ver’ o cinema;
Nesta ação, interação e criação cooperativa que o Festival representa há sempre a busca de equilíbrio entre as atividades com talentos diferentes; o trabalho em grupo propicia isso. Aprende aquele que tem afinidade com o social, aprende o que prefere executar tarefas sozinho. Os protagonistas de projetos como esse, que hoje estão dentro da escola, são os formadores da sociedade que carece exatamente dessa busca – do equilíbrio e valorização de talentos múltiplos”.
Confira os resultados do XIII Festival de Cinema Integrado UPF: – Melhor filme: curta “The bet”, baseado no conto de Anton Chekhov – Melhor atriz: Laura Maldonado, do curta “A mulher do farmacêutico”, baseado no conto de Anton Tchechov – Melhor ator: Eduardo do Amaral, do curta “Natal no Ônibus”, baseado no conto “Natal na barca” de Lygia Fagundes Telles – Melhor atriz coadjuvante: Maria Júlia da Silva, do curta “O cego estrelinho”, baseado no conto de Mia Couto – Melhor ator coadjuvante: Arthur de Domenico, do curta The Bet, baseado no conto de Anton Chekhov – Melhor direção: Bruna Ianiski, do curta “A Caçada”, baseado no conto de Lygia Fagundes Telles – Melhor sonoplastia: curta “The masque of the red death”, baseado no conto de Edgar Allan Poe – Melhor direção de arte: curta “A mão no ombro”, baseado no conto de Lygia Fagundes Telles – Melhor resenha: Augusto Both, do curta “The Bet”, baseado no conto de Anton Chekhov – Melhor cartaz: curta “A igreja do Diabo”, baseado no conto de Machado de Assis – Melhor roteiro: curta “A morte do leiteiro”, baseado no poema de Carlos Drummond de Andrade – Troféu Solidariedade – referente à arrecadação de alimentos para as 68 famílias cooperadas da Recibela, cooperativa de reciclagem do Parque Bela Vista: curta “A Girl Named John”, baseado no conto “A Boy Named Sue”, de Shel Silverstein
O curta “The bet”, baseado no conto de Anton Chekhov, foi o vencedor na categoria melhor filme. Segue link:https://youtu.be/bx9LeZNaA3E?t=5643
Para Collins, a ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza. As ferramentas científicas, quando utilizadas corretamente, são fantásticas para gerar profundos discernimentos na existência material. Porém, a ciência é incapaz de responder questões mais profundas, tais como: Por que o universo existe? Qual o sentido da existência humana? O que acontece após a morte?
O conflito entre fé e ciência é uma das grandes questões que perpassa a história do pensamento ocidental. Desde a modernidade, quando houve a separação entre as questões religiosas e as questões da ciência, esse problema tem acompanhado diversas gerações e provocado calorosos debates. Muitos escritos foram produzidos na tentativa de dar respostas as inquietantes indagações que surgem dessa tensão entre as razões da crença e a crença na razão.
Como a ciência é movida pela dúvida e pela razão, enquanto que quem alimenta a fé é a crença e o espírito, tornou-se frequente a ideia de que os cientistas costumam ser descrentes e de que as “verdades” da ciência não se conjugam com as “verdades” da fé.
Entre os diversos livros que abordam a temática, a presente resenha irá se ocupar do livro A linguagem de Deus de Francis Collins. Diretor do Projeto Genoma e considerado um dos cientistas mais respeitados da atualidade, o biólogo americano Francis Collins foi ateu convicto até os 27 anos. A partir da própria experiência pessoal ao cursar medicina e testemunhar o verdadeiro poder da fé religiosa entre seus pacientes, mudou sua visão de mundo e passou a se considerar um cientista religioso.A linguagem de Deus é uma descrição de como ele deixou de ser ateu, uma narração das dificuldades que encontrou nos meios acadêmicos quando passou a confessar sua crença e a apresentação de evidências de que a ciência e a religiosidade devem caminhar juntas em prol da humanidade.
Na belíssima e esclarecedora introdução, Collins apresenta a questão central que perpassa todo o livro: “Nesta era moderna de cosmologia, evolução e genoma humano, será que ainda existe a possibilidade de harmonia satisfatória entre as visões de mundo científica e espiritual?”. Collins está convicto que sim, pois para ele não há conflito entre esses dois domínios. O domínio da ciência está em explorar a natureza. O domínio de Deus encontra-se no mundo espiritual, um campo que não é possível esquadrinhar com os instrumentos da linguagem da ciência. Por isso deve ser examinado com o coração, com a mente e com a alma – e estas devem encontrar uma forma de abarcar ambos os campos.
Para Collins, a ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza. As ferramentas científicas, quando utilizadas corretamente, são fantásticas para gerar profundos discernimentos na existência material. Porém, a ciência é incapaz de responder questões mais profundas, tais como: Por que o universo existe? Qual o sentido da existência humana? O que acontece após a morte? Por isso sua intenção com A linguagem de Deus é explorar uma integração sóbria e intelectualmente honesta entre a visão científica e a visão espiritual.
Não é possível no espaço deste breve ensaio descrever e analisar os argumentos de Collins desenvolvidos nas 279 páginas que compõe o livro. No entanto, para nossa reflexão, gostaria de destacar uma advertência ele faz para os que acreditam em Deus e para os cientistas.
Para os primeiros ele diz: “Se Deus é criador de todo o universo, se Deus tem um plano específico para a entrada da humanidade em cena e se Ele deseja uma afinidade com os humanos, nos quais injetou a Lei Moral para que se aproximassem Dele, Deus não pode ser ameaçado pela nossa mente minúscula e seus esforços por compreender a magnitude de Sua criação”.
E para os cientistas ele adverte: “Se você é daqueles que acreditam nos métodos da ciência, mas permanecem céticos em relação à fé, este seria um bom momento para se perguntar que obstáculos estão em seu caminho na busca de uma harmonia entre essas duas visões de mundo”.
Com isso Collins quer demonstrar que a ciência não é ameaçada por Deus; ela é aprimorada. Da mesma forma Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. E compreendendo dessa forma que poderemos juntos, recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. Certamente um bom tema de reflexão educacional que precisa ser enfrentado no fazer pedagógico de todos os que se comprometem em tornar o espaço escolar um processo de formação cidadã.
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero
Curso de Filosofia e do Mestrado e Doutorado em Educação da UPF
Lula continua sendo a grande pedra no meio do caminho de Bolsonaro e que ele tem tentado levá-la até o topo do monte assim como fez Sísifo no mito grego, mas parece estar cansado. E se continuar como Sísifo nunca chegará ao topo do monte nem ele e nem a pedra.
O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu uns versos maravilhosos que nos diz “No meio do caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / Tinha uma pedra / No meio do caminho tinha uma pedra” e todos nós temos um caminho a seguir que vez em quando nos deparamos com uma pedra metafórica como forma de obstáculo para a realização dos nossos sonhos e desejos. Assim é que Lula aparece no meio do caminho de Bolsonaro, como uma pedra, uma grande pedra que dispara nas pesquisas em primeiro lugar e vai assustando onosso presidente. Será que ele vai conseguir tirar essa pedra do seu caminho?
Como todos sabem, Lula foi culpado e condenado por corrupção pelo Juiz Sérgio Moro que na época estava à frente das investigações da operação da Lava Jato junto com a Polícia Federal. Essa operação começou em 2014 e prendeu muitos políticos e empresários acusados de corrupção. Lula foi julgado e condenado por vários crimes e ficou preso por mais de 500 dias na sede da Polícia Federal na cidade de Curitiba no estado do Paraná. Mas, sempre disse ser inocente e estar sendo vítima de perseguição. Em 2019, Lula foi solto e teve a condenação de vários dos crimes dos quais foi acusado anulados pelo Supremo Tribunal Federal – STF.
Lulinha paz e amor está de volta e cheio de vontade de voltar a ser presidente novamente. Bolsonaro que se cuide! O caminho estava livre para ele, mas de repente eis que Lula aparece como uma pedra no meio do caminho e atrapalha tudo. Até o presente momento ele pode ser candidato as eleições de 2022. Nada o impede de fazer isso. E acho até mesmo que não há nome melhor no PT do que o próprio Lula. Concordemos.
Bolsonaro diz-se não preocupado. Será mesmo? Tenho cá as minhas dúvidas. A sua rejeição só cresce a cada pesquisa. Até mesmo entre os evangélicos onde despontava como o candidato favorito as eleições de 2022. O povo começa a abrir a cabeça sobre as irresponsabilidades do nosso presidente e a sua grosseria para com os jornalistas e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Sem se preocupar com o que aconteceria no Brasil, com a chegada da pandemia, fez propaganda de medicamento que não curava a Covid-19 levando muitos brasileiros à morte. Fez e continua a fazer pouco caso da vacina. Chegando a dizer que ela transmite o vírus HIV. Com isso, o Brasil está num número absurdo de mais de 600.000 mortos por Covid-19. Os números têm caído porque governadores e prefeitos não têm dado ouvidos a Bolsonaro, mas ainda assim continuam altos. E o povo sofrendo de todos os lados.
É um governo altamente despreparado. Dá pouco valor as questões ambientais e quando fala só diz tolices. Enquanto outros países preocupam-se em salvar a Amazônia ele protege um ex-ministro investigado pela Polícia Federal. E se alguém sabe fazer algo neste país em termos de proteção é Bolsonaro que consegue proteger todos os seus aliados. Parece que Bolsonaro tem medo da sua própria sombra e quando quer agredir alguém não mede esforços para isso.
O corte de verbas das instituições federais que tanto pesquisam em prol da ciência brasileira é uma irresponsabilidade enorme no meio da pandemia. Essas instituições já mostraram que são imprescindíveis para o bom funcionamento dos serviços de saúde no nosso país. Algumas universidades estão ameaçadas de fecharem as suas portas daqui há alguns meses. Isso é uma vergonha!
O preço da gasolina sobe todos os dias e da conta de luz assustam o brasileiro. A gente vai no supermercado hoje e compra 1kg de feijão por um preço. No outro dia já compra por outro. O pobre não pode mais comer um pedaço de carne e a mistura no seu prato é um ovo cozido. Está tudo muito caro no Brasil. Antes o pobre podia sonhar em viajar de avião, hoje nem sonho tem mais.
Em meio a tudo isso aparece Lula como uma luz no fim do túnel. E ele veio cheio de vontade de mostrar a Bolsonaro que ainda é querido e amado pelo Brasil afora. As pesquisas apontam Lula como favorito para as eleições de 2022. Se cuida, Bolsonaro. Se tudo seguir como está e o Lula continuar livre para ser candidato no ano que vem muita coisa vai mudar. Com Lula na disputa das próximas eleições presidenciais muita gente está assustada.
Lula volta ao cenário político num momento em que o Brasil passa por sérios problemas econômicos, financeiros e de saúde pública. A inflação tem crescido a cada dia, as pessoas estão desempregadas e com fome, o PIB não consegue chegar ao esperado pelo ministro da economia e a covid-19 continua a assustar as autoridades estaduais com as suas variantes. Com isso, Lula vai fortalecendo o seu discurso de salvar o país e criando as suas bases políticas em viagens pelo Brasil.
Mas, não é só Bolsonaro que anda assustado com a sombra de Lula no meio do seu caminho. O PSDB procura um candidato que assuste Lula e Bolsonaro, mas não encontra. O Dória tem demonstrado pouca popularidade entre os brasileiros apesar de ser chamado de “pai da vacina”. A terceira via para as eleições presidenciais está difícil de ser encontrada.
A disputa boa se tudo der certo vai ficar entre Lula e Bolsonaro. Mesmo com Bolsonaro a dizer que vive sendo perseguido por todos e que ninguém o deixa trabalhar pelo Brasil. O cercadinho onde ele só diz besteiras pode estar perto de acabar se as coisas continuarem assim. É preciso agir, Bolsonaro!
O Brasil está doente e não é de Covid-19. Estamos doentes das mazelas que pareciam ter sido curadas em tempos passados e, de repente, voltaram mais resistentes ainda a luta do pobre trabalhador brasileiro que se acorda todos os dias de madrugada para ir procurar trabalho e volta para casa sem nada no fim do dia.
Este cenário brasileiro é propício para Lula ganhar a sua eleição. Não há candidato que o supere. Só se alguém tiver um coelho escondido numa cartola e estiver deixando para tirá-lo em meados do próximo ano.
Por enquanto Lula continua sendo a grande pedra no meio do caminho de Bolsonaro e que ele tem tentado levá-la até o topo do monte assim como fez Sísifo no mito grego, mas parece estar cansado. E se continuar como Sísifo nunca chegará ao topo do monte nem ele e nem a pedra. A terceira via, talvez, pode ser uma surpresa para todos nós.
O Papa Francisco representa a Igreja dos pobres. Igreja que à riqueza e ao luxo, aos títulos e à pompa, à solenidade e ao ritualismo estéril, dá preferência a uma sincera simplicidade.
Uma igreja que se comunica com o povo e com o mundo não numa linguagem acadêmica, sofisticada, hermética e desconhecida, mas com gestos, palavras e parábolas populares e acessíveis ao mais simples dos mortais. Por isso mesmo, confere novo sabor e novo tempero à Palavra de Deus e à Boa Nova de Jesus Cristo. A palavra deixa as estantes cheias de pó e se transforma verdadeiramente em “Evangelho = Boa Notícia”. O Verbo se faz carne viva e amiga, presença ativa e sadia, olhar e sorriso que penetram e amam, consolam e reavivam, abençoam e trazem esperança.
Assim fez o pobre de Assis. Sua pobreza e sua nudez, como as de Jesus de Nazaré, interpelam as vestimentas bordadas a ouro e prata de tantos sacerdotes, templos e religiões. Sua acolhida aos leprosos e abandonados, como a do profeta itinerante do Evangelho, questiona a insistência na construção de fortalezas e palácios inacessíveis. Sua mensagem lúcida e límpida, vibrante e alegre, como as imagens do Reino, se revestem de beleza e poesia sem par. Água cristalina diante da sede crescente de encontro com o outro e com o totalmente Outro.
No momento em que boa parte da Igreja insistia em aliar-se ao poder temporal, desfrutando de seus benesses, Francisco surge como um pobre servidor, lembrando o gesto do lava-pés na última ceia, seguido da oração sacerdotal. Quando trono e altar pareciam dar-se as mãos, através da espada e da cruz, Francisco canta e louva o Criador na singeleza dos pássaros e das flores, dos astros e das águas, das árvores e dos frutos, a exemplo do homem de Nazaré.
Contemporâneo de uma Igreja que combate furiosamente os infiéis e os hereges, Francisco chama a todos e a tudo de irmão e irmã, seguindo o Mestre que prega o amor aos inimigos. Enquanto os tribunais eclesiásticos acendem fogueiras para queimar os pecadores e hereges, em boa parte mulheres, o pobre de Assis lhes vai ao encontro, consciente de que Jesus oferece o perdão a todas as Marias e Madalenas, Josés, Pedros e Antonios arrependidos. Numa época onde predominava o obscurantismo, o medo e o pecado, Francisco renova sobre a sociedade medieval o olhar terno, puro e doce do Filho de Deus.
Tempos difíceis, em que a própria Igreja se envolve em conflitos e guerras, Francisco se faz instrumento da paz, com os olhos fixos na palavras da Sagrada Escritura. Quando as trevas do ódio parecem tomar conta dos corações e das almas, o pobre de Assis se faz poeta e mensageiro da luz do amor. E se acaso e escuridão e o desespero cobriam a luz do sol e o azul do céu com nuvem sombria e ameaçadora, Francisco era o porta voz da fé e da esperança renovadas. Andarilho da palavra e do gesto, nutria os corpos encurvados, os espíritos abatidos e os corações desesperançados.
Um filho da burguesia nascente que, com ousadia, coragem e profetismo, deixa a própria casa e os familiares para lançar-se nas pegadas de Jesus, e consequentemente, no caminho tortuoso dos pobres e excluídos, dos migrantes e refugiados, dos invisíveis e descartáveis. Ousadia que traz sérias interrogações a quem, nos dias de atuais e mesmo dentro da Igreja e/ou dos Institutos e Movimentos Religiosos, segue exatamente o caminho inverso. Coragem que desafia um retorno às fontes genuinamente evangélicas, numa verdadeira “fidelidade criativa”, a qual, em lugar de uma mera imitação, busca recriar diante dos desafios de hoje a Boa Nova do Mestre. Profetismo para resgatar e reavivar a “opção evangélica pelos pobres” no contexto da economia globalizada que, a um tempo, concentra e descarta, exclui e mata, produzindo contemporaneamente riqueza e miséria, ostentação e fome, mansões e casebres.
Do nascer ao morrer, o ser humano é um feixe de possibilidades. Umas advindas de condicionamentos e de imposições, outras de desejos, necessidades ou livres decisões.
O que é o ser humano? A pergunta é súbita e direta. Sua resposta pode ser precisa ou imprecisa, simples ou complexa, abstrata ou concreta, individual ou coletiva. Tudo a um só tempo, a qualquer tempo, desde todos os tempos. Questão que não se satisfaz com resposta do tipo “isso” ou “aquilo”, como dissera Cecília Meireles na poesia intitulada “Ou isso ou aquilo”. Nela, a poetisa afirma: “Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva! […] Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo. Mas, não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo”.
Na realidade, entre a chuva e o sol há também o tempo nublado, o vendaval e a tempestade; a noite escura, a noite enluarada, o entardecer, o alvorecer e outras situações mais. Além de brincar e correr, também pode-se estender a mão a quem precisa e ajudar a viver. Pode-se visitar um cemitério e sentar-se para refletir. Indagar-se, por exemplo, sobre o ser e o não-ser do ser humano.
Na afirmação de Paulo Freire, “o mundo não é, o mundo está sendo”. Do mesmo modo, o ser humano não é. Ele está permanentemente sendo. E sempre está diante de si a possibilidade de ser mais ou ser menos.
O ser mais diz respeito à vocação humana por excelência que é, precisamente, a da humanização. Por outro lado, é possível impor-se a si próprio ou a outros o ser menos, que consiste na desumanização, ou seja, na diminuição do sentido, do valor e do respeito à humanidade. Assim, “a desumanização, que não se verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais” (FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 13 ed., Paz e Terra, 1983, p. 30).
Do nascer ao morrer, o ser humano é um feixe de possibilidades. Umas advindas de condicionamentos e de imposições, outras de desejos, necessidades ou livres decisões. Embora todos os seres humanos nasçam “livres e iguais em dignidade e direitos”, conforme assegura o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitas vezes a liberdade não se viabiliza no mundo ultraliberal, antidemocrático, opressor e produtor de exclusão e de morte.
No contexto atual, muitos seres humanos são negados de ser e privados de ser mais. No dizer de Freire (1983, p. 31), são literalmente “demitidos da vida”. Ou, como analisou o psiquiatra e filósofo Frantz Fanon (1925 – 1961), são “condenados da terra”. A subtração das condições da possibilidade de muitos viverem com dignidade é a demonstração de perversidade de quem se desumanizou. A negação do direito de humanidade de uns sobre outros é a própria decadência e falência do ser humano enquanto tal.
Experimentamos tempos tenebrosos em que a negação da vida e a produção da morte sobrevieram por atacado, sem deixar de acontecer no varejo.
A morte está em contínuo processo dentro e fora de nós, podendo ser acelerada e agravada ou, de outra parte, retardada e suavizada. Ela é devir acontecendo e fato que se consuma no tempo que se escoa em todos os viventes.
Morremos aos poucos até acabar de morrer. Mas, isso é só uma face do mesmo ser que pode nascer e renascer todos os momentos até acabar de desabrochar para um pleno viver.
Enquanto decorrem os dias que conduzem ao dia derradeiro, é altamente importante e recomendável buscar diariamente ser mais e melhor. Essa meta não se confunde com o ter mais, objetivo principal do sistema de capital e da sociedade de consumo. Para ser mais, só há um caminho: o da humanização de si e dos outros. Só é possível alcançá-la quando este for o sentido último da nossa vida e quando a nossa vida também for colocada a serviço da promoção da vida dos últimos!
“Nascemos suficientemente velhos para morrer e abundantemente novos para viver. Somos constituídos como seres de mil e uma possibilidades. Vivemos em contextos com um milhão de influências. Morremos todos os dias um pouco e uma vez como derradeira por milhões de motivos”. Leia mais:https://www.neipies.com/o-ser-a-morte-e-a-vida/