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Os efeitos da poluição sonora na saúde das crianças

Eu fico me questionando como se sentem os bebês e as criancinhas. Se nós, adultos, nos sentimos perturbados com o barulho de uma música horrível, imagine esses seres tão pequeninos e que tanto precisam de cuidados.

Para começarmos bem um texto, que também pode ser lido como um poema às crianças, precisamos iniciar com alguns versos que introduzam o nosso pensamento e aqui eu trago Pedro Diniz, poeta português nascido em 1839, que diz “Palram pega e papagaio / E cacareja a galinha; / Os ternos pombos arrulham; / Geme a rola inocentinha.”

Pelos versos do nosso nobre poeta já deu para perceber que vamos falar de sons, mais precisamente desses sons do século XXI que muitas vezes nos nina e noutras nos incomoda a ponto de gritarmos por silêncio. E por falarmos em silêncio, sentimos que está cada vez mais difícil um lugar tranquilo e sereno para podermos refletir ouvindo apenas o canto dos pássaros, ou seja, o som da natureza. Cada vez esse lugar tornar-se mais raro, principalmente para quem mora na cidade grande.

Ouvimos tantos sons o dia inteiro que muitas vezes acabamos acostumados com essa barulheira toda sem darmos conta do grande mal que ela nos faz. É disso que vamos tentar falar neste texto que parece mais um poema com versos tocando cantigas de ninar aos ouvidos de vocês.

Antes de entrar no assunto propriamente mencionado no título, gostaríamos de falar um pouco sobre esse silêncio que é tão bonito e saudável à nossa saúde emocional e física. Estamos esquecendo de ouvir o som da natureza que se traduz no canto dos pássaros, nas ondas do mar, no vento nas folhas das nossas árvores e etc. Vamos caminhando para um barulho ensurdecedor de máquinas de todos os tipos ao nosso redor maltratando os nossos ouvidos e os nossos espíritos.

Há algumas tardes perto da minha casa onde o silêncio paira no ar e conseguimos ouvir a natureza cantar e falar conosco. Ainda acontece essas coisas por aqui. Mas, também tem dias que o barulho do som da casa de espetáculo que tem próxima da nossa rua só falta explodir os nossos ouvidos.

Eu fico me questionando como se sentem os bebês e as criancinhas. Se nós, adultos, nos sentimos perturbados com o barulho de uma música horrível, imagine esses seres tão pequeninos e que tanto precisam de cuidados.

Já não temos mais silêncio nas cidades grandes. Tudo é barulho demasiado. São aparelhos de som ligados em volumes altos, buzinas de carros, máquinas de fábricas, pessoas falando alto de madrugada e construções com as suas máquinas pesadas. O mundo perdeu a sua tranquilidade e ganhou uma porção de sons barulhentos que nada nos diz a não ser de que o homem contemporâneo está trabalhando por demais para conquistar o pão de cada dia para a sua família. Operários em construção são os que mais fazem barulho nas cidades grandes. Não posso reclamar deles. Estão fazendo os seus trabalhos.

Quem dera que as máquinas fossem mais silenciosas. Quem dera que as pessoas aprendessem a arte de ouvir e não tagarelassem tanto umas às outras. Dentro das nossas próprias casas, precisamos saber lidar com o barulho do liquidificador, da televisão em som alto, do irmão que toca bateria e da vizinha que grita o tempo todo com os seus filhos. Esses sons entram pelas janelas, pelas frestas das portas e vão direto para os nossos ouvidos nos afligindo. Nada podemos fazer. As crianças são as que mais sofrem com toda essa barulheira, principalmente as que ainda não sabem falar.

A poluição sonora nas cidades grandes é a segunda maior do meio ambiente, perdendo apenas para atmosférica. Sim, temos barulho por todos os lugares aonde chegamos. É gente falando, é carro buzinando, é vendedor gritando, é campainha tocando e tantos outros barulhos que possamos lembrar quando estamos sentados à espera de sermos atendidos em algum órgão público ou privado.

O barulho vem de todos os lugares. Lembramos do tempo em que éramos telefonistas e fazíamos de três em três meses exames de audição para saber como estava a nossa. O barulho daquelas vozes nos nossos ouvidos durante seis horas todos os dias era incômodo e doía em nós. Muitas amigas perderam a audição ou ficaram doentes. O atendente de telemarketing deve atentar para esse tipo de problema de saúde e se cuidar. Na empresa em que trabalhávamos, havia o cuidado sério com as telefonistas. Nem todas as empresas se preocupam com os seus profissionais, por isso o próprio indivíduo deve procurar cuidados.

Quando criancinhas, perto das nossas casas podíamos ouvir o som da natureza às cinco da manhã. Era a coisa mais linda do mundo. Talvez isso nunca mais volte a ser ouvido. O jumento lá longe dava o seu recado de que já estava acordado, os passarinhos faziam as suas festas nas árvores que se espalhavam pelos nossos quintais, as galinhas cacarejavam nos terreiros, os gatos e cachorros avisavam que o dia nascera e todos esses sons vinham numa sinfonia coletiva. Parece que a natureza combinava de fazer esses sons junto com todos os animais. Nós costumávamos ir ver o rio que passava perto das nossas casas. A água limpinha fazia barulho ao correr da cacimbinha e descer a ladeira. Parece até que estamos ouvindo esse som da nossa infância. A verdade é que o rio não existe mais e nem a cacimbinha. Foi tudo aterrado para a construção de casas e empresas.

O homem que destrói tudo, destruiu o nosso rio. Enquanto escrevemos este texto, escutamos uma cigarra cantar lá longe. As cigarras que são uma das coisas mais bonitas da natureza. Elas anunciam a chegada da noite na nossa cidade.

Temos muito barulho e muitos animais. Os animais além das criancinhas também sofrem muito com o barulho, principalmente os dos fogos de artifícios. Todo final de ano é a mesma coisa nas nossas casas, precisamos abraçar os nossos cachorrinhos para que não morram de medo do barulho desses fogos. Em seus pequenos ouvidos eles tornam-se um barulho enorme, várias vezes maior do que nos ouvidos dos humanos podendo chegar até a matar o animalzinho de infarto. Se fosse apenas um dia no ano ainda estaria bom, mas agora as pessoas resolveram soltar fogos de artifícios nos jogos de futebol e nas campanhas políticas. Qualquer coisa é motivo para queima de fogos. Essas pessoas que fazem isso parecem até que não convivem com animais, crianças e idosos. Elas mesmas não se respeitam. A audição é algo tão perfeito e maravilhoso e, se nós soubéssemos disso, cuidaríamos melhor das nossas.

Vocês já imaginaram como é a vida de uma pessoa surda? Os surdos no nosso país têm poucos direitos. Muitas escolas, órgãos públicos e privados não têm intérpretes de libras, língua oficial dos surdos no Brasil. A falta de intérpretes nessas instituições é grande. Até mesmo nas escolas e academias muitas vezes o surdo deixa de participar de alguns eventos porque não tem intérprete disponível. Não é nada fácil ser surdo no nosso país. Você já pensou querer assistir uma peça teatral, uma palestra, uma aula remota e não poder por que não há intérprete?

A língua de sinais devia ser oficializada em todas as escolas da educação infantil à graduação. É preciso dar voz aos surdos. Nos preocupamos com essa questão porque temos amigos e amigas surdos, mas também porque nos preocupamos com o bem-estar de toda comunidade surda nacional. Vivemos num país onde as pessoas com deficiências têm poucos direitos.

Que façamos barulho para essa comunidade possa ter os seus direitos garantidos principalmente nos postos de saúde, nos hospitais e nos shopping centers. Outro dia, ouvimos uma amiga reclamar de que foi ao posto de saúde do seu bairro e não tinha como se comunicar com o médico porque ele não sabia libras. E era um assunto muito pessoal para dividir com outra pessoa próxima. São esses pequenos detalhes que pedem a nossa participação na luta pelos direitos da pessoa surda.

Atualmente, temos visto muitas pessoas jovens perderem a audição. Antigamente, isso era comum nas pessoas idosas. Os jovens e isso serve de alerta para os pais das crianças também têm passado muito tempo com fones de ouvido escutando músicas ou ouvindo coisas nos seus celulares. Muitos jovens e crianças acham bonito e até charmoso usarem fones de ouvido caros e modernos. Existem fones de ouvido de todos os tipos e para todos os gostos. Outro dia, o meu sobrinho pediu para eu comprar um para ele. Disse que não. Ele ficou aborrecido comigo, mas depois me compreendeu quando lhe apresentei os motivos.

As crianças influenciadas pelos jovens adoram os fones de ouvidos. Algumas alegam que é para não incomodar quem está por perto ou apenas para a sua privacidade mesmo. O certo é que devemos evitar que os nossos jovens e crianças fiquem tanto tempo com esse aparelho.

Outra categoria que tem perdido a audição muito cedo são os trabalhadores de indústrias com máquinas barulhentas. Apesar de todo o cuidado que se possa ter através dos profissionais da segurança do trabalho dessas empresas ainda assim o barulho é tão violento aos ouvidos do trabalhador que ele não suporta e acaba adoecendo. Tem até profissionais desse ramo que recebem insalubridade por trabalharem com essas máquinas barulhentas. Passar seis a oito horas ouvindo o barulho de uma máquina deve ser muito difícil e dolorido ao espírito e ao corpo.

Homens de 35 a 50 anos estão perdendo a audição devido as horas que passam diante dessas máquinas. Muitos desses profissionais depois de perderem a audição são demitidos e não recebem os seus direitos como manda a lei. Diga-se de passagem, a lei trabalhista no Brasil ainda está cada vez mais ausente da vida do trabalhador. Os direitos e garantias nunca são ofertados como deveriam porque falta sempre um órgão para fiscalizar as indústrias e empresas.

canal auditivo de uma criança é muito menor do que de um adulto e a pressão que entra no ouvido dos pequenos é maior, aumentando os riscos de problemas auditivos. Mas essa não é a única preocupação, já que a exposição a altos níveis de ruído também atrapalha o desenvolvimento e o aprendizado. 

A exposição a barulhos e ruídos afeta não somente a criancinha, mas também o bebê na barriga da sua mamãe que a partir do sétimo mês de gravidez já consegue ouvir os sons externos. Mesmo protegido pelos músculos da barriga da mamãe, o bebê consegue ouvir todo o barulho externo e isso afeta a sua audição e emoções. O bebê na vida uterina já começa a sofrer com os problemas do mundo aqui fora, muitas vezes nascendo com traumas e medos que costumamos responsabilizar a outros fatores.

Muitos pais e mães no estresse do dia a dia costumam falar com os seus filhos gritando. Talvez para imporem autoridade e procurarem disciplinar as crianças gritam com elas como se não pudessem ouvi-los se falassem num tom de voz agradável. As crianças que recebem gritos acabam aprendendo a gritar também porque elas sempre imitam os pais e isso vai desencadear problemas emocionais graves na vida adulta.

Ninguém gosta de ouvir gritos. É educado e respeitador conversar baixinho com a criança. Da mesma forma que um grito afeta o emocional da criança também ela é afetada pelos barulhos que vêm de fora da sua casa e entram no seu pequeno mundo. Elas não sabem o que está acontecendo do outro lado das suas casas, mas não conseguem dormir com os barulhos dos carros e dos aparelhos de som dos seus vizinhos.

Nas escolas, o problema da poluição sonora ainda é muito maior. Escolas que não são bem planejadas nas suas construções escutam todos os tipos de ruídos e barulhos que vêm lá de fora. As crianças não conseguem ouvir a professora e a professora grita o tempo todo para que seja ouvida. É um sofrimento ouvir a voz da professora com o barulho das buzinas e de motores dos carros e ônibus. Também tem o barulho que vem da quadra esportiva onde as outras turmas torcem pelos seus times favoritos. As crianças não conseguem aprender desse jeito. É na idade escolar que as crianças estão mais expostas a ruídos elevados e suas complicações.

Na escola, a poluição sonora e a falta de tratamento dos ruídos geram dificuldades de comunicação e aprendizagem, prejudicam o desenvolvimento escolar, além de aumentar o estresse e a frequência cardíaca. Muitas vezes não se sabe o motivo da criança está tão ansiosa ou sofrendo com outras emoções que sozinha não sabe lidar, tudo isso pode vir do barulho com o qual tem que enfrentar todos os dias na escola para tentar compreender o que lhe é ensinado e não ser reprovada no final do ano letivo.

A falta de acústica adequada nas escolas afeta estudantes e professores. Se a sua escola estiver enfrentando barulhos e ruídos externos procure chamar um profissional para que ele possa elaborar um projeto que diminua esse barulho. A NBR 10.151 estabelece que os níveis de pressão sonora para ambientes externos em áreas escolares são de 50 dB no período diurno e de 45 dB durante a noite. Já em ambientes internos os níveis de conforto acústico, de acordo com a NBR 10.152, são os seguintes: 35 a 45 dB em bibliotecas, salas de música e desenho, 40 a 50 dB em salas de aula e laboratórios, 45 a 55 dB em áreas de circulação. Na verdade, esses valores não são respeitados. Há escolas onde o barulho chega a 90 dB. Quando há festas nas escolas também deve-se ter o cuidado para os aparelhos de som que são utilizados não machucarem a audição das crianças. Todo cuidado é necessário e desejável.

As escolas devem ser planejadas antes da construção atendendo as normas acimas, ou seja, com uma acústica adequada, principalmente as que ficam próximas de aeroportos e rodovias. Alguns problemas acústicos podem ser minimizados já na definição do layout da escola. Nessa fase, o projetista acústico vai identificar quais são as áreas mais sensíveis e separá-las das mais barulhentas por corredores, divisões de edifícios etc. Esse zoneamento é utilizado ainda para evitar que fontes ruidosas como a quadra de esportes, por exemplo, fiquem próximas de áreas sensíveis. Um bom projeto evitará que o barulho perturbe as crianças e os professores, sendo assim o ensino-aprendizagem estará garantido.

As crianças que crescem em meio a gritos e barulhos tendem a ter comportamentos agressivos devido estarem extremamente estressadas com o barulho que chega de todos os cantos e lugares. A criança não sabe como agir com todo aquele barulho que nunca para e continua perturbando o seu sono, os seus estudos e o filme na televisão. Muitas dessas crianças apresentam choros inesperados e fazem xixi na cama mesmo depois de grandes. Quando isso acontece é porque elas não estão sabendo como lidar com tanto barulho.

Os pais devem ficar atentos a certos tipos de reação das crianças como a televisão ligada num volume mais alto do que o normal quando não há tanto barulho por perto. Isso é sinal de que a sua audição, de certa forma, está sendo prejudicada por algo, quer seja em casa ou na escola.

Muitas crianças que têm problemas de audição sentem vergonha de usar o aparelho no ouvido com receio de sofrerem bullying e acabam, escondidas dos pais, tirando o aparelho ao chegarem na escola. Com isso, muitas acabam perdendo os seus aparelhos auditivos e inventam as mais diversas mentiras para não serem castigadas. Isso também é um problema escolar. A escola precisa combater esse tipo de bullying, pois a criança necessita do seu aparelho para ouvir bem seus colegas e a sua professora.

Certa vez, peguei as crianças no meio do recreio da escola onde dava aulas brincando com o aparelho auditivo do amiguinho enquanto ele pedia, desesperadamente, para que o devolvessem. O que é mais esquisito nisso tudo é quando alguém sabe que a criança tem baixa audição e fala de seus medos e dificuldades para outra pessoa sem saber que ela pode ler os seus lábios. As crianças são inteligentes por demais como sempre digo aqui. Isso pode deixá-la muito triste e até depressiva. É preciso cuidado quando se convive com essas crianças para que elas não se sintam rejeitadas ou excluídas de alguma tarefa só porque não ouvem bem.

Também temos visto muitas crianças frequentando consultórios de médicos cardiologistas. Algumas apresentam problemas de arritmia cardíaca logo cedo. Os seus pequenos corações não dão conta de tanto barulho. Os gritos que vêm de quem mais amam causam tremor e medo. Os seus lindos sonhos passam a ser pesadelos. Não conseguem dormir bem a noite toda e se sentem sozinhas e abandonadas quando os pais não permitem que durmam na cama com eles. Aquele barulho insuportável lá fora parece não cessar nunca e os seus ouvidos estão doendo com tudo ao seu redor.

Sem conseguir dormir, a criança começa a chorar e a gritar por ajuda acordando os seus familiares. Isso ocorre com os bebês também. Sendo que alguns bebês quando ouvem sons conhecidos sorriem e quando são vozes ou sons que nunca ouviram tendem a chorar como se quisessem nos chamar a atenção para tudo aquilo que lhes é estranho. O bebê não deve ser forçado a ouvir um adulto estranho tentar niná-lo, pois ele pode sentir medo ao invés de conforto e segurança.

A poluição sonora afeta a todos nós, na verdade. Sendo as crianças as mais prejudicadas, por isso devemos cuidar de sempre que possível as levarmos para um lugar sossegado onde só escutem o som da natureza. Colocar a criança para dormir cantando músicas de ninar com a voz doce ou contando-lhes histórias vai acalmá-la e confortá-la. Sempre que se dirigir a uma criança mantenha a voz calma e tranquila para não a assustar. Quem fala de forma branda e suave também é ouvido por todos. Você não precisa gritar como se estivesse numa feira para chamar a atenção da sua criança. Acostume-a a lhe ouvir com apenas um gesto ou uma palavra dita baixinha e docemente. O grito é uma agressão aos ouvidos da sua criança.

E para finalizarmos deixo você, querido leitor, com os versos do meu poeta português predileto, Alberto Caeiro, o poeta da natureza que nos diz “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos… / Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. / Mas porque a amo, e amo-a por isso, / Porque quem ama nunca sabe o que ama / Nem por que ama, nem o que é amar…”

Que os sentidos das crianças possam ser amados com bastante amor, mesmo a quem não sabe o que ama e que ama a criança tanto que é para ela os seus ouvidos e voz. Silêncio, por favor, vai começar a historinha!

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Água: não a privatização!

Blue Earth world with dripping water on two hand at wait on abstract black background. Water shortage and earth day concept or world water day. Elements of this image furnished by NASA.

A água, tão sagrada para a preservação da vida, será tratada como mercadoria PRIVADA e provavelmente não haverá tarifa social para famílias de baixa renda.

Antes de nascermos, a água já está presente na nossa vida.

A importância da água é inquestionável. Em que pese a crescente população mundial, o aumento de demandas econômicas e sociais que impõem a urgência de se ampliar o consumo de água para a produção de alimentos e para a indústria, a água é um bem comum e não uma mercadoria.

Estudiosos e pesquisadores reconhecem que, atualmente, todos os seres vivos existentes precisam de água para a sua sobrevivência.  O corpo humano é constituído em média 60% em massa de água. Os músculos esqueléticos são constituídos por 73% de água.

plasma sanguíneo chega a ser constituído em mais de 90% de água.

Cerca de dois litros de água são perdidos diariamente do corpo de uma pessoa adulta. Desta forma, a mesma quantidade deve ser reposta para evitar a desidratação, através do consumo de água tratada e alimentos ricos em água, como frutas e vegetais. No caso de nenhuma ingestão de água, o indivíduo morre em no máximo quatro dias.

No Rio Grande do Sul, em 28 de março de 1966, devido a precariedade no abastecimento de água as populações, foi criada a Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan, sociedade de economia mista, de capital aberto, sediada em Porto Alegre, a partir da Lei Estadual nº 5.167/1965, sendo que o controle acionário é exercido pelo Estado do Rio Grande do Sul. 

Atualmente é inegável que a Corsan proporciona ao Rio Grande do Sul e a sua população qualidade de vida, pois abastece cerca de 6 milhões de gaúchos, conforme levantamento realizado pela companhia e disponível em seu site institucional. Isso representa cerca de 2/3 da população do Estado, distribuídos em 317 municípios.

Nesses 55 anos de existência e atuação no Rio Grande do Sul, a Corsan já se consolidou como uma empresa pública que presta serviços de qualidade, gerando riqueza para o Estado. Prova concreta disso são os cerca de R$ 2 bilhões de lucro somados pela estatal no ano de 2020.

Em Passo Fundo, a Corsan investe em diversas obras de infraestrutura para o tratamento de água e saneamento, especialmente por meio de um Fundo Municipal de Gestão Compartilhada, criado em 2010, por ocasião da assinatura do contrato de prestação de serviço entre a empresa e o Município.

Contudo, apesar de ser considerada uma empresa geradora de desenvolvimento e garantidora da vida, o governo do estado quer privatizar a Corsan.

Após derrubar a exigência de plebiscito, consulta feita diretamente ao povo, por meio de votação do tipo sim ou não à venda de estatais, no dia 31 de agosto de 2021, por 33 votos a 19, os deputados “autorizaram” o governador Eduardo Leite a repassar à iniciativa privada o controle acionário da companhia.

Ocorre que alguém vai se beneficiar com a venda da Corsan, mas não será o povo gaúcho. Serão os representantes do “capitalismo selvagem” que buscam o lucro a qualquer preço. A água, tão sagrada para a preservação da vida, será tratada como mercadoria PRIVADA e provavelmente não haverá tarifa social para famílias de baixa renda.

Não podemos permitir a privatização da Corsan, nem das reservas e mananciais. Preservar o direito humano a água é garantir a vida das próximas gerações.

Ora, os direitos a vida, ao abastecimento de água, a produção de alimentos, a preservação dos recursos hídricos e do meio ambiente, a geração de energia, entre outros temas fundamentais para a existência de um futuro sustentável e justo não podem ser entregues ao interesse privado pelo lucro.

A água é do povo gaúcho E ASSIM DEVE PERMANECER.

Os municípios gaúchos têm agora uma importante missão: precisamos do apoio e da sensibilidade das vereadoras e vereadores, das prefeitas e prefeitos que ainda podem impedir a privatização, pois dispõem de mecanismos como não assinar a proposta do governador do Estado de aditivo aos contratos municipais que estão vigentes com a Corsan. Além disso, também podem fazer a municipalização da Corsan ou buscar alternativas junto à esfera judicial.

Por fim, ressalto que eu acredito na luta e na força popular, o povo organizado também pode evitar um erro sem precedentes no Rio Grande do Sul, que causará prejuízos incalculáveis para a manutenção da vida e do desenvolvimento justo e sustentável de todos os municípios gaúchos.

Continuaremos debatendo esse importante tema nas nossas próximas colunas nesse espaço.

Vamos à luta! Não a privatização da Corsan!

Autora: Eva Valéria Lorenzato.

Edição: Alex Rosset

As faces do racismo no Rio Grande do Sul

Dados cruzados pela reportagem de diferentes órgãos do Estado revelam o perfil dos que atacam e dos que são vítimas da discriminação.

Reportagem de Andressa MoraisDaniela GonzattoSara Nedel PazTainara Pietrobelli e William Martins.

Esta reportagem começou a ser produzida há três meses, portanto, bem antes do assassinato de João Alberto de Freitas por funcionários do Carrefour. E as estatísticas que a reportagem teve acesso já anunciavam que João era um alvo em potencial da discriminação pela cor da pele. Pelos dados do Ministério Público do RS relativos a processos judiciais de racismo e injuria racial nos últimos cinco anos, é possível traçar um perfil tanto de quem comete a violência, como quem é vítima dela. Nos dois extremos, estão o gênero masculino. Os homens, representam 72% dos que cometem o crime e 68% dos que sofrem a violência.

João Alberto era negro, tinha 41 anos e foi morto no dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra. O tema é complexo, e os números parecem ser a ponta do iceberg, pois apesar dos crimes e denúncias se centrarem no gênero masculino, dados exclusivos da Policia Civil do RS para esta reportagem revelam que as mulheres são as que mais registram boletins de ocorrência relacionados aos crimes raciais. Esta reportagem que você está começando a ler agora, é uma tentativa de juntar pontas e lançar questões para um tema e um crime — o racismo — que tem ganho cada vez mais espaço no Brasil e no mundo.

“Um olhar agressivo […] a expressão no olhar era muito intimidadora, que parecia procurar confusão”. A simples percepção de ter recebido um olhar se tornou o motivo suficiente para que João Alberto Freitas fosse brutalmente assassinado. A afirmação anterior foi retirada do depoimento dado à polícia por uma das funcionárias do supermercado, que teve contato com a vítima minutos antes dos seguranças da loja o conduzirem para fora do prédio para violentá-lo.

O crime segue em investigação, três pessoas foram presas e o crime mobilizou o país e deixou explícito o racismo estrutural no Rio Grande do Sul e no Brasil.

O acontecimento jogou luz sobre as práticas racistas e as posturas das pessoas brancas em relação aos negros, apesar do Brasil ser formado por uma maioria parda ou negra. Não é demais lembrar que a região sul do país é historicamente reconhecida por valorizar sua cultura majoritariamente branca (colonização europeia), o que não acontece quando o tema é a formação afro-brasileira.

A pesquisador Helena Bonetto comprovou como é difícil ser negro na capital gaúcha com a tese A invisibilidade negra na cidade de Porto Alegre, defendida há dois anos no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A amostra foi de 336 pessoas: 71% brancos, 27% negros e 2% amarelos. O perfil dos entrevistados estava associado às representações que possuem do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre.

Uma das perguntas era: Quando você escuta falar sobre o Rio Grande do Sul, você pensa automaticamente em que grupos culturais? Entre os brancos, o resultado foi: portugueses (37%), italianos (34%), e gaúchos com 13%. Somente 1% dos autodeclarados brancos respondeu que pensa na população negra como grupo cultural relacionado ao estado. Outra pergunta feita na pesquisa foi: Quais bairros que você evitaria em Porto Alegre? Entre os bairros mais evitados, destacaram-se Bom Jesus e Rubem Berta, dois lugares marcados pela grande presença negra.

Os perfis de um Racismo Estrutural

Porto Alegre não está sozinha neste ranking de denúncias. Ainda de acordo com os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, disponibilizadas pelo Ministério Público do RS, a soma dos procedimentos policiais e processos judiciais ocorridos no estado de 2015 até 25 de setembro de 2020 é de 256.

Os destaques ficam, além de Porto Alegre, para Bento Gonçalves e Caxias do Sul (Serra Gaúcha), Canoas (Região Metropolitana) e Rio Pardo (Vale do Taquari). São estas cidades que concentram os maiores registros em cada ano. Já em relação às denúncias coletadas até setembro deste ano, o MP conta com 74 registros.

E, entre os dados, a cidade de Encruzilhada do Sul, que fica na região do Vale do Rio Pardo, se sobressai por ter o maior número de denúncias, cinco, no ano de 2019.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, o Rio Grande do Sul é sem dúvida um estado racista. O estado lidera o triste ranking com 1507 registros de injúria racial. Das 27 unidades federativas, apenas 17 disponibilizam dados completos dos anos de 2017 e 2018 para análise. Os dados são baseados em informações das secretarias estaduais de segurança pública, polícia civil e Instituto de Segurança Pública/RJ (ISP). Se comparado ao ano de 2017, quando o estado disparava 1404 registros, o aumento foi de 103 casos*.

Diferença entre os crimes de racismo e injuria racial

Racismo e injúria racial são os únicos crimes existentes tipificados sobre a cor da pele na legislação brasileira. A distinção entre eles, contudo, é pouco conhecida para a maioria. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o crime de racismo “é mais amplo do que o de injúria qualificada, pois tem por objetivo atingir uma coletividade, discriminando toda a integralidade de uma raça”. Previsto na Lei nº 7.716, de 1989, é inafiançável, imprescritível, possui multa e sua pena pode chegar até cinco anos de reclusão.

Já o delito de injúria é previsto no artigo 140 do Decreto Lei nº 2.848, de 1940, do Código Penal, com pena de reclusão, que pode ser de um a seis meses, ou multa. No parágrafo 3º, porém, o crime de injúria racial é tratado como uma forma de injúria qualificada, possuindo, nesse caso, pena de um a três anos de reclusão e multa. Quando feita, a vítima recebe ofensas direcionadas à sua raça, cor, etnia, religião, origem, idade ou deficiência.

Agredido em via pública

Em uma tarde de dezembro do ano de 2014, em São Sebastião do Caí, que Luis* teve sua dignidade ofendida em consequência de sua raça e cor. Em plena via pública foi chamado por Maurício* de “ladrão” e “negro macaco”. O agressor afirmou ainda que “negro não podia morar na cidade de Harmonia, deveria morar na Coréia”. A Coréia é o apelido pejorativo do Bairro Navegantes de São Sebastião do Caí, conhecido por ter altos índices de criminalidade, e por abrigar moradores que possuem poucos recursos financeiros.

O relato, retirado do processo nº 70082672676, disponível no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), ressalta que Maurício* foi denunciado pelo crime de injúria racial, pelo artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. A sentença foi proferida em 2018 e a pena foi de um ano de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 30 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Depois, no entanto, foi concedida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos. Recentemente, o agressor ainda pediu apelo à justiça, a fim de reduzir sua pena. Essa, no entanto, foi negada em outubro de 2020, em julgamento.

Os processos

O caso apontado acima representa um dos 6.654 processos que corriam no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entre 2015 e 2018. Mais da metade deles não foram levados adiante por desistência ou morte das vítimas (3.376). Em 924 sentenças houve absolvição ou perdão. 349 réus foram considerados culpados, como Maurício. 155 acordos foram feitos. Os números anteriores foram obtidos via assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do RS.

Nos casos de crimes de injúria racial, como a pena máxima é de três anos, o prazo para processar quem cometeu o ato de injúria é mais curto, uma razão para a descontinuidade segundo a juíza da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, Karen Pinheiro, que se destaca na representatividade do tema dentro da magistratura.

“(…) Isso acontece muitas vezes porque vai indo, indo, e aí acaba decorrendo o prazo prescricional.”. Por outro lado, a relação entre a ofensa e o crime racial ainda é difícil de ser vista. “Muitas vezes, a pessoa pratica o fato, chama de negro, de macaco, de negra suja e outros adjetivos. Mas é muito difícil que se aceite que essa conduta seja uma conduta intencional e que a pessoa estaria agindo de maneira racista, de maneira a subjugar ao outro em razão da cor da sua pele”, exemplifica a juíza. Assim, declara que o índice de absolvições acaba sendo significativo por isso, o que é chamado de “racismo recreativo”.

Legenda: Juíza Karen Pinheiro é voz ativa na discussão da temática racial dentro da magistratura gaúcha. (Foto: Flickr/Secretaria de Comunicação Social do TRT 4ª Região do RS)

Punir, se torna ainda mais difícil quando não se tem testemunhas, ou quando as testemunhas que não querem se comprometer, e isso independente do estrato social, como se poderá ver no exemplo a seguir.

Um jornalista injuriado pela cor da pele

Em março deste ano, pouco tempo antes de começar a quarentena, o jornalista Chico Izidro viajou para a cidade de Não-Me-Toque junto da equipe do jornal Correio do Povo, local em que trabalha desde 1994, a fim de cobrir a feira Expodireto. No penúltimo dia do evento agrícola, uma festa foi anunciada para comemorar o sucesso atingido, porém, a data que era para ser alegre se tornou, segundo ele, o fato mais violento que já ocorreu em sua vida. E, mesmo com as diversas ofensas racistas, Chico não pode sequer seguir com um processo em razão da “ausência” de testemunhas.

Legenda: Chico Izidro, jornalista, foi alvo de preconceito racial na cidade de Carazinho. (Foto: Arquivo pessoal)

Antes da ocasião, o jornalista já havia combinado com seu fotógrafo de saírem para comemorar, mas, no fim, decidiram comparecer na festa, que aconteceu na cidade de Carazinho, vizinha do município de Não-Me-Toque. Logo ao chegarem, o jornalista percebeu que, dentre as 20 ou 25 pessoas do local, apenas duas eram negras, contando ele. Em determinado momento do encontro, pediu o controle remoto para uma pessoa próxima e decidiu assistir a um show de blues na televisão. Assim que o programa acabou, outro show começou, desta vez de pagode, o que fez Chico querer mudar de canal. Por não conhecer o funcionamento do controle, desligou o aparelho por engano.

Nesse momento, um dos diretores presentes passou por ele, o olhou segurando o controle e começou a ofendê-lo: “Quem deixou esse negro pegar o controle remoto? Porque é isso que acontece. Olha só, não sabe. Pega o controle remoto, pega qualquer coisa, não pode deixar o negro no comando de nada. Isso não é uma banana, cara, isso é um controle remoto. Tá entendendo?”. Sem acreditar no que estava acontecendo, Chico tentou parar as ofensas, mas elas apenas continuaram: “olha só, o macaco ainda fala”. Ao redor, as pessoas riam em vez de prestar qualquer ajuda.

Agravando a situação, o agressor ainda afirmou que por esses motivos era contra a Lei Áurea (Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão no Brasil): “Olha o que ela fez, olha a merda que a princesa Isabel fez em libertar vocês. Vocês deviam estar tomando chicotada, porque vocês não são gente.” Prontamente, Chico trouxe a questão de abuso de poder e de que tudo isso poderia virar um processo, mas, após todo o discurso ofensivo, todos os presentes continuaram bebendo e conversando como se nada tivesse acontecido.

Na volta para Porto Alegre, os murmúrios sobre a injúria racial começaram, assim como pessoas falando para ele abrir um processo. “Eu precisava que as pessoas testemunhassem. Quantas pessoas acha que se ofereceram para testemunhar? Zero. Nenhuma. Ninguém”, admite Chico, que não pode dar continuidade na busca de seus direitos, pois os argumentos eram de que seria pior para ele e para a empresa. ”E ficou por isso, ainda está entalado na garganta. Não ouvi um pedido de desculpas. Simplesmente ficou assim. Uma agressão que extrapolou todos os limites do bom senso, da civilidade.”, finaliza.

O Racismo Institucional

A fim de que esses problemas sejam reduzidos, Gleidson Renato Martins Dias, especialista em Direito Público pelo Instituto de Direito Contemporâneo, fundador do Fórum Nacional de Comissões de Heteroidentificação e membro do Movimento Negro Unificado,- organização brasileira formada por pessoas negras, que luta há 42 anos contra o racismo, organizando reivindicações políticas — defende, assim como a juíza Karen Pinheiro, a necessidade de que exista uma delegacia especializada para tais crimes. Segundo ele, não há pessoas preparadas para atender as vítimas assim como há, por exemplo, na Delegacia da Mulher. Anteriormente, as mulheres vítimas de violência também eram ridicularizadas pelos servidores da Polícia Civil. “As mulheres demandaram a necessidade de uma delegacia especializada onde as pessoas estariam, pelo menos em tese, com uma preparação para receber as mulheres que estão em violência”, salienta.

A falta de um atendimento adequado nas delegacias é antiga, e fez a Aléxia Plost sofrer um processo de revitimização ao tentar denunciar a violência sofrida, como é possível ver aqui.

Mas como Gleidson ainda assegura, é necessário que todas as pessoas entendam como é violento o racismo, assim como as instituições precisam estar por dentro de uma visão antirracista. “Então, se existe um direito penal feminista, se existe uma criminologia feminista, se existe um direito da antidiscriminação, por óbvio nós precisamos que o Direito, hoje, entenda que a questão racial é estrutural”, destaca. Desse modo, indica que, para combater o racismo estrutural, é preciso ter esses aportes, não só teóricos, mas práticos.

Guilherme de Azevedo, professor e coordenador do curso de Direito da Unisinos, desenvolveu a tese Raça, Igualdade e Trauma: a função do direito na inclusão/exclusão dos negros na diferenciação social brasileira. Para ele, há uma defasagem na formação dos profissionais que estão no sistema de justiça e que muitas vezes acabam levando o caso para um lado folclórico e oferecendo mais tolerância do que esses processos deveriam receber. “Os nossos alunos, futuros profissionais de direito, podem passar às vezes cinco anos em uma faculdade de direito sem ter estudado a fundo o direito da discriminação. Então a questão técnica não é compreendida, ela é só completude. A baixa formação técnica de juízes, de promotores e de advogados na área de direito discriminatório leva a reforçar esses índices baixos de continuidade das ações e de condenação” afirma o professor.

De acordo com a juíza Karen Pinheiro, não apenas o campo do Direito, mas todas as demais áreas do ambiente escolar refletem o racismo institucional. “Um dos espaços que deveria ser objeto de um olhar muito profundo, são os espaços escolares, desde o ensino fundamental até o ensino superior, pós-graduação, mestrado, a política de cotas não é o suficiente. Educação antirracista é muito mais do que isso!”, afirma. Ela ainda explica que a falta de contato com professores e colegas negros impossibilita a visão de que eles também são capazes de transmitir conhecimento.

Já para a advogada e presidente da Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB, na Subseção do Rio Grande, RS, Mauren Lisiane Acosta Amaral, o fato dos currículos das universidades serem compostos majoritariamente por pensadores e escritores brancos influencia na questão educacional, em que há uma presença quase nula de profissionais negros como fonte de conhecimento. Em sua perspectiva, afirma que não somos levados a estudar ou a aprender sobre a ótica dos autores negros e isso é um fator que influencia, inclusive, na conduta profissional.

Mauren também reflete que, se tivéssemos mais autores, mais conteúdo gerado por pessoas negras nos bancos universitários, seria possível formar profissionais de outra maneira: “Conscientes da sua negritude enquanto pessoas negras, enquanto pretos, e conscientes da necessidade de se respeitar o outro e de se buscar uma sociedade mais equânime, quando não negros.”, conclui.

A ausência de diversidade racial nos espaços escolares, seja no ensino básico como no âmbito superior, é um problema tanto para alunos, com para professores negros, como explicam a mestranda Carol Anchieta e o professor Elói Marques Coelho Júnior aqui.

Os juízes e as cotas raciais

Menos presentes nos espaços universitários, os negros também são em bem menor número entre os magistrados. De acordo com os dados do último senso do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 2018, apenas 18,1% dos juízes brasileiros são negros. Dentro deste percentual, somente 1,6% se declara como preto, e 16,5% é pardo. “Isso revela um déficit de representatividade e é também uma demonstração de como essas carreiras são construídas de forma a dificultar o acesso de pessoas negras.”, explica Karen.

Hoje, 20% das vagas de juízes são reservadas para negros. No entanto, ainda que exista este espaço, ele não é ocupado totalmente. Segundo a juíza, é necessário ao menos seis anos de dedicação total e exclusiva ao estudo, já que o processo seletivo é muito exigente. No entanto, o negro dificilmente tem condições de não trabalhar e se focar apenas na busca por conhecimento, já que, geralmente, por trás dele existe uma família dependente da sua força de trabalho.

Além do fator de intimidação para as vítimas, a advogada Mauren Amaral, presidente da Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB, na Subseção do Rio Grande, admite que, como o sistema judiciário é composto majoritariamente por profissionais brancos, isso inquieta igualmente os advogados e defensores negros. Para ela, há uma luta contra a diferença e contra esse racismo estruturado na sociedade: “Não é incomum o relato de colegas que foram ou se sentiram intimidados em audiência. São os advogados negros que são confundidos com partes, como acompanhante das partes, e isso não é tão raro quanto se imagina”, afirma.

Análise de Boletins de Ocorrência no estado

Dados exclusivos da Polícia Civil-RS via lei de acesso a informação, trazem detalhes dos boletins de ocorrência (B.O) registrados nos últimos 5 anos nos estados. Os números revelam que o total de B.O’s só aumentou, passando de 1532 em 2017 (menor índice desde 2015) para 1810 em 2019.

Comparado a 2018, em 2019 houve uma queda de 26 B.O’s em “Injúria Qualificada” e 13 em “Preconceito Raça Cor e Etnia”. No entanto, em “Injúria Discriminatória” quase 200 B.O’s a mais foram feitos. No geral, os números de boletins de ocorrência registrados nessa categoria são superiores às outras tipificações.

Neste ano, até o momento da apuração dos dados, 842 .O B.Os haviam sido abertos por Injúria Discriminatória, enquanto apenas 318 se enquadraram em Injúria Qualificada, e 22 em Preconceito de raça, cor e etnia. Conforme a juíza da 1° Vara do Júri de Porto Alegre, Karen Pinheiro, membro do Judiciário há 21 anos, muitos boletins são registrados em uma categoria errada, e isso é resultado da falta de uma delegacia especializada para crimes raciais.

Em 5 anos, foram realizados 9.330 registros por crimes raciais no estado, um número alarmante quando comparado com os dados do Tribunal de Justiça.

Mulheres registram mais Boletins de Ocorrência

De acordo com os dados da Polícia Civil sobre Boletins de Ocorrência, nos últimos 5 anos 5225 B.O’s foram feitos por mulheres, enquanto 4105 foram feitos por homens. Esse dado traz a tona a vulnerabilidade da mulher negra em relação aos homens. Apesar dos dados do Ministério Público mostrarem que o maior número de denúncias é feito por homens, é importante entender que para isso, a vítima precisa fazer a queixa formal ao MP, e isto só é possível se o inquérito for levado adiante, não sendo arquivado.

Uma hipótese para os B.O’s feitos por mulheres negras não serem levado adiante se refere às dificuldades que elas encontram para serem ouvidas, consideradas e apoiadas.

De acordo com a juíza Karen, isso se deve a uma pirâmide social muito presente no Brasil: “Mulheres negras ganham menos do que homens negros, que ganham menos que mulheres brancas, que ganham menos que homens brancos, ou seja, mulheres negras estão no topo da pirâmide social das opressões.”

Dados do Atlas da Violência 2020 indicam que a realidade é ainda mais crítica. Entre 2008 e 2018, a taxa de feminicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, enquanto a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4%.

*Os dados de 2020 já saíram, mas os de injúria racial divergem dos que foram divulgados nos anuários anteriores. Para tentar entender a questão, a equipe da reportagem tentou contato com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por e-mail, mas não obteve retorno até o momento da publicação da reportagem.

**Os nomes do agressor e da vítima foram alterados, pois o caso foi retirado do portal do Tribunal de Justiça do RS

Esta matéria jornalística foi originalmente publicada no site Beta Redação, no link: https://medium.com/betaredacao/as-faces-do-racismo-no-rio-grande-do-sul-9645a4055fc Esta matéria foi feita para a disciplina de Jornalismo Investigativo da Unisinos, com o suporte da professora Luciana Kraemer.

A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias. Sob a orientação de professores, os estudantes produzem e publicam aqui conteúdos jornalísticos de diversos gêneros.

Edição: Alex Rosset

Cursos jurídicos – qualidade ou menor preço?

O que queremos com os cursos jurídicos – qualidade ou menor preço? Formar juristas e operadores qualificados do direito, para qualificar a justiça e propiciar confiança e segurança jurídica ou só fornecer diplomas?

Dia desses, em momento de reflexão, rascunhei opiniões pessoais que podem identificar ou caracterizar o atual ciclo da minha existência, ou do que percebo dela. Nessa oportunidade, registrei desafios e compromissos na escrita. Sustentei que escrever é um ato de alguma coragem e de singular responsabilidade. 

Explico a assertiva. O que habita no pensamento, o que alimenta as conexões e possibilidades da atividade intelectual e afetiva, mas principalmente o que representa as nossas reações refletidas sobre a realidade vivida e projetada, exige muita cautela quando é traduzido em forma de texto escrito, esse turbilhão de pensamentos, sentimentos e desejos precisam ter forma, conteúdo e sentido (s) coerentes.

Se somos livres para pensar (e acreditamos nisso), impulsivos para falar (não raras vezes pecamos pelo excesso), mas quando escrevemos não podemos deixar de aprimorar e organizar o que pensamos, sentimos e desejamos – o escrito deve ser expressão do pensamento criterioso, refletido e ponderado.

Ao entrar (ao menos desconfio que assim esteja) num ciclo de prevalência da avaliação, da reflexão e ponderação – esse quadro retarda a decisão, prolonga a angústia e gera a sensação contraditória da passagem do tempo. Tarda, não precipita, a produção escrita.

Faço essa peroração para tentar justificar o atraso em disponibilizar, agora em texto, o conteúdo de uma entrevista dada em emissora de rádio local sobre a realidade e os movimentos dos cursos jurídicos do país, o que não tem sido diferente na nossa cidade.

Afirmei, nessa entrevista, que um assunto estava passando sem muito alarde, sem chamar muita a atenção da sociedade e da comunidade – até mesmo porque a maioria de nós está fazendo um esforço enorme para enfrentar os efeitos danosos da pandemia, procurando trabalhar para sobreviver e retomar suas atividades profissionais e empresariais, mas que há séria repercussão sobre os cursos jurídicos e nos seus desdobramentos culturais, jurídicos e sociais.

E que assunto é esse?  As iniciativas de muitas instituições de ensino superior de oferecer cursos jurídicos 100% EAD – Ensino à distância.  

Destaquei a necessidade de uma especial atenção a tais decisões.  Para isso, uma indagação que precisa ser feita: ter-se-á mais qualidade na formação jurídica ou simplesmente haverá a oferta de cursos mais baratos, pois a estimativa é de que os cursos poderão ser oferecidos com mensalidades de R$300,00 (trezentos reais).  Haverá uma competição para quem cobrará menos e não quem prestará o melhor curso e preparará melhor os egressos para as carreiras jurídicas?

Estude direito, estude sem sair de casa, por 300 “pilas” ou até por menos, já que a competição será marcada pelo menor preço.

O Brasil já é o país com maior número de cursos jurídicos, já são mais de 1.800 faculdades de direito e que oferecem em torno de 350.000 vagas anuais.  O país também é o que tem o maior número de advogados por habitantes, são um milhão e oitocentos mil advogados inscritos na OAB, um advogado para cada 174 habitantes.

Mas tem outros dados que precisam ser conhecidos e analisados.  Com esse número de cursos jurídicos e da oferta de vagas em faculdades de direito, tem-se dois milhões e quinhentos mil bacharéis, formados por estas faculdades, mas que não conseguem aprovação nas provas da OAB.  Isso é impressionante, mas já se disse que nada do está ruim não possa piorar. Nas provas da OAB que se encerraram em janeiro de 2021 houve aproximadamente 130.000 inscritos e foram aprovados pouco mais de vinte e dois mil candidatos – índice de 17,41% de aprovados, uma reprovação de 82,59%.  Será que a reprovação não foi dos cursos jurídicos, das Faculdades de Direito?

Pode-se afirmar que isso também tem como causa a pandemia, que exigiu a realização de aulas remotas nos cursos jurídicos, pela excepcionalidade da situação. Mas pode-se imaginar o que irá ocorrer com a oferta de cursos de graduação em sistema 100% à distância?

Se o que move as instituições é a preocupação com o menor preço, qual a preocupação e o compromisso com a qualidade?

Aula presencial na formação jurídica é insubstituível, pela interação do professor com o aluno – deste com os seus colegas – pois não devemos esquecer que o Direito é ciência social e não pode ser transformado em fragmentos ou pílulas de conhecimentos e oferecido sem qualquer interação direta entre alunos, professores e comunidade. 

Em obra escrita pelo ex-reitor da Universidade de Passo Fundo, no livro Universidade Comunitária, destacava que os cursos superiores em Passo Fundo dando origem à UPF, “não foi ato da generosidade de algum governante. Não caiu de paraquedas num determinado lugar. Ela foi pensada e desejada. Nasceu do sonho e da vontade de visionários.” Deve ser destacado que o Curso de Direito foi o pioneiro na nossa região.

Se há mais de 65 anos a comunidade local se mobilizou para que o ensino jurídico pudesse vir para a região norte do Estado, pois só tinha cursos jurídicos na capital e na região sul – movimento que lutava pelo direito de acesso ao ensino jurídico … pelo direito de apreender – logo, muito logo, teremos que mobilizar para que a oferta de cursos jurídicos não tenha como único e predominante critério o valor das mensalidades, mas a qualidade necessária para formar e preparar bons profissionais, pensadores, juristas. Será necessário, talvez, pedir licença para que especialistas do “mercado do direito” dêem lugar a visionários, novamente.

Com a oferta da graduação em direito como ensino à distância – EAD, unicamente para estabelecer uma concorrência como se a educação fosse uma simples relação de mercado, uma mercadoria, pelo menor preço, sem compromisso e preocupação com a qualidade, os prejuízos individual, familiar, social e jurídico serão irreversíveis.

Acredito que pautas e temas com estas repercussões precisam ser conhecidas, discutidas e analisadas pela comunidade e não somente pelas instituições de ensino, desde que se tenha compromisso comunitário e responsabilidade social, política e jurídica.

O que queremos com os cursos jurídicos – qualidade ou menor preço? Formar juristas e operadores qualificados do direito, para qualificar a justiça e propiciar confiança e segurança jurídica ou só fornecer diplomas?

Liberdade de pensamento, de expressão e de opinião são valores que precisam ser alimentados, nutridos e estimulados com bons e qualificados referenciais… lembrando uma frase do ex-presidente americano Barack Obama: “na vida, na política, a ignorância não é uma virtude…”. Leia mais: https://www.neipies.com/a-ignorancia-nao-e-uma-virtude/

Autor: Alcindo Batista da Silva Roque

Edição: Alex Rosset

Pedagogia do envelhecer

Talvez seja urgente e necessário educar nossas crianças para que compreendam a dinâmica da vida em que o envelhecer não é um problema social e sim a oportunidade de compreender o sentido da existência.

No dia 1 de outubro comemora-se o dia do idoso. Uma importante oportunidade para pensarmos de que forma tratamos nossos idosos, pessoas que “gastaram” sua vida na construção de muito daquilo que nos constitui; momento para refletirmos sobre nossa própria condição humana, pois para quem tiver a graça de envelhecer, será nosso futuro; oportunidade para realizar uma espécie de pedagogia do envelhecer.

Em seu livro A velhice, considerado um dos mais importantes ensaios contemporâneos sobre as condições de vida dos idosos, a pensadora francesa Simone de Beauvoir nos apresenta um excelente trabalho para pensar sobre esse tão conturbado assunto, presente em todas as sociedades e em todos os tempos, mas dificilmente enfrentado e tratado com a seriedade e dignidade que merece.

Quando o assunto é velhice, há uma espécie de “conspiração silenciosa”, uma postura tangencial que evita enfrentar uma dura e inexorável verdade que se anuncia, pois preferimos ignorar aquilo que nos assusta e evitar aquilo que nos incomoda. A velhice é algo que nos espera e por isso nos assusta, causa mal estar, perturba.

Num modelo de sociedade que elegeu o protótipo juvenil, a vivacidade, o culto do corpo, a vida frenética, a sedução do consumo, conviver com a velhice é considerada uma ofensa. Tratar da velhice é um assunto sem charme estético, sem apelo político, com pouco interesse midiático (a não ser quando a velhice é romantizada e se torna mercado de consumo), um incômodo social e de pouca produtividade intelectual.

Ninguém quer ser chamado de velho. É preferível utilizar conceitos mais refinados, menos agressivos: terceira idade, pessoa madura, sênior, vovô, vovó etc. No entanto, o crepúsculo da vida acontece.

Parafraseando Heidegger, somos seres que caminhamos para a velhice. “Paremos de trapacear”, nos adverte Simone de Beauvoir, pois “o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha”.

Possivelmente um dos principais motivos que nos fazem evitar a tematização da velhice é o medo que temos do futuro que nos espera, pois a maneira como tratamos os velhos será a maneira como seremos tratados quando assim seremos.

Compreender e exercitar a pedagogia do envelhecer significa aprendermos com nossos idosos (pais, avós, vizinhos, amigos), para que a velhice não seja sinônimo de doença, enfermidade, lamúrias, mas a rica oportunidade de aprender com quem já viveu muito e quem tem muito para nos ensinar.

Uma sociedade que despreza a vida dos mais pobres, que transforma tudo em capital, que advoga um estilo de vida ancorado no consumismo, no prazer e na vida fútil e vazia, que reduz o valor das pessoas pela sua capacidade de produzir ou de consumir, a velhice não constitui atrativo mercadológico, muito menos atenção de políticos medíocres.

Talvez seja urgente e necessário educar nossas crianças para que compreendam a dinâmica da vida em que o envelhecer não é um problema social e sim a oportunidade de compreender o sentido da existência.

Envelhecer com arte não supõe tanta ciência, mas não dispensa, de forma nenhuma, a sabedoria, principalmente a sabedoria dos humildes para aceitar que seus passos sejam mais lentos, que seus joelhos já não se dobrem com tanta facilidade e não sejam mais tão firmes. (Euclides Benedetti). Leia mais: https://www.neipies.com/a-sublime-arte-de-envelhecer/

Autor: Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

O pensamento ambiental de Paulo Freire e as crianças

O que faz do pensamento de Paulo Freire uma aproximação com a educação ambiental é o reconhecimento do ser humano de que está sempre se transformando e encontrando novas soluções para um viver melhor.

Já dizia a filósofa política Hannah Arendt “A educação é onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo.” Sim, devemos amar as crianças e educá-las com esse amor grandioso para que se tornem adultas virtuosas e possam sempre procurar fazer o bem as pessoas ao seu redor, aos animais e a natureza em geral.

A boa educação se resume não somente na criança ir à escola todos os dias para adquirir uma bagagem de conhecimento técnico e pronto. Não! Educar vai além dos muros da escola. Educar é amar. Educar uma criança exige paciência e boa vontade por parte dos pais e professores. Quando aprendemos a educar uma criança, aprendemos também a amá-la com todo o nosso amor. E, certamente, essa criança também aprenderá a nos amar, pois vê na gente aquele adulto que a protege e a educa com carinho e afeto.

No aniversário de 100 anos do nosso educador Paulo Freire eu não poderia deixar de trazê-lo até vocês num texto que é mais um poema dedicado a ele com todo o meu amor e carinho pelo que fez à nossa educação.

Apesar de termos uma parcela de pessoas que o criticam e o excluem, o certo é que Paulo Freire sempre viverá nas academias universitárias públicas, nas escolas as mais longínquas que pudermos imaginar e nas lembranças do homem do campo desde a cidade de Angicos no Rio Grande do Norte até as maiores por onde passou deixando o seu legado de bom educador. Mesmo que inventem outro patrono para a nossa educação brasileira, Paulo Freire permanecerá por muitos séculos como o melhor de todos os educadores que o nosso país já teve e o seu método de alfabetização merece respeito e aplausos.

Mas, Paulo Freire não foi simplesmente um alfabetizador. Ele via o aluno ir distante, ele sonhava com o aluno alcançando novos caminhos, ele fazia com que o seu aluno pensasse além dos muros da sala de aula, foi isso que fez dele esse grande educador reconhecido no mundo inteiro. E nesse seu método de alfabetizar entrava o seu pensamento de tornar o adulto crítico e reflexivo diante das coisas ao seu redor. De forma que esse método foi trazido para o mundo das crianças e, atualmente, muitas escolas de educação infantil e fundamental adotam o seu método. Paulo Freire desejava que o seu aluno aprendesse conforme o conhecimento de mundo que ele trazia para escola. A maioria dos seus alunos era de trabalhadores rurais. Como sabemos um trabalhador rural conhece o campo, a pequena plantação de milho e feijão, os seus poucos animais como duas ou três vaquinhas e etc. Era baseado nesse entorno da escola que tudo acontecia na sala de aula de Paulo Freire.

Quando um aluno de Paulo Freire era solicitado a soletrar a palavra “uva” fazia-se necessário que ele conhecesse sobre aquilo que estava estudando para melhor assimilar o seu conhecimento. Foi assim que surgiu a educação ambiental do nosso grande educador Paulo Freire. Lecionando a homens do campo ele conseguiu descobrir que a criticidade e o pensamento reflexivo para cuidar da natureza era preciso ou o seu aluno jamais seria alfabetizado como desejava. Era preciso cuidar dos mundos daqueles homens e ensiná-los a transformá-los para melhor, a dialogar sobre eles, a pensarem que esses mundos exigem cuidados.

Todos nós sabemos que no campo existem árvores e animais de todas as espécies. E foi assim que convidado para fazer uma palestra sobre meio ambiente Paulo Freire pôde mostrar que no seu método de ensino havia uma preocupação com a natureza. O educador tornou-se uma referência para a temática após ser convidado para participar da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco 92, no Rio de Janeiro.

As escolas que educam as suas crianças baseadas na metodologia freiriana são as que mais se preocupam com o meio ambiente e ao mesmo tempo com o pensamento crítico e reflexivo dos seus alunos.

O pensamento de Paulo Freire sobre a educação ambiental entra na escola de educação infantil e fundamental quando a criança é convidada ao diálogo na construção do seu conhecimento, ou seja, quando o professor deixa que o seu aluno fale daquilo que chama a sua atenção, das coisas ao seu redor e nada melhor do que neste momento o professor introduzir o tema da natureza para que o diálogo possa desencadear várias questões necessárias ao momento em que estamos passando com poluição, desmatamento, queimadas e tantos outros problemas. Esse diálogo sempre conduzido pelo professor pode trazer o tema do meio ambiente e outros também, o importante é que o aluno possa apresentar o seu pensamento de forma autônoma e crítica. Assim, é dada a oportunidade ao aluno de pensar na importância das florestas, dos animais, dos oceanos e etc.

Outro aspecto que pode ser observado no pensamento de Paulo Freire e trazido para a sala de aula das crianças é quando as vemos como agentes transformadoras da sociedade e do meio onde vivem, ou seja, a criança que tem o pensamento crítico ela consegue com a sua curiosidade transformar o mundo em sua volta fazendo com que os adultos reflitam sobre os seus gestos e atitudes. Isso pode ser bem utilizado quanto ao meio ambiente, pois a criança que dialoga na escola sobre a natureza vai saber que não se pode jogar lixo na rua e, logo vai chamar a atenção do adulto para a sua atitude. Com isso, ela consegue transformar as pessoas para melhor criando um mundo mais saudável para se viver.

Transformar a sociedade para uma criança sozinha pode ser bem difícil e quase impossível, mas se a criança tiver o auxílio de pais e professores certamente ela conseguirá. Essa sociedade que está cheia de vícios e atitudes agressivas ao meio ambiente. Não se aprende mais soletrando como antigamente, mas se aprende ainda conhecendo as coisas no entorno da escola e com o conhecimento de mundo que as crianças trazem para dentro dela. E isso é importante.

“Em ‘Pedagogia da indignação’, Freire diz que não tem como a educação acontecer sem levar em conta o entorno da escola. Do pensamento freiriano o aluno sabe que está inserido num local e que faz parte do planeta. Com esse saber o aluno ou criança traz tudo o que tem fora dos muros da escola para dentro dela. E o que tem no planeta de grandioso? O meio ambiente. Essa natureza que precisamos cuidar e que os adultos todos os dias a agridem.

Quando uma criança vê uma floresta sendo queimada ou uma árvore sendo derrubada isso está ocorrendo no local onde vive e é preocupante para ela saber que não pode fazer nada sozinha, mas pode levar tudo o que presenciou lá fora para dentro da escola e dialogar com os professores e amigos sobre o que fazer para evitar tais problemas ambientais. A criança conhece melhor o nosso planeta do que nós próprios porque ela pesquisa, ela lê, ela é curiosa, ela busca nos livros e na internet respostas sobre coisas que deixamos passar despercebidas. Na fase da alfabetização quando se está aprendendo a ler a palavra “árvore” muitas dúvidas surgem na sala de aula, muitos pensamentos são expostos e tudo isso o professor deve aproveitar para construir um diálogo onde as crianças tenham vez e voz de falar.

Quando a gente fala da natureza nos vem à mente logo florestas, oceanos e animais. Mas, há uma dimensão muito maior em tudo isso que é preciso pensar criticamente sobre como resolver as questões que estão ameaçando a natureza. Há uma ideia no senso comum de que a educação ambiental é necessária para salvar as árvores, os animais e os rios das agressões dos adultos, porém é algo que vai mais além.

Faz-se necessário cuidar da natureza porque ela é a garantia da vida como um todo e porque a gente está ligado a ela. Neste contexto entra mais uma vez o pensamento de Paulo Freire, pois a garantia de vida do homem só pode ocorrer se ele cuidar das coisas ao seu redor, do seu local de moradia, do seu planeta. Assim é que quando ensinamos as crianças a plantarem árvores e limparem as folhas secas dos canteiros das nossas cidades estamos ensinando-lhes a cuidarem do planeta, mas para isso é preciso que as expliquemos o motivo de estarmos praticando aquela ação e deixemos que elas nos façam perguntas.

O nosso grande educador Paulo Freire não escreveu textos propriamente sobre o meio ambiente, mas o seu pensamento tem muitas questões que podem servir para o seu ensino. Como todo bom educador, o seu pensamento pode ser utilizado em todas as áreas do ensino.

A educação crítica problematiza, faz o aluno pensar, sai do comodismo e nos traz indagações necessárias aos dias atuais: isso sempre foi assim? Pode ser diferente? O que fazer agora? Como fazemos? Por que estamos fazendo assim? Como melhorarmos? São indagações como essas que levam as crianças a refletirem sobre os problemas que têm afetado o meio ambiente e que precisam ser discutidos tanto dentro da escola como em casa e nas brincadeiras com os coleguinhas.

Afinal, uma criança não pode permitir que o seu amiguinho jogue a garrafa plástica que tomou água no meio da rua, mas explicar a ele o motivo de não fazer aquilo para o bem do nosso planeta.

Uma contribuição freiriana importante para a educação ambiental é a visão do ser humano como ser inacabado, logo o mundo é inacabado também e pode ser transformado. O que isso quer nos dizer? A criança precisa saber que ela vai aprender um pouco todos os dias e que ela vai se moldando ao longo do tempo. Essa aprendizagem a ajudará a transformar o mundo ao seu redor, pois fará dela uma pessoa crítica e reflexiva em relação as coisas como lhe são apresentadas e como gostaria que elas fossem.

O mundo pode ser modificado por nós, cada um de nós pode interferir no mundo e fazê-lo ficar parecido conosco. Como seres inacabados, as crianças sentem vontade de todos os dias irem para escola e aprenderem um pouco mais para formarem os seus espíritos com conhecimentos críticos que possam auxiliá-las a construir um mundo melhor para si e para as pessoas que amam. Você já experimentou perguntar para uma criança: o que você faria para melhorar o planeta? Certamente muitas respostas interessantes serão alcançadas e assim formar um grande diálogo sobre este assunto.

Ainda em “Pedagogia da indignação”, Freire diz que não tem como a educação acontecer sem levar em conta o entorno da unidade escolar. A criança aprende que o planeta é algo que está ali perto de si, ao seu entorno, é o seu bairro, é a sua rua, é a sua casa. Descobre que o planeta não é algo abstrato e longe de si. Assim, a escola passa a ser um lugar onde vai contribuir com a cidadania planetária. A criança se percebe nesse local e que as suas atitudes vão contribuir para o todo e que é preciso melhorar as ações para a vida continuar existindo. É neste momento de descoberta por parte da criança que o professor e os pais devem apresentar-lhes filmes, documentários e livros sobre a importância de proteção ao planeta. Isso ajudará a criança a entender que o seu planeta Terra é esse lugar onde vive e onde estão todas as coisas ao seu redor e que tudo o que fizer impactará nele.

Para a criancinha, o planeta parece ser uma coisa longínqua e que ela nunca vai alcançar, quando na verdade ela precisa descobrir que vive dentro dele.

O professor pode convidar a criança para descobrir as coisas fascinantes do nosso planeta Terra fazendo caminhadas entorno da escola, fazendo trilhas em sítios ecológicos, passeios a parques florestais. Ele também pode encorajar a criança a falar do local onde vive, como é a sua rua, como é a sua cidade e o que acha delas. Esses conceitos freirianos podem ser trabalhados com teatros de fantoches, paródias, desenhos e etc. Os desenhos podem ser bastante explorados sempre solicitando para que as crianças desenhem como é o lugar onde vivem e como poderia ser para melhorar a vida ao seu redor. O professor deve permitir que a criança crie e não aprontar nada para ele. Também deve sempre se manter o diálogo buscando explorar a curiosidade das crianças sobre os problemas de calçamento, saneamento básico, lixo nas ruas e etc., nesses debates.

O que faz do pensamento de Paulo Freire uma aproximação com a educação ambiental é o reconhecimento do ser humano de que está sempre se transformando e encontrando novas soluções para um viver melhor. Assim é preciso ensinar a criança. Que ela possa aprender a buscar sempre transformar-se para que a sua vidinha seja sempre cheia de alegrias e coisas boas. Com isso, a criança sabe que se o dia hoje não foi bom para ela, amanhã poderá ser melhor e que se não conseguiu aprender um assunto ensinado pelo professor hoje terá o amanhã para aprender. É preciso ensinar a criança que todos os dias é tempo de aprendemos algo novo e de que devemos agir sempre em busca do bem do nosso planeta para uma vivência saudável.

O diálogo e o agente transformador começam dentro de casa e depois vai para a escola, é preciso que os pais saibam disso desde a tenra idade da criança. Não basta entregar a sua criança a escola e esperar que ela faça tudo para a aprendizagem crítica e reflexiva do seu pequenino ser, mas que esse ser inacabado possa sempre agir para transformar o mundo ao seu redor e transformar-se a si mesmo visando o melhor para a sua vida e para tudo aquilo que está ao seu redor.

Ensinar as crianças a cuidar do meio ambiente para que a vida continue existindo é bastante importante. E esse ensinamento pode chegar com o pensamento de Paulo Freire dando autonomia à criança para pensar por si mesma e não que lhe introduzam conhecimentos no seu pensar sem que possa refletir para que isso tudo vai lhe servir.

Todo conhecimento ensinado a criança deve ter um motivo, uma explicação, não se vai descendo goela abaixo um conhecimento que nem se sabe o que vai fazer com ele agora ou mais tarde. É preciso respeitar o pensamento da criança. Também é preciso respeitar o seu conhecimento de mundo. O professor deve se colocar como um mero observador, quem é o protagonista de tudo é o aluno, ou seja, a criança.

E foi Paulo Freire que nos disse “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.” Que nós possamos ver alegria nesse processo de busca ao transformar as coisas ao nosso redor e ao nos transformar sempre almejando a boniteza dos nossos gestos. Os gestos da criança que pensa com autonomia são sempre grandiosos e curiosos, ela quer cada vez mais saber o porquê das coisas e isso faz bem para si. Quando crescer passará a ser um adulto crítico que não aceitará determinadas atitudes e palavras que possam ferir o seu espírito crítico e reflexivo.

Da mesma forma se apresenta a criança que quer transformar o seu planeta, de repente ela pode com a ajuda dos pais plantar uma árvore no seu quintal ou desenhar um dia de sol para presentear a vovó. Tudo é motivo de alegria e boniteza quando a busca necessária ao conhecimento se dá através de um ensino-aprendizagem onde a criticidade da criança possa dialogar com as nossas ações e atitudes diante do mundo que nos rodeia.

Deixo vocês nesta manhã de primavera com os versos do meu amado poeta Alberto Caeiro, o poeta da natureza, que nos diz o seguinte “Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? / A de serem verdes e copadas e de terem ramos / E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, / A nós, que não sabemos dar por elas. / Mas que melhor metafísica que a delas, / Que é a de não saber para que vivem / Nem saber que o não sabem?”

 Que as nossas crianças não precisem saber para o que vivem assim como as árvores do nosso poeta, e que a as suas metafísicas sejam sempre as de buscar o nada dentro de uma árvore frutífera desenhada nos seus pensamentos críticos. Amei estar com vocês nesta manhã linda onde os pardais cantam à minha janela!

Começamos a nos educar quando passamos e exercitar a admiração pela beleza da vida, não como turistas, mas como nativos que dividem o seu território, o seu ambiente exterior e interior com os demais seres que o habitam. Quando, então, amar e respeitar se tornam ações compartilhadas. E hábitos são transformados a partir de um contínuo trabalho interior. (Sergio Augusto Sardi) Leia mais: https://www.neipies.com/educacao-ambiental-e-pedagogia-do-amor/

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Por que ensino religioso na educação básica?

O Ensino Religioso é conhecimento/ é cultura que precisa ser estudada nas escolas, visto que a religiosidade é uma dimensão que compõe o ser humano. Negar essa dimensão significaria prestar um desserviço a formação humana, cada vez mais urgente neste cenário marcado pela intolerância, pelo desrespeito a vida, pelos totalitarismos que se impõe ferindo a dignidade e destruindo o planeta terra.

Este é o segundo de três ensaios sobre o Ensino Religioso escolar. No primeiro ensaio abordamos, ainda que de forma breve, a história deste componente curricular, na sua origem vinculado a Igrejas e ao ensino de doutrina:

O catolicismo, religião considerada na época oficial e hoje a que tem maior número de adeptos, contribuiu para essa concepção de um ensino religioso com caráter catequético. Pensando na realidade brasileira isso se torna ainda mais crível se considerarmos o “descobrimento” da América Latina, a catequização dos que aqui residiam e toda educação Jesuíta que se seguiu. Você pode acessar esse primeiro ensaio aqui: https://www.neipies.com/historia-fundamentos-e-metodologia-do-ensino-religioso-escolar-ensaios-de-uma-reflexao-em-construcao/  

Neste segundo ensaio, pretendemos apresentar os fundamentos para um ensino religioso concebido como conhecimento necessário para a formação humana, que se deseja crítica, dialógica, democrática e consequentemente   marcada pela afirmação da alteridade, desta forma pretendemos oferecer uma resposta para a questão: porque é importante o ensino religioso nos currículos escolares?

Em primeiro lugar salientamos que o ser humano possui uma dimensão religiosa, as instituições de ensino, independente do sistema a que pertençam, não podem excluir do seu horizonte pedagógico essa dimensão que é tão importante quanto a política, social, psicológica e ética.

[…] ontologicamente, a dimensão religiosa compõe a estrutura do ser humano. Pressupor, por isso, a dimensão religiosa, significa acreditar que o ser humano é radicalmente religioso, no sentido de raiz e fundamento. A dimensão religiosa seria, então, um fundamento da estrutura do ser humano, e ao mesmo tempo, uma busca, uma tentativa de compreensão dos fenômenos religiosos nos induz a investigar a estrutura do ser humano, a fim de compreender o que seja “o religioso”, ou seja, a dimensão religiosa. A disciplina de ensino religioso, talvez, seja a melhor provocação para uma investigação mais profunda em torno do religioso. (BENINCÁ, 2010. p. 52).  

O Ensino religioso consiste no espaço mais adequado para investigação do fenômeno religioso, visto que no interior das instituições prima-se pela doutrina, o que se constitui em impedimento para contemplar a diversidade, a pluralidade e as especificidades dos fenômenos religiosos como aparecem nas diferentes culturas e tradições. Aqui está um argumento favorável ao ensino religioso como estudo dos fenômenos que envolvem as diferentes práticas, independentemente de serem politeístas, monoteístas, ocidentais ou orientais.

Sendo assim, entendemos também que cabe ao ensino religioso oferecer aos estudantes acesso a ampla cultura religiosa já produzida pela humanidade, visto que é da natureza da escola oferecer aos estudantes acesso aos saberes produzidos:

A escola por sua natureza histórica tem uma dupla função: trabalhar com os conhecimentos humanos sistematizados, historicamente produzidos e acumulados, e criar novos. Os mesmos são produto da experiência individual (senso -comum), da ciência, da filosofia e da teologia. Embora tenha como ponto de partida o conhecimento revelado, a teologia é uma reflexão humana, ou seja, um saber humano. (BENINCÀ, 2010, p.64).

Entendemos que o Ensino Religioso precisa ser ofertado na escola porque se trata de um conhecimento, com objetos específicos a serem estudados. Embora possa não interessar a todos, é de grande relevância que as religiões, os fenômenos religiosos sejam estudados e conhecidos. A educação não pode se eximir do dever ético de formar para posturas cidadãs, inclusivas, o que se faz a partir de valores que o ensino religioso pode ajudar a solidificar enquanto componente que possui suas especificidades e seu caráter de valorização da diversidade e dos diferentes modos de crer e viver, essa premissa se torna ainda mais crível se consideramos que no Brasil “a cada 15 horas ocorre uma denúncia de intolerância religiosa ou seja, alteridades são negadas, concepções totalitárias se impõe pela força da violência, do desrespeito, da negação da liberdade, o que se constitui em violação do 18º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.” (PEREIRA, Marciano. 2021).  

Importante salientar que o ensino religioso, quando “ministrado” na perspectiva do respeito às alteridades, favorece para construção de uma cultura da paz, que não ocorre sem um agir democrático e coerente com os Direitos Humanos.

Ainda nesse sentido, ao pensar essa dimensão humana e acessar conhecimentos religiosos já produzidos pela humanidade, os estudantes são instigados a refletir a própria existência, a finitude e o valor da vida, a importância dos rituais, dos valores éticos e morais de cada crença, cujo fenômeno é estudado e investigado. Mais do que em outros tempos, precisamos proporcionar uma educação para a paz, visando produzir uma cultura democrática que acolha e dialogue com a diversidade, esse princípio emana da liberdade como salientou o papa Francisco em seu discurso sobre liberdade religiosa:

“A razão reconhece na liberdade religiosa um direito fundamental do homem que reflete a sua mais alta dignidade, aquela de poder procurar a verdade e de aderir a ela, e reconhece nessa uma condição indispensável para poder empregar toda sua potencialidade. A liberdade religiosa não é somente aquela de um pensamento ou de um culto privado. É a liberdade de viver segundo os princípios éticos consequentes da verdade encontrada, privada ou publicamente. (Papa Francisco 20/07/2014)

A partir deste princípio salientado pelo Papa Francisco, entendemos e frisamos que a escola é o local adequado para o estudo e a produção de cultura. É na escola que além do estudo os sujeitos se encontram com a diversidade de orientações também religiosas, por isso conhece-las do ponto de vista fenomênico significa promover a liberdade enaltecida no trecho do discurso citado acima. Ainda sobre esse aspecto salienta Benicá sobre a sala de aula:

Um espaço onde o fenômeno   religioso pode ser observado é a sala de aula. O fenômeno é evidenciado: na curiosidade dos alunos sobre “verdades” que envolvam o tema do mistério e do absoluto; no vinculo dos valores e comportamentos morais com as doutrinas das instituições religiosas. Esse fenômeno se expressa, na maioria das vezes, em forma de contestação, como proibições: nos objetos artísticos com sugestões simbólicas; nas diferenças de credos, doutrinas rituais; nas aproximações de doutrina, de culto, de ritos em prol da saúde, entre os grupos religiosos; na capacidade de dialogar sobre o religioso, sem gerar agressão e violência […]. (BENINCÁ 2010. p. 59).

Frisamos que a escola pode valorizar a dimensão religiosa de cada sujeito e oferecer acesso à cultura religiosa, visando educar para uma cultura da paz. No entanto, não é objetivo do ensino religioso escolar propor a vivência de uma religião aos estudantes, existe o âmbito da vivência religiosa que pode ocorrer ou não, deste o seio familiar, a escola não desautoriza, não nega esse fato, ao contrário, acolhe, valoriza e dialoga com tais vivências dentro do conjunto maior de fenômenos religiosos encontrados na cultura dos povos deste o surgimento da humanidade até os dias de hoje.

O Ensino Religioso é um conhecimento/ é cultura que precisa ser estudada nas escolas, visto que a religiosidade é uma dimensão que compõe o ser humano. Negar essa dimensão significaria prestar um desserviço a formação humana, cada vez mais urgente neste cenário marcado pela intolerância, pelo desrespeito a vida, pelos totalitarismos que se impõe ferindo a dignidade e destruindo o planeta terra.

De que forma as aulas de ensino religioso podem se constituir em espaços para investigação do fenômeno religioso, para o desenvolvimento de atitudes humanizadoras fundadas no respeito a alteridade? Qual/ quais metodologias favorecem um ensino pautado nos princípios apresentados neste ensaio? Essas são as perguntas que tentaremos responder no terceiro ensaio.

Referências:

BENINCÁ, Elli. Religião, Saúde e o Popular. Passo Fundo. Editora Berthier 2010.

PEREIRA Marciano. Palavras de Esperança e Religiosidade em Tempos de Pandemia. Disponível em https://www.neipies.com/palavras-de-esperanca-e-religiosidade-em-tempos-de-pandemia/#_ftn1 Acesso 02/09/2021.

Audiência com os participantes da Conferência Internacional “A liberdade religiosa segundo o direito internacional e o conflito de valores” Sala do Consistório – Vaticano Sexta-feira, 20 de junho de 2014. Disponível em https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/discursos/discurso-do-papa-sobre-liberdade-religiosa-200614/ Acesso 05/09/2021.

Autor: Marciano Pereira

Edição: Alex Rosset

Aqui os saberes se humanizam

O Centro de Ensino Médio Integrado UPF, mantido pela Fundação Universidade de Passo Fundo, atua em nossa comunidade há 32 anos, oferecendo a nossos jovens cursos de ensino médio e de educação profissional, estes por meio de cursos Técnicos e de Especialização Técnica. Atualmente, atende a mais de 600 alunos e conta com importante diferencial, visto que, seus estudantes têm acesso a laboratórios, à rede de bibliotecas da FUPF e a uma plataforma digital própria para as aulas on-line.

O Centro de Ensino Médio Integrado UPF é uma instituição de ensino cuja função básica consiste na formação de cidadãos competentes, conscientes e comprometidos com a construção sistemática e crítica do conhecimento, pessoal e coletivamente, a partir da interação entre os vários sujeitos nela envolvidos. Além disso, propõe-se a desenvolver a solidariedade, a criatividade, a responsabilidade, os direitos humanos, os imperativos ecológicos, a valorização da vida e a compreensão da cultura e da história.Queremos destacar a importância deste Educandário, de inspiração humanista, na formação de jovens estudantes da cidade de Passo Fundo e região, entrevistando o diretor Jonir Dalbosco.

SITE NEIPIES: Professor Jonir, fale-nos da sua atuação e da atuação da sua equipe junto ao Centro de Ensino Médio Integrado UPF. Quais são os desafios atuais? 

Professor Jonir Dalbosco: Primeiramente, agradeço a oportunidade de poder apresentar um pouco sobre nossa instituição de ensino que, neste ano, completa 32 anos na formação de adolescentes, jovens e adultos por meio de nossos cursos de Ensino Médio, Técnicos e Especialização Técnica. Neste ano, estamos trabalhando para a implementação do novo Ensino Médio, para cursos Técnicos na modalidade EaD e para a implantação do Ensino Fundamental. Neste cenário, compreendo que a gestão educacional necessita estar sempre atenta, atuante e embasada nas legislações vigentes para fundamentar o desenvolvimento de novas práticas educacionais, as quais envolvem não somente o processo de ensino e de aprendizagem, mas também a formação integral de nossos estudantes. 

Acredito muito que a sensibilidade da gestão com as individualidades de nossos estudantes, professores, colaboradores e famílias seja determinante para que o desejo e o sentimento de pertencimento em relação à escola e ao processo de formação aconteça de forma leve e natural, sem obrigatoriedade e, sim, de forma prazerosa. Em relação aos desafios, acredito que eles são e sempre serão muitos, pois a vida nos impõe desafios diários e eles estão presentes em qualquer instituição.

No momento, porém, os desafios são mais intensos, devido à pandemia que trouxe mudanças de cenários e um novo formato de ensinar e aprender por meio das plataformas digitais, além da vigilância constante para que os protocolos sanitários e de distanciamento sejam cumpridos por toda a comunidade escolar, zelando sempre pelo bem-estar, pela saúde e pela segurança de todos. Também, o momento é de compreensão e de sensibilidade em relação à aprendizagem de nossos estudantes durante as aulas on-line, híbridas, e agora com a presencialidade. Entendo que os desafios são como combustíveis, necessários para que o movimento educacional aconteça.

SITE NEIPIES: Qual é o diferencial que este educandário oferece para a formação dos jovens estudantes? 

Professor Jonir Dalbosco: O diferencial de nossa instituição está primeiramente no acolhimento individual e coletivo que oferecemos a toda a nossa comunidade escolar, em especial aos nossos protagonistas, os estudantes. Oportunizar espaços que promovam o sentimento de pertencimento, e o convívio feliz e compartilhado com colegas, professores e colaboradores; costumo dizer que “onde há felicidade, há aprendizagem”. A infraestrutura da Fundação Universidade de Passo Fundo (variedades de laboratórios, ampla área verde, espaços diferenciados para educação física, biblioteca, centro de convivência, auditórios e cursos de graduação) está disponível e são compartilhados e vivenciados por nossos estudantes no ensino médio e na educação profissional. Nossa proposta pedagógica dialoga com a formação cientifica, técnica e humanista, por meio de currículos diferenciados que integram componentes curriculares, temas transversais e a interdisciplinaridade. O processo de formação acontece em diferentes cenários oportunizados pela gigantesca infraestrutura da FUPF, além do convívio diário em um ambiente universitário, onde o ensino, a pesquisa e a extensão agregam-se a nossa metodologia de ensino.

O olhar individualizado para cada um de nossos estudantes, olhar este com afeto, empatia, respeito e cuidado, a valorização de nossos docentes, o incentivo ao aprimoramento acadêmico e a formação continuada e a comunicação constante e agregadora junto às famílias são diferencias que acreditamos serem relevantes em nossa instituição e tão importantes quanto o processo de ensino e de aprendizagem. Somos a única escola de Passo Fundo que tem plano de carreira para docentes e funcionários, visto que, incentivamos o aperfeiçoamento constante e a qualidade do ensino e dos serviços prestados à comunidade escolar.

Ademais, os resultados alcançados ao longo de nossa caminhada refletem no sucesso de nossos estudantes nos concursos (Enem e vestibulares). Em relação ao Enem, o Integrado UPF tem destacado no ranking das Escolas Públicas e Particulares de Passo Fundo.

As escolhas e a vida profissional de nossos egressos nos enchem de orgulho e nos dão a certeza de que o Integrado contribuiu e certamente e continua sendo referência em suas vidas. 

SITE NEIPIES: A perspectiva humanizadora também está escrita nas finalidades do Centro Integrado UPF. Como se persegue, na prática cotidiana escolar, este objetivo?

Professor Jonir Dalbosco: A principal função de uma Escola é a formação integral de seus estudantes. Logo, muito mais do que ser um espaço que promove a aprendizagem, o conhecimento, os saberes e os fazeres, deve ser um espaço de relações, de compartilhamento, de formação de sujeitos cidadãos, um espaço individual e coletivo.

A unicidade de cada ser (estudante, docente, colaborador e família), assim como a essência trazida por cada um, precisa ser compreendida. Faz-se necessário, assim, compreender que o processo de aprendizagem é diferente para cada estudante; compreender as histórias e as experiências trazidas e principalmente compreender os anseios e as dificuldades de nossos estudantes.

Ensinar a acolher e ser acolhido, que todos possuem direitos e deveres e que o convívio com as diferenças torna as pessoas mais humanas, solidárias e felizes. Essa é nossa postura enquanto gestão, orientação educacional e educadores – protagonizamos juntamente com nossos estudantes a vida escolar acolhedora e a formação humanística. Nas palavras do Educador e Filósofo Paulo Freire, “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

SITE NEIPIES: Quais as mudanças mais significativas na educação, neste momento histórico, advindas da pandemia?

Professor Jonir Dalbosco: No meu entendimento, como professor há 27 anos, a educação só tem significado se ela for agregadora, amorosa, empática e resiliente. A pandemia que ainda nos circunda, que nos traz desafios e que ainda nos causa inseguranças e incertezas, também nos traz resiliência, novas aprendizagens e nos impõe mudanças, replanejamentos e novas estratégias para ensinar e aprender. As instituições de ensino, em todos os seus níveis (Educação Básica e Superior), necessitaram e ainda necessitam um pensar e um agir rápido, sem muito tempo para diálogos ou reflexões, pois, de um dia para o outro, a vida nos impôs levar a Escola para as residências e as residências para a Escola, e os espaços de compartilhamento das escolas se tornaram espaços enclausurados apenas conectados por intermédio da tecnologia.

No ano de 2020 e parte de 2021, o ensino presencial tornou-se remoto através das plataformas digitais. Foi um período de muitas buscas, de compreensão e de aprendizagem, quando nós professores necessitamos de instrumentalização, de formação e de ajuda mútua para que pudéssemos chegar de forma remota nos lares de nossos estudantes.

Como ensinar sem a interação presencial, sem o aconchego da sala de aula presencial? Como promover o processo de ensino-aprendizagem? Desafios constantes e alguns angustiantes, como o uso de novas tecnologias e plataformas digitais. Como estimular e promover a aprendizagem dos estudantes? Como promover o desejo de estar em movimento com a escola e como avaliar? Como diagnosticar, medir e compreender a aprendizagem?

Tantos questionamentos que ainda são momentos de reflexão; portanto, acredito que é possível aprender sempre, pois a cada instante a vida nos ensina, e se ela nos ensina, então estamos aprendendo. Neste contexto, se aprendemos em tempos e de formas diferente as aprendizagens durante a pandemia, e ainda nos dias atuais aconteceram e acontecem, agora é momento de compreender essas aprendizagens e de utilizá-las para um novo fazer escolar, que necessita ser mais humano, individualizado, empático, tecnológico, criativo, ousado e acolhedor. Precisamos promover a reinserção escolar, compreender as defasagens provocadas por um tempo atípico, único e sem precedentes na vida das pessoas e em especial de nossa comunidade escolar.

Durante a pandemia, a aproximação com as famílias e com os estudantes foi ainda maior, mesmo que distantes, mas, conectados pela tecnologia. Foi possível perceber que alguns adolescentes adoeceram ou passaram por abalos de sua saúde mental, ocasionados pelo isolamento social e pela falta da interação, que é extremamente relevante nesta etapa da vida. As aulas remotas, as atividades domiciliares e a falta de compartilhamento presencial no processo de ensino e de aprendizagem também contribuíram para esse sofrimento, que ainda está presente atualmente, mesmo com as aulas presenciais. A orientação educacional tem um importante papel na escuta, na compreensão, no diálogo, nos encaminhamentos e na mediação entre estudante/família e docentes.

SITE NEIPIES: Apesar deste contexto de rápidas mudanças, o que, na sua avaliação, deve permanecer como essência, na educação?

Professor Jonir Dalbosco: Em minha leitura de mundo, o que deve permanecer sempre é o bem maior, “a vida” e para a sua manutenção, a saúde, a segurança e o bem-estar das pessoas. O cuidar de si para cuidar do outro, a importância de a escola promover espaços para diálogos e reflexões sobre a unicidade de cada um, mas, que somos coletivos, seres relacionáveis e que, portanto, necessitamos do outro, como necessitamos do ar para viver.

Acredito que a essência na educação está na resiliência, na esperança, na capacidade de adaptação e na criatividade. Necessitamos uma educação amorosa e empática, para que as pessoas se tornem mais amorosas e com pensamentos e ações coletivas, vendo o individual como necessário para existir e o coletivo como essência humana.

Acredito muito na “Educação das Sensibilidades” defendida pelo Educador e Teólogo Rubem Alves: “Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido”. Ensinar com competência, com olhar sensível, único, e promover aprendizagens significativas e que promovam transformação na vida de nossos estudantes.

SITE NEIPIES: A partir de 2022, todas as escolas implantarão o Novo Ensino Médio. Como o Centro Integrado UPF está se preparando/organizando para isso?

Professor Jonir Dalbosco: Estamos trabalhando na implementação do Novo Ensino Médio desde 2020. Nossa primeira intenção era de iniciar ainda no ano 2021; porém, fomos atropelados pela pandemia e então retomamos de forma mais intensa neste ano. Muitas leituras e releituras sobre a legislação vigente, muitos eventos on-line e vídeos assistidos com educadores sobre o novo EM. Adequações no Projeto Político Pedagógico, no Regimento Escolar e a elaboração do novo Plano de Estudos para o Ensino Médio, formação de professores, pesquisa com os estudantes e muitos encontros com a comissão e com a equipe pedagógica foram realizadas. Hoje, estamos organizando o sistema acadêmico, produzindo vídeos informativos sobre as trilhas formativas e planejando as entrevistas com os nossos futuros estudantes, os quais protagonizarão esse novo ensino médio que, na minha concepção, será inovador, desafiador e de adaptação para estudantes e docentes, assim como também para a escola e as famílias – são aprendizagens significativas, interdisciplinares e práticas, vivenciadas através de suas escolhas.

Nosso currículo será de quarenta horas semanais, organizados pela Formação Geral Básica (parte comum a todos os estudantes) e pelos Itinerários Formativos que compõem as Trilhas Formativas, a Formação Técnica e Profissional (parte flexível em que os estudantes podem optar pelas trilhas formativas ou um curso Técnico) e as Unidades Curriculares de Práticas Experimentais, Projeto de Vida e Projetos Integradores (Semana de Formação Integrada, Mostra do Conhecimento, Mostra de Arte, Brechó do Livro, Nós Propomos, Festival de Cinema e Circuito Integrado de Produção Textual).

A nova proposta para o Ensino Médio dialoga com os Temas Contemporâneos Transversais na Formação Geral Básica e com os Eixos Estruturantes nos Itinerários Formativos, articulados com as quatro áreas do conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Matemáticas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias).

Nossos estudantes terão a parte flexível (escolhas) no primeiro e segundo ano, e no terceiro ano será comum a todos com Formação Geral Básica e Trilhas Formativas de Aperfeiçoamento de Estudos (preparação para Enem e vestibulares). Nosso currículo oportuniza dezesseis Trilhas Formativas (Da ficção à realidade, Comunicação Criativa e Mídias Digitais, Educomunicação, Laboratório Jurídico, Identidade e Cidadania, Empreendedorismo Social, Mediação Sociocultural, Empowerment, Energias do Futuro, Gerenciamento Ambiental, Robstean: ciência em ação, Ciências da Saúde, Criatividade e Inovação, Busines School/Escola de Negócios, Building Green e Startup) e cinco cursos Técnicos (Alimentos, Eletrotécnica, Enfermagem, Mecânica e Segurança do Trabalho), que serão desenvolvidos no primeiro e no segundo ano. As Trilhas Formativas também estarão integradas aos cursos de graduação da Universidade de Passo Fundo.

SITE NEIPIES: Soubemos que haverão mudanças importantes previstas para o ano 2022, como a implantação das séries finais do Ensino Fundamental. Fale-nos sobre isso.

Professor Jonir Dalbosco: Estamos expandindo nossa Escola e será implantado em 2022 o Ensino Fundamental com a mesma qualidade e infraestrutura que o Integrado dispõe por estar inserido dentro de uma Universidade. Contará com carga horária e currículo diferenciado e integrado aos diversos laboratórios para as práticas experimentais, dialogando com a investigação cientifica, a cultura digital, a arte (dança, cênica e plástica) e a língua estrangeira dividida por nível de conhecimento, atividades de ensino (tema) orientadas pelos professores e compartilhada com os colegas de turma.  Crescer e aprender em meio à natureza e descobrindo a vida através de um novo método de ensino integrado a grandes e novas formas de ensinar e aprender.

No ano de 2022, será ofertado o nono ano, com quarenta horas semanais, e o oitavo ano, com trinta seis horas semanais; em 2023, todos os anos finas, do sexto ao nono ano; e, em 2024, todo o Ensino Fundamental anos iniciais e finais (primeiro ao nono anos). Destaco dois espaços únicos e diferenciados que estarão disponíveis aos nossos estudantes do EF, o Laboratório de Pesquisas e Aprendizagens Lúdicas – Brinquedoteca e o Centro de Referência de Literatura e Multimeios – Mundo da Leitura.

SITE NEIPIES: Como estão estruturados os Cursos Técnicos? Qual a sua importância nos dias atuais?

 Professor Jonir Dalbosco: O Centro de Ensino Médio Integrado UPF oferece para a comunidade de Passo Fundo e região, cursos Técnicos desde 1994 e já formou ao longo de sua trajetória mais de dez mil estudantes das diversas áreas do conhecimento, que hoje atuam como profissionais Técnicos de Nível Médio, em empresas, indústrias, hospitais, clínicas, rede básica de saúde, instituições de ensino e autônomos.

Nossos cursos técnicos têm duração de dois anos e carga horária de 1200 horas de aulas teórico-práticas e 400 horas de estágio supervisionado, desenvolvido em unidades concedentes conveniadas com a FUPF

Toda a infraestrutura da Fundação Universidade de Passo Fundo está disponível para os estudantes dos cursos técnicos que compartilham os mesmos espaços que os estudantes dos cursos de graduação da Universidade, laboratórios específicos para cada curso e área do conhecimento, rede de bibliotecas e mais ambientes para pesquisa. Hoje, o Integrado oferece seis cursos Técnicos (Alimentos, Eletrotécnica, Enfermagem, Mecânica, Radiologia e Segurança do Trabalho), além de uma Especialização Técnica em Radioterapia. Ofereceremos um novo curso no segundo semestre de 2022, o curso Técnico em Química. Nossa instituição também oportuniza benefícios como bolsas de 50% e 100%, crédito educativo Pravaler, desconto de até 20% para empresas conveniadas e desconto de 50% na UPF Idiomas.

Fazer um curso técnico nos dias de hoje, além da habilitação/diplomação, da formação e preparação para o mercado de trabalho, oportuniza o ingresso ou a progressão no trabalho para adolescentes, jovens e adultos. Com curta duração, menor investimento e alta empregabilidade, o curso técnico promove a qualificação por intermédio da formação inicial e garantida pela formação continuada.

Profissionais Técnicos de Nível Médio são essenciais para o mercado de trabalho, pois garantem para empresas, indústrias e outros cenários, qualidade nos serviços prestados e com fundamentação técnica, cientifica e humana.

SITE NEIPIES: Uma mensagem sua, como diretor deste importante educandário, aos adolescentes e jovens que estão à procura de uma boa escola de Ensino Médio.

Professor Jonir Dalbosco: As escolhas sempre partem de uma decisão, às vezes, acertadas e outras não. Escolher nem sempre é tarefa fácil, pois a partir de nossas escolhas, nossas histórias serão escritas.

Convido você, caro estudante, a vir conhecer o nosso querido Integrado UPF; a conhecer a nossa estrutura inserida em uma grande Universidade, com uma belíssima área verde e com espaços privilegiados e preparados para você que ainda no Ensino Médio deseja vivenciar novas experiências e oportunidades dentro de um campus universitário. A instituição conta com currículo, carga horária e processo avaliativo diferenciado, com proposta pedagógica ousada, acolhedora e formadora de sujeitos competentes e íntegros e que protagonizam, através do autodesenvolvimento, suas próprias histórias. Venha SER INTEGRADO UPF, aqui os SABERES QUE HUMANIZAM.

SITE NEIPIES: Uma frase, um pensamento, que diga algo sobre a sua atuação como diretor de escola ou que diga algo sobre a educação neste momento histórico.

Professor Jonir Dalbosco: “O saber não nos torna melhores nem mais felizes”. Mas a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas. (Edgar Morin)

Fotos: Divulgação/arquivo pessoal

Legendas: Abertura IX Mostra do Conhecimento Ensino Médio/ Quentão pedagógico/ Formação dos professores/Simulado/Estudos Novo Ensino Médio.

Edição: Alex Rosset

O ser e o não-ser das crianças e das árvores: de Parmênides a Paulo Freire

Cada criança e cada árvore tem o seu jeito de ser. As árvores, por exemplo, podem ser da mesma espécie, mas cada uma delas tem algo que as diferencia das outras, por isso é importante que conservemos as florestas para que possamos ter uma diversidade de árvores capazes de nos transmitir narrativas distintas, mas que dizem coisas quase sempre iguais, pois juntas e próximas umas das outras elas se conectam com os deuses e nos transmitem mensagens parecidas.

Assim dizia o poeta Manoel de Barros “Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa / Com janelas de aurora e árvores no quintal – / Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores / E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.” Sim, Senhor ajudai-nos a construir as nossas casas mesmo no meio da cidade grande com árvores frondosas e cheias de galhos.

Para que as crianças possam desfrutar de seus frutos e folhas nos finais de tarde diante da primavera ou até mesmo do outono. Que as suas folhas sejam as roupas da terra a embelezar o chão. Em cada casa haverá uma criança e uma árvore a brincarem de ser felizes além deste mundo real, mas no mundo que só as crianças conseguem entrar, o imaginário.

Outro dia fui questionada o que é o ser das coisas e se existe o ser existe também o não-ser. Isso levou-me a pensar no filósofo Parmênides e, de repente, me peguei pensando também nas crianças e nas árvores. Nesses seres que tanto amam e fazem da minha vida uma constante alegria. Talvez nunca tenha parado para pensar na verdadeira existência das crianças e das árvores, na relação de afeto que tenho por elas e isso me deixou intrigada.

Penso que sem as crianças e sem as árvores eu não seria quase ninguém, quase nada nessa vida, porque tudo ao meu redor tem um pouco de criancice e um pouco de árvores. Já falei aqui da minha pequena floresta que foi queimada, do meu cajueiro da infância, da mangueira de dona Marilde e também vivo a falar das crianças que fazem parte do meu viver. Talvez não tenha falado tanto de como são essas crianças, e isso deixe vocês um pouco curiosos.

As minhas crianças gostam de brincar na rua. Ficam a correr pra lá e pra cá o dia inteiro. Não gostam de produtos eletrônicos. Preferem uma partida de futebol, uma brincadeira com bonecas do que ficarem presas na tela de um celular ou tablet. Também gostam de proteger a natureza e nunca pisam nas flores dos canteiros da minha rua. São crianças alegres e dificilmente ficam doentes. Estão sempre a sorrir das coisas mais engraçadas que acontece no dia a dia e com tudo fazem uma festa.

Sim, elas existem e vivem perto de mim. Gostam de gatos, cachorros, patos, sapinhos e lagartixas. Adoram fazer barulho. Quando a rua está silenciosa é porque elas estão na escola. Sim, elas fazem parte do mundo do ser, ou seja, de tudo aquilo que existe e nós conseguimos formar uma ideia no pensamento.

Estudo o filósofo Parmênides faz alguns anos. Não podemos dizer ao certo quando nasceu e morreu Parmênides, apenas localizá-lo entre o final do século IV e começo do século V a.C. Sabemos, no entanto, que ele foi o criador da Escola Eleática. O pensamento da escola eleática, dos quais também são representantes Melisso e Zenão, é marcado por não procurar uma explicação da realidade baseada na natureza.

As preocupações dos filósofos eleatas eram mais abstratas e podemos ver nelas o primeiro sopro de uma lógica e de uma metafísica. Defendiam a existência de uma realidade única, por isso ficaram conhecidos também como monistas, em oposição ao mobilismo. A realidade para eles é única, imóvel, eterna, imutável, sem princípio ou fim, contínua e indivisível.

Sempre intrigou-me a sua teoria do ser e do não-ser. Talvez para alguns sejam uma teoria simples, mas não é. Ela é complexa e exige bastante estudo e anos de pesquisa. Dizer que uma coisa é e que ela não pode ser e não ser ao mesmo tempo é meio confuso. Algo somente pode ser porque esse algo pode ser formado em nosso pensamento e tudo aquilo que nos cria uma ideia de imagem existe. O não-ser não existe porque ele não cria uma ideia. Ele é vazio de pensamento. Não pode ser pensado. Não pode ser elencado como algo que esteja em nossa mente.

Ora, apenas o ser pode ser pensado, já que o não-ser não é. Se eu não consigo ter uma ideia do que a coisa é, não posso pensá-la – e o que não pode ser pensado não é ser. Daí, Parmênides conclui que só o ser é – e que o não-ser não é.

O ser é todo inteiro – se o ser tivesse partes, algo nele seria separado, não fazendo parte do ser, mas isso seria não-ser. Consequentemente, o ser, sendo uno e indivisível, não pode ter partes e o ser é imutável – o ser não pode ter surgido do não-ser ou tornar-se não-ser, já que o ser só pode ser idêntico a si mesmo – e não pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Acreditar que o ser foi gerado significa dizer que houve um tempo em que o ser era não-ser, o que é contraditório. Logo, o ser é eterno, sem começo nem fim.

O mesmo se aplica ao dizer e ao pensar. Só podemos pensar no que é, pois só o que é exprime-se em palavras. Pensar em nada é não pensar; dizer nada é ficar em silêncio.

Como vimos acima, o ser é inteiro e imutável e isso nos leva a refletirmos sobre as crianças e as árvores. Primeiro, começo pelas crianças que são inteiras, completas, ou seja, elas não são divididas, não são formadas por partes. A criança é um ser uno e indivisível. Cada criança é um ser, por isso nenhuma é igual a outra. E isso nos leva ao pensamento de respeito e cuidado quando formos educá-las, porque sendo diferentes têm pensamentos distintos que precisam ser aceitos pelos pais e responsáveis.

Muitas vezes, queremos que as crianças sejam iguais umas às outras e até mesmo criticamos as nossas crianças perguntando “por que você não age igual ao amiguinho?” ora, ora, ela não vai agir igual a ninguém porque ela é um ser uno que tem seus próprios pensamentos e constrói um mundo à parte que é só seu.

Assista ao vídeo: O livro As árvores frondosas e suas crianças maravilhosas é fruto da observação da natureza e suas transformações no transcurso do tempo, assim como o do contato diário com meus alunos, com seus temperamentos e particularidades. A união dessas duas vivências deu origem a uma visão poética das semelhanças entre árvores e crianças. Ele tem por objetivo despertar os leitores, de todas as idades, para a natureza que nos cerca, unindo poesia, arte, psicologia e observação atenta do mundo e de seus encantos.  https://youtu.be/covkHVyhuIQ?t=1

No que diz respeito as árvores, o ser inteiro e imutável significa que ela não pode ser vista apenas pelas suas folhas, frutos, troncos ou raízes, mas pelo conjunto completo que lhe dá essa forma. A árvore nunca será o não-ser, pois se ela é certamente não surgiu de algo que nunca existiu, ela sempre foi e sempre será. Logo, precisamos cuidar das árvores para que continuem a existir e possamos falar do que ela é, pois só assim poderemos falar sobre elas em palavras e criar ideias sobre elas.

Nesta questão do ser das árvores fica uma reflexão para todos nós: e se um dia as árvores forem destruídas do nosso planeta? É preciso que cuidemos disso urgentemente.

Como poderão as nossas crianças fazer uma ideia de pensamento delas se já não existirem mais? Como ficará o pensamento de Parmênides? Porque enquanto ser a árvore existe e não pode não-ser, porque assim não seria formada palavra sobre ela e sim um silêncio substancial.

Trago essa questão do ser e do não-ser para que possamos refletir sobre os nossos gestos e atitudes para com as nossas árvores nos dias atuais. Estamos desflorestando e queimando as árvores. Estamos cortando as árvores das nossas ruas e não plantamos mais árvores em casas. O ser das árvores é completo, é um todo, e precisa ser cuidado para que não se transforme em partes e venha a deixar de existir. E quando essas partes forem separadas simplesmente deixarão de existir e passarão a não-ser, ou seja, as árvores morrerão. 

Se derrubamos uma árvore aqui, se podamos mal podada outra ali, se machucamos o tronco de uma árvore mais acolá, se não as regamos com cuidado elas aos nossos olhares se tornarão pequenas partes e mesmo que Parmênides afirme que o ser não pode ser separado e nem feito de partes estaremos contribuindo para destruição do pensamento do nosso filósofo e das nossas árvores. Todo ser precisa ser completo na sua essência. Para existir, o ser da árvore necessita de todas as suas partes saudáveis e bem formadas nos nossos pensamentos senão elas não serão árvores nunca.

Aquilo que conseguimos pedir às crianças para desenharem numa folha de papel como sendo árvores é fácil para elas porque faz parte do ser e não do não-ser. As crianças conseguem desenhar porque é algo que existe, que elas podem pensar sobre e até mesmo conseguir falar das árvores.

A ideia do filósofo Parmênides faz-nos lembrar do não-ser também. E o não-ser é tudo aquilo que não pode ser porque nunca existiu. Se pensarmos assim as árvores poderão até continuar a ser, mas serão apenas lembranças longínquas no pensamento de cada um de nós. É como se falássemos aqui dos dinossauros. Eles existiram e foram o ser, nunca foram o não-ser e nunca serão. Apesar de fazer milênios que já se foram conseguimos desenhá-los e fazer uma ideia de como eles foram.

O que não podemos aceitar é que as árvores deixem de existir e passem apenas a serem lembranças nas cabecinhas das nossas crianças. Não queremos que aconteça com as árvores o que aconteceu com os dinossauros, mesmo porque precisamos delas para muitas coisas.

Assim sendo, para Parmênides, a verdade não precisa estar em conformidade com os fenômenos, mas, ao contrário, a verdade muitas vezes é paradoxal, ou seja, contrária ao que a opinião ou os sentidos indicam. Enquanto os pitagóricos advogavam a existência de uma pluralidade, Parmênides afirma que tudo é uno e contínuo. As crianças e as árvores são unas. Elas não se dividem em partes e nem podem estar em vários locais ao mesmo tempo.

Cada criança e cada árvore tem o seu jeito de ser. As árvores, por exemplo, podem ser da mesma espécie, mas cada uma delas tem algo que as diferencia das outras, por isso é importante que conservemos as florestas para que possamos ter uma diversidade de árvores capazes de nos transmitir narrativas distintas, mas que dizem coisas quase sempre iguais, pois juntas e próximas umas das outras elas se conectam com os deuses e nos transmitem mensagens parecidas.

Os nossos sentidos às vezes nos enganam e, quando pensamos que uma árvore nos diz tal coisa sobre si, ela está querendo dizer outra coisa que não conseguimos construir uma ideia e acabamos ficando perdidos em sensações de mistérios infinitos.

As árvores são unas e isso precisa ficar bem claro no nosso pensamento. Cada árvore é um ser e ela nunca se tornará o não-ser porque ela existiu um dia. Assim como as crianças são unas e nunca se tornarão o não-ser porque elas são constituídas de elementos que sempre existiram na natureza. O que nos leva a pensar sobre as árvores e as crianças serem unas? Talvez possamos pensar nessa unicidade como sendo algo proveitoso para preservação das florestas e para a educação das crianças.

Quando protegemos uma floresta estamos sendo guardiães de narrativas de árvores distintas, ou seja, de histórias seculares ou não que têm em si suas vivências contadas pelo homem já que as árvores, claro não falam. Quem conta as suas narrativas são os homens que convivem perto delas.

As crianças sendo unas nos chamam a atenção para o cuidado na sua educação. Nem toda educação deve ser igual. Tem aluno que aprende mais rápido do que o outro, tem aluno que custa mais a aprender, tem aluno que gosta de matemática e outro de português e por aí vai.

Precisamos respeitar o conhecimento de mundo e a autonomia de cada aluno como dizia o nosso querido educador Paulo Freire. O ser da criança se forma a partir da educação que ela recebe em casa e consegue levá-la para sala de aula produzindo assim conhecimentos necessários para a sua alfabetização. Precisamos mais do que nunca respeitar esse ser da criança e não vê-la como partes separáveis. A criança é inteira e completa. E essa completude ficará cada vez mais forte com o conhecimento adquirido em sala de aula.

Na sua pedagogia, Paulo Freire parecia conhecer um pouco do pensamento de Parmênides quando unia o conhecimento do mundo da criança ao conhecimento escolar sendo pautado num pensamento crítico e de que a criança deve ser vista por completo e não como partes que vão se encaixando a partir de conhecimentos que nada dizem.

O educador que completou agora em 2021, 100 anos do seu nascimento, o nosso querido Paulo Freire, sabia que a criança é una é imutável quando diz nos seus escritos que a educação não deve ser bancária, mas uma educação reflexiva e crítica.

A criança sempre será uma criança e sempre terá o seu pequeno mundo que deve ser respeitado pelos pais e educadores, logo precisa desenvolver com esse conhecimento da realidade o seu pensar crítico diante das coisas que lhe são apresentadas todos os dias como necessárias para o seu bom viver.

Não eduquemos as crianças tirando delas a sua autonomia. Deixemos que pensem por si próprias e que levantem questões talvez nunca antes percebidas por outras crianças, pois o que é belo é pensar criticamente diante do ensino que se propõe a mostrar a realidade como ela é de fato.

Para Parmênides, ainda, o ser é idêntico a si mesmo: se o Ser fosse diferente de si mesmo, ele não seria o que “é”. Em outras palavras: se não fosse idêntico a si mesmo, o Ser não seria ele mesmo, o que é impossível, pois, o ser “não pode não ser”. Ser idêntico a si mesmo dá a ideia de que cada ser é uno e tem as suas próprias caraterísticas. Muitos podem dizer que as árvores são unas. Não! Cada árvore é um ser. Assim como cada desenho que fazemos é algo diferente. Nada pode ser igual.

O sentido de estarmos aqui neste planeta chamado Terra é que as coisas são todas diferentes umas das outras e é isso que nos torna grandes e maravilhosos diante dos outros mundos, se é que existem outros mundos. Uma árvore pode fazer um tipo de sombra que outra não faz, uma árvore pode deitar os seus galhos pelo chão o que outra não faz. Essa diferença que constitui as árvores é que nos chama a atenção para o cuidado de as preservarmos.

Uma floresta é muito importante para que continuemos a experienciar o pensamento do nosso filósofo Parmênides. Nas florestas, encontramos diversos tipos de árvores. O ser das árvores faz delas únicas no mundo. Cada uma contribuindo para o bem do planeta da sua forma. É isso que devemos ensinar às nossas crianças, essas coisas que os filósofos trouxeram da natureza e formularam teorias.

E segundo o nosso filósofo o ser é um, ou seja, não podemos conceber que exista outro Ser, pois, se houvesse um “segundo ser”, ele seria diferente do “primeiro ser” — o que é impossível, pois, assim, “o primeiro ser” teria que não ser o “segundo ser” e teria que ser compreendido como não sendo. Além disso, é absurdo pensar que o Ser não é. Por isso, só pode existir um Ser. Conforme vimos até aqui, o ser é apenas um, ou seja, cada elemento da natureza é uno e aquilo que pensamos sobre ele é o que o torna ser. O ser das árvores é crescer, dar sombras, frutos e nos proteger contra a poluição. O ser das crianças é crescer, tornar-se adulto e proteger o mundo ao seu redor.

O ser não pode ser gerado, ou seja, nada pode ser gerado do nada (“o nada não é e não pode ser”), então ele não pode dar origem ao ser. Se fosse gerado de outro ser seria admitir que existem dois seres e um deles seria o “não-ser” de outro, e isso é impossível. Para o filósofo Parmênides e aqui no nosso texto as árvores sempre existiram e as crianças também.

Quando o mundo foi criado, de uma certa forma, já havia árvores e crianças nele e que bonito pode ser ver isso no pensamento do nosso filósofo. Se desde a criação do planeta terra sempre existiram as árvores e as crianças e que elas não precisaram ser geradas de outro ser é porque não existem dois seres, logo o não-ser nunca existirá para elas.

O ser é imutável, isso nos diz que a mudança faria com o que o ser deixasse de ser aquilo que é e se tornasse algo que ainda não é. Desse modo, admitir a possibilidade de mudança seria admitir o contrário daquilo que já estudamos: o que não é ser nada é, ou seja, passaríamos a concordar com a existência do não ser.

Se até mesmo a passagem de tempo não é admitida no pensamento parmenidiano, pois o ser seria eterno, não é difícil entender que as outras mudanças devem ser excluídas, pois só é possível pensar em mudança em relação à temporalidade. Só percebemos a mudança de um objeto A porque no passado ele era A e, no momento presente, ele é B. É por isso que Parmênides diz que o Ser “jamais foi nem será, pois é, no instante presente”.

As árvores e as crianças nunca mudam a sua essência, elas podem até mudar os seus jeitos de pensar e agir no mundo, mas nunca mudarão o que é, ou seja, o que realmente são. Dizendo melhor, as crianças serão sempre crianças e as árvores serão sempre árvores e com isso quero dizer que uma árvore nunca deverá tornar-se um móvel ou coisa parecida porque aí estaria deixando de ser. A árvore é e pronto. Assim como a criança é.

O ser é imóvel e isso nos diz que da mesma forma que a temporalidade está associada à mudança, está associada ao espaço: para mover de um lugar ao outro é preciso, também, deslocar-se no tempo. A criança não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo e a árvore jamais poderá estar em dois lugares ao mesmo tempo, por isso dizemos que as árvores são diferentes e não se deslocam no tempo. O ser descansa em si próprio sempre, ou seja, ele não precisa se deslocar para lá e para cá, ele é e está ali no seu lugar assim como as árvores que ficam presas ao chão balançando seus galhos e as crianças gostam de ficar brincando ali no chão da sala.

Quero explicar que este ensaio é motivo de muitos estudos ainda e que tive a colaboração do site SANTOS, Wigvan Junior Pereira dos. “O Ser para Parmênides”; Brasil Escola, disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-ser-para-parmenides.htm., (acesso em 08 de outubro de 2021)para redigí-lo.

Na verdade, o que quis mostrar para vocês é que as árvores e as crianças são seres unos e imutáveis e que não foram gerados por nada, ou seja, sempre estiveram presentes no planeta. Claro que isso é motivo de muita discussão e de comentários controversos, como também de sugestões. Estou aberta a ouví-los, meus caros leitores.

Para finalizar, deixo vocês com os versos do poeta português Fernando Pessoa que nos diz “Quando vier a Primavera, / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira / E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. / A realidade não precisa de mim.” Talvez a realidade não precise de mim, mas eu preciso dela para não morrer antes que a primavera acabe.

Especial Para as Crianças – Qual a importância de uma única árvore para o Planeta Terra? Assista: https://youtu.be/vs6ChftV-bs?t=100

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Algumas lições da Pandemia

Podemos optar por cooperar com os outros em vez de culpá-los; podemos compartilhar como sabiamente já aconteceu em outras épocas de crise e assim enfrentar com lucidez e sensatez a própria pandemia; podemos promover e avançar em busca de um conhecimento científico que nos ajude a enfrentar de forma mais rápida a pandemia e tantas outras que poderão acontecer no futuro. Ou não, muito antes, pelo contrário.

Até mesmo as piores e mais cruéis experiências podem se tornar lições de vida se tivermos a capacidade e a mente aberta para aprender com os erros, percepção dos equívocos cometidos e consciência da finitude humana.

Quase dois anos de pandemia, que provocou mortes, incertezas, medo, angústias, crise sanitária, fragilidade econômica, corrupção no governo e seus aliados, perdas irrecuperáveis e tantos outros dilemas humanos, podem se tornar uma oportunidade para uma balanço avaliativo, um olhar retrospectivo e um replanejamento do nosso modelo civilizatório, ou mesmo de nossas escolhas e de nosso modo de vida.

Como bem observa o reconhecido e prestigiado historiador israelense Yuval Harari (2020) num escrito recente, “epidemias desempenharam um papel central na história humana desde a Revolução Agrícola e frequentemente deflagraram crises políticas e econômicas”. Resta saber em que medida somos capazes de aprender com as crises e que tipo de enfrentamento somos capazes de fazer para superá-las.

Sobre este aspecto concordo como Harari quando diz que “o maior risco que enfrentamos não é o vírus, mas os demônios interiores da humanidade”, que afloram em tempos de crise também provocados pelo vírus. Os demônios internos são o ódio, a ganância e a ignorância.

São demônios porque dividem, produzem violência e fragilizam ainda mais a condição humana. O ódio se faz sentir quando, com medo ou acuados, culpamos os outros pela crise pandêmica ou inventamos um suposto inimigo para acusar, muitas vezes baseados em fake news; a ganância se faz sentir quandoalguns poderosos se aproveitam da crise para aumentar seus lucros, como fazem as grandes corporações, certos grupos empresarias, donos de estabelecimentos ou até mesmo políticos corruptos que ganham barganham vantagens em função da crise; a ignorância se torna um demônio, quando acuados pela crise alguém espalha mentiras, acredita em ridículas teorias da conspiração, nega a ciência e a vacina, desrespeita as orientações sanitárias e não se dá conta que a forma mais eficiente e eficaz de enfrentar a pandemia e acreditar no conhecimento de quem estuda e não em falsos pastores e políticos genocidas.

Os três demônios indicados por Harari são letais e muito presentes no cenário brasileiro: as redes sociais estão minadas de maldade,  pois frequentemente vemos postagens absurdas de discurso de ódio que circulam livremente sem a mínima capacidade reflexiva de dar-se conta de como tais atitudes podem ser tóxicas para o tecido social; enquanto milhões de brasileiros são jogados no mapa da fome, encontramos empresários, comerciantes, banqueiros, “empreendedores”, investidores, falsos pastores, políticos medíocres que se aproveitam da situação de crise para saquear a soberania nacional, aumentar suas riquezas e condenar os pobres a miséria e a morte; apesar de ser um fenômeno mundial.

O Brasil está se tornando o centro do negacionismo da ciência, da vacina, do conhecimento por conta de uma legião de falsos pastores, de políticos oportunistas e de setores conservadores da sociedade que espalham preconceitos e produzem o câncer social do racismo, da homofobia, de ignorância cega, das crendices destrutivas, do ódio ao pensamento crítico e do desprezo aos pobres.

De forma oposta aos demônios humanos que afloram em tempos de crise, podemos reagir de outra forma. Podemos por exemplo optar por cooperar com os outros em vez de culpá-los; podemos compartilhar como sabiamente já aconteceu em outras épocas de crise e assim enfrentar com lucidez e sensatez a própria pandemia; podemos promover e avançar em busca de um conhecimento científico que nos ajude a enfrentar de forma mais rápida a pandemia e tantas outras que poderão acontecer no futuro.

Mas, para isso acontecer, é necessário sair de uma forma perversa de egoísmo medíocre, de autocentramento, de ganância e de violência que tem tomado conta de certos grupos políticos e associações que promovem a maldade.

As crianças precisam ser educadas. Elas precisam ser educadas para possamos nos sair melhor do que hoje estamos nos saindo de crises como essa; precisam ser educadas para que eduquem os adultos negacionistas que as cercam e que querem acelerar processos de retorno à vida normal, mas se negam a usar máscaras, tomar as medidas higiênicas necessárias e não aglomerar; precisam ser educadas para ajudá-los a não louvar governantes desumanos e irresponsáveis. (Francisco Carlos Santos Filho, psiquiatra). Leia mais: https://www.neipies.com/escola-pandemia-e-capacidade-de-pensar/

Autor: Altair Fávero

Edição: Alex Rosset

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