Podemos optar por cooperar com os outros em vez de culpá-los; podemos compartilhar como sabiamente já aconteceu em outras épocas de crise e assim enfrentar com lucidez e sensatez a própria pandemia; podemos promover e avançar em busca de um conhecimento científico que nos ajude a enfrentar de forma mais rápida a pandemia e tantas outras que poderão acontecer no futuro. Ou não, muito antes, pelo contrário.
Até mesmo as piores e mais cruéis experiências podem se tornar lições de vida se tivermos a capacidade e a mente aberta para aprender com os erros, percepção dos equívocos cometidos e consciência da finitude humana.
Quase dois anos de pandemia, que provocou mortes, incertezas, medo, angústias, crise sanitária, fragilidade econômica, corrupção no governo e seus aliados, perdas irrecuperáveis e tantos outros dilemas humanos, podem se tornar uma oportunidade para uma balanço avaliativo, um olhar retrospectivo e um replanejamento do nosso modelo civilizatório, ou mesmo de nossas escolhas e de nosso modo de vida.
Como bem observa o reconhecido e prestigiado historiador israelense Yuval Harari (2020) num escrito recente, “epidemias desempenharam um papel central na história humana desde a Revolução Agrícola e frequentemente deflagraram crises políticas e econômicas”. Resta saber em que medida somos capazes de aprender com as crises e que tipo de enfrentamento somos capazes de fazer para superá-las.
Sobre este aspecto concordo como Harari quando diz que “o maior risco que enfrentamos não é o vírus, mas os demônios interiores da humanidade”, que afloram em tempos de crise também provocados pelo vírus. Os demônios internos são o ódio, a ganância e a ignorância.
São demônios porque dividem, produzem violência e fragilizam ainda mais a condição humana. O ódio se faz sentir quando, com medo ou acuados, culpamos os outros pela crise pandêmica ou inventamos um suposto inimigo para acusar, muitas vezes baseados em fake news; a ganância se faz sentir quandoalguns poderosos se aproveitam da crise para aumentar seus lucros, como fazem as grandes corporações, certos grupos empresarias, donos de estabelecimentos ou até mesmo políticos corruptos que ganham barganham vantagens em função da crise; a ignorância se torna um demônio, quando acuados pela crise alguém espalha mentiras, acredita em ridículas teorias da conspiração, nega a ciência e a vacina, desrespeita as orientações sanitárias e não se dá conta que a forma mais eficiente e eficaz de enfrentar a pandemia e acreditar no conhecimento de quem estuda e não em falsos pastores e políticos genocidas.
Os três demônios indicados por Harari são letais e muito presentes no cenário brasileiro: as redes sociais estão minadas de maldade, pois frequentemente vemos postagens absurdas de discurso de ódio que circulam livremente sem a mínima capacidade reflexiva de dar-se conta de como tais atitudes podem ser tóxicas para o tecido social; enquanto milhões de brasileiros são jogados no mapa da fome, encontramos empresários, comerciantes, banqueiros, “empreendedores”, investidores, falsos pastores, políticos medíocres que se aproveitam da situação de crise para saquear a soberania nacional, aumentar suas riquezas e condenar os pobres a miséria e a morte; apesar de ser um fenômeno mundial.
O Brasil está se tornando o centro do negacionismo da ciência, da vacina, do conhecimento por conta de uma legião de falsos pastores, de políticos oportunistas e de setores conservadores da sociedade que espalham preconceitos e produzem o câncer social do racismo, da homofobia, de ignorância cega, das crendices destrutivas, do ódio ao pensamento crítico e do desprezo aos pobres.
De forma oposta aos demônios humanos que afloram em tempos de crise, podemos reagir de outra forma. Podemos por exemplo optar por cooperar com os outros em vez de culpá-los; podemos compartilhar como sabiamente já aconteceu em outras épocas de crise e assim enfrentar com lucidez e sensatez a própria pandemia; podemos promover e avançar em busca de um conhecimento científico que nos ajude a enfrentar de forma mais rápida a pandemia e tantas outras que poderão acontecer no futuro.
Mas, para isso acontecer, é necessário sair de uma forma perversa de egoísmo medíocre, de autocentramento, de ganância e de violência que tem tomado conta de certos grupos políticos e associações que promovem a maldade.
As crianças precisam ser educadas. Elas precisam ser educadas para possamos nos sair melhor do que hoje estamos nos saindo de crises como essa; precisam ser educadas para que eduquem os adultos negacionistas que as cercam e que querem acelerar processos de retorno à vida normal, mas se negam a usar máscaras, tomar as medidas higiênicas necessárias e não aglomerar; precisam ser educadas para ajudá-los a não louvar governantes desumanos e irresponsáveis. (Francisco Carlos Santos Filho, psiquiatra). Leia mais: https://www.neipies.com/escola-pandemia-e-capacidade-de-pensar/
A narrativa de um novo ensino médio, com mínimo de itinerários, sem escuta dos jovens, sem prévia formação de professores, sem plano de investimento e implementação nas escolas públicas, especialmente as de periferia, constituem-se em falácias de um projeto excludente das juventudes e a desconstrução de seu futuro.
O que a reforma do Novo Ensino Médio (NEM) e a Medida Provisória (MP) nº 1.045/2021 que propôs introduzir o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), têm em comum?
Aparentemente preocupadas com os jovens, ambas reformas, com duvidosas promessas e iniciativas descontextualizadas, possuem propósitos comuns: ensino e trabalho precários.
O NEM reduz a formação básica geral do ensino médio ao máximo de 1,8 mil horas, complementadas por mais 1,2 mil horas com qualificações fragmentadas, aligeiradas e pulverizadas.
O Requip induz empresas a demitir seus atuais empregados e contratar jovens, sem vínculo empregatício, sem direitos trabalhistas, com subsídios da União Federal e dos recursos do Sistema S.
O alinhamento entre NEM e Requip já consta na atualização das diretrizes do ensino médio (Res. CNE/CEB nº 03/2018), quando no itinerário de formação técnica e profissional constam categorias como: ambientes simulados; formações experimentais; aprendizagem profissional; qualificação profissional; habilitação profissional técnica de nível médio; programa de aprendizagem; certificação intermediária e certificação profissional.
Ou seja, o ensino médio, como última etapa da educação básica, sendo transformado em precoce profissionalização de adolescentes como mão de obra para o setor produtivo.
Com o Requip, à margem da legislação trabalhista vigente, os jovens, ao serem contratados, não teriam vínculo empregatício, nem direitos trabalhistas. Receberiam uma bolsa-auxílio, que pode ser até R$ 550,00 para uma jornada de 22 horas e não precisam estar matriculados em instituições de ensino, pois as empresas teriam que ofertar cursos de qualificação profissional aos bolsistas. Evidencia-se uma discriminação negativa ao público jovem, em função da idade.
Na MP não há qualquer mecanismo que impeça que os contratos vigentes pelas regras trabalhistas atuais não sejam rescindidos e sejam substituídos pelos critérios do Requip, sendo que na vigência do regime (três anos) a cota máxima de admissões será de 5% do total no primeiro ano, 10% no segundo e 15% no terceiro ano.
Portanto, as empresas poderão demitir e contratar outros via Requip, o que impactará a base de cálculo da aprendizagem, cujo público prioritário são os jovens-adolescentes, os mesmos que têm direito ao ensino médio na escola.
Conheça livros de Gabriel Grabowski: “Dois aspectos são preocupações constantes nas avaliações do autor em seus textos: a precarização progressiva da formação dos professores e o comprometimento das potencialidades da juventude brasileira em decorrência do descaso das elites com a educação dos jovens”, assinala o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr. O livro tem o apoio do Sinpro/RS Publicações. Leia mais: https://www.neipies.com/desmonte-da-educacao-publica-e-reforma-do-ensino-medio-em-livros/
Precarização
O Ministério Público do Pará emitiu nota denunciando que sob o pretexto de dar oportunidades aos jovens em situação de vulnerabilidade, a proposta sujeita esse público à total precariedade na relação de trabalho e fomenta ainda mais o ciclo da pobreza.
Cria cidadãos de segunda, quiçá de terceira classe, sem quaisquer direitos trabalhistas e, tampouco, qualificação técnico-profissional metódica, de complexidade progressiva, sólida e robusta, e ainda o faz em detrimento da aprendizagem profissional.
A Constituição Federal reconhece a profissionalização como um dos direitos fundamentais de todo adolescente e jovem (artigo 227), a ser garantido com absoluta prioridade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Juventude também reafirmam o Princípio da Proteção Integral e formação profissional desde que não impeça nem prejudique o acesso, a frequência e o sucesso escolar. Um direito não pode suprimir os outros.
Exclusão
A Unicef apontou, em novembro de 2020, 5 milhões de meninos e meninas sem acesso à educação no Brasil. A exclusão e evasão escolar que já eram graves antes da pandemia se acentuaram ainda mais.
A Pnad 2019 apontou 1,8 milhões de estudantes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil, sendo 1.392 milhões na faixa etária entre 14 e 17 anos que deveriam estar na escola e no ensino médio.
Segundo dados do Ministério da economia, o Brasil tem cerca de 415 mil aprendizes contratados, a maioria entre 14 e 17 anos. Porém, se a cota de 5% obrigatória fosse cumprida pelas empresas teríamos mais de 900 mil. Esta é uma política pública de Estado essencial e estratégica para evitar evasão escolar e enfretamento do trabalho infantil.
Para Jeferson Tenório, Mestre em Letras, a implementação do Novo Ensino Médio deve aumentar as desigualdades na educação. Do modo como está sendo estruturada, a escola pública se transformará num espaço voltado para a formação de técnicos e operários. Alunos mais pobres poderão ser empurrados para trabalhos subalternizados. Aliás, este é o sonho do atual ministro da Educação, que afirmou que o Brasil precisa de mão de obra técnica e profissional e não de diplomas acadêmicos, até porque a universidade é para poucos.
Uma forte reação e resistência à MP 1.045 e ao Requip forçou o Senado a devolver a MP para a Presidência da República. Porém, a proposta não está sepultada. Desde 2016, reformas nas relações trabalhistas são frequentes e são as juventudes que sofreram os maiores impactos, mediante: agravamento do desemprego; crescimento do trabalho informal, temporário e intermitente; redução de renda e interrupção dos estudos.
Estudos e especialistas indicam que as principais preocupações das juventudes hoje são, nesta ordem: trabalho, educação, vida segura, saúde (emocional) e cultura (expressão, autoestima). A dificuldade em projetarem seu futuro no mundo do trabalho atual é a preocupação central.
Projeto excludente
A narrativa de um novo ensino médio, com mínimo de itinerários, sem escuta dos jovens, sem prévia formação de professores, sem plano de investimento e implementação nas escolas públicas, especialmente as de periferia, constituem-se em falácias de um projeto excludente das juventudes e a desconstrução de seu futuro.
Para este projeto das elites, não é necessário investir em educação, nem na formação e carreira dos docentes, pois instrutores e tutores de plataformas digitais orientarão as qualificações de 15 horas por mês como o Requip se propõe.
Porém, entendo que a prioridade do ensino médio não deve ser a qualificação profissional. Sua finalidade principal, conforme a LDB, é a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico e, a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos.
Para as qualificações já temos a Lei da Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000) e todo o Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sebrae, Sescoop, Sest, Senat, Senar), com recursos públicos bilionários, em diversos segmentos econômicos e profissionais, responsáveis pelas qualificações profissionais conforme demandas do mundo do trabalho.
Ou seja, o Brasil já possui um sistema de qualificações estruturado, que iniciou com as reformas de 1942, com melhor expertise e infraestrutura que as próprias escolas públicas de ensino médio.
Ofertas de cursos de qualificação pelo Sistema S existem há décadas no Brasil. O Senai é de 1942 e o Senac, de 1946. Programas federais como Planfor, PNQ, Projovem, Pronatec, entre outros, já qualificaram milhões de trabalhadores e jovens.
As qualificações cumprem uma função específica, mas pouco impacto estrutural na vida e trajetória escolar oportunizam.
Nos últimos 10 anos, apesar do aumento de 27% nos anos de estudos (6,4 para 8,4) da população mais pobre, a renda despencou 26,2 dessa mesma população. “É consequência de um país que não cresce e não cria oportunidades. Embora exista tendência de aumento da escolaridade entre os mais pobres, ela não se refletiu no mercado de trabalho”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Dignidade do trabalho
A formação durante a Educação Básica é para toda a vida e não pode ter sua centralidade baseada nas exigências das ocupações profissionais momentâneas. Assim é em todos sistemas escolares no mundo. A formação profissional e qualificação deve ser complementar a uma sólida formação de nível médio. Até porque a formação não deve apenas equipar estudantes para o mundo do trabalho, mas também preparar as pessoas para que sejam seres humanos moralmente reflexivos e cidadãos democráticos efetivos, capazes de deliberar sobre o bem comum”.
A dignidade do trabalho é um bom ponto de partida. Um projeto político que reconheça a dignidade do trabalho deve usar o sistema tributário para reconfigurar a economia da estima, desencorajando a especulação e honrando o trabalho produtivo. Descuidar do direito ao trabalho digno, educação de qualidade, desestimular prosseguimento dos estudos no ensino superior e pós-graduação é comprometer o futuro do Brasil.
Parabéns a todos/as professores que sonham juntos com os jovens. Dia 15 de outubro – Dia do Professor – é dia de luta pela dignidade do Trabalho de todos trabalhadores, sejam jovens ou professores.
Diante das impactantes mudanças, convidamos algumas pessoas que tem responsabilidade direta com os professores e professoras das mais diferentes redes de ensino, sejam eles coordenadores, orientadores educacionais, dirigentes da educação a escreverem sua percepção sobre estas mudanças. Estes escritos podem subsidiar professores e professoras para que, eles mesm/as possam também se perceber e se reconhecer a partir do olhar dos outros.
Os professores e professoras, das diferentes redes de ensino, mudaram muito durante a pandemia que começou em março de 2020 e perdurará ainda, pelo menos, até o final de 2021.
Estas profundas e significativas mudanças geralmente não são e não foram percebidas pelos próprios professores e professoras, pois é natural que os outros reconheçam as nossas qualidades, os nossos limites e, neste caso, o impacto das mudanças na forma de organizar a docência e ressignificar a essência relacional na educação.
As impactantes mudanças vieram com a abrupta necessidade de mudar a forma de organizar os seus planejamentos, as maneiras de propor aos estudantes o estudo dos conhecimentos, a seleção dos conhecimentos e habilidades que agora são julgados mais essenciais mudaram também as suas concepções de vida, de mundo, de conhecimento, de perspectivas e de mudanças de abordagem com os estudantes.
Diante de tão impactantes mudanças, convidamos algumas pessoas que tem responsabilidade direta com os professores e professoras das mais diferentes redes de ensino, sejam eles coordenadores, orientadores educacionais, dirigentes da educação a escreverem sua percepção sobre estas mudanças. Estes escritos podem subsidiar professores e professoras para que, eles mesm/as possam também se perceber e se reconhecer a partir do olhar dos outros.
Mudar faz bem
Dizem que mudar é preciso, às vezes é algo detalhadamente planejado e. às vezes, é uma oportunidade inesperada. De um jeito ou de outro, por razões pessoais, profissionais ou ambas, os últimos dois anos, para nós profissionais da Educação, esse processo de mudança trouxe consigo momentos únicos, repletos de desafios, de angústias, situações de puro exercício de empatia, de resiliência e sobretudo nos ensinou a força da superação, do trabalho coletivo, resgatando o prazer de aprender, buscando novos conhecimentos, planejando diferente e assim adquirindo novas ideias e formas de ver, pensar e agir.
Estamos findando o ano de 2021, atualmente estou na função de Orientadora Educacional Anos Iniciais e Coordenadora Pedagógica dos Anos Finais, e durante esse tempo presenciei a mudança e o crescimento gradativo dos meus colegas de escola.
Cada um construiu seu caminho de mudança, dentro do seu tempo e espaço. Tivemos choros, risos, nos conectamos, mas mudamos integralmente. Não somos mais os mesmos, a mudança aconteceu para todos, independente da função exercida.
Tenho a convicção que para cada um foi uma vitória pessoal e a certeza que novas situações e desafios nos impulsionará a novas mudanças.
Mudar é preciso. Mudar é possível. Mudar é permitido. Mudar é recomeçar.
(Adriana Severo dos Santos, Orientadora Educacional Anos Iniciais e Coordenadora Pedagógica dos Anos Finais EMEF Zeferino Demétrio Costi)
Os(As) Professores(as) estão mudando? Ou estão sendo mudados?
Em tempos de pandemia, muitas coisas mudaram. A economia, a mobilidade urbana, a saúde, os hábitos de higiene pessoal, os relacionamentos, a educação… Em todos os setores, profissionais e usuários tiveram que se adaptar, mudar procedimentos, modos de agir, de pensar, de falar. De ser! Hoje, não somos mais os mesmo que iniciaram o ano 2020 neste mundo.
Mas, em que pese todas as mudanças trazidas pela pandemia (algumas bastante necessárias, pois o ser humano havia esquecido sua capacidade de amar, de doar-se pelo bem comum, de ser solidário e fraterno), ainda há muito o que avançar, principalmente na Educação. E me refiro a todos os atores do processo educativo que, dentro ou fora da escola, exercem papel importante na formação humana dos membros da sociedade, não importa a idade que tenham. Certamente, os professores foram os mais afetados, pois a mudança de paradigma, embora anunciada há anos, só aconteceu por força das circunstâncias e da necessidade de criar novas formas de chegar aos estudantes.
Embora não pareça, os professores das escolas particulares também sofreram nesse processo de mudanças e adaptações. E ainda sofrem! O mundo não estava preparado para uma demanda de conexões incomensurável e as redes de internet ainda não suportam o número de acessos diários, necessários para o desenvolvimento do processo educativo.
A internet tem se tornado, para aqueles que ainda estão assistindo aulas online, o grande vilão das dificuldades de compreensão e de aprendizagem. E com isso, os professores sofrem… Sofrem com as mudanças, sofrem com organização dos novos currículos para o Ensino Médio, com a insegurança profissional, com a necessidade de buscar novas metodologias e práticas, de adaptar-se a novas tecnologias e de encontrar vida e esperança no regaço das instituições educativas.
Não há como escapar da mudança de época que vivemos. Precisamos estar abertos ao novo e olhar para o futuro com esperança e serenidade. Dessa forma, a mudança não será um sofrimento e uma tortura, mas momento de crescimento pessoal e profissional.
(José Adilson Santos Antunes, professor das redes estadual e privada no RS)
Estamos distantes, e agora?
A relação pedagógica é, essencialmente, uma relação humana, uma relação de proximidade, de diálogo, de corpo a corpo, ou pelo menos é assim que a desenvolvemos, é assim que os mais variados cursos de licenciatura nos ensinaram a desenvolver os processos de ensino e de aprendizagem.
Com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil foi necessário nos distanciarmos, mas estes processos didático-pedagógico-acadêmicos não podiam parar. Era necessário buscar alternativas para dar continuidade à escolarização das crianças, dos jovens e dos adultos. Coube aos professores e professoras buscar metodologias de uso digital enquanto as redes de ensino buscavam estratégias para oferecer acesso à internet e, em alguns casos, equipamentos aos estudantes para continuar as aulas de forma remota.
Em um primeiro momento, o desafio aos professores e professoras era se apropriar das novas tecnologias digitais e aprender a usá-las com fins pedagógicos. As redes de ensino ofereceram formações (e muitas!), desde os conhecimentos mais básicos de uso do computador até o domínio de ferramentas destinadas para fins educacionais. Aqui está a primeira mudança vivida por todos e todas: tornar-se um operador de tecnologias de informação e comunicação. No entanto, o maior desafio viria na sequência.
Como ressignificar aquela prática pedagógica de presença? Como estabelecer vínculo pessoal sem proximidade física? Como ensinar sem saber o quanto os estudantes estão aprendendo? Como avaliar à distância?
Diante de tantas dúvidas, incertezas, angústias, vê-se um movimento dos professores e professoras na busca pelo apoio dos seus pares, a troca de experiências passa a ser uma necessidade para acalmar a aflição, motivando até mesmo a realização de seminários internos nas instituições.
A anormalidade, nunca vivida anteriormente, faz surgir ideias, talentos, criatividade, superação e constante busca por dar o seu melhor. Em meio a toda essa preocupação de ordem pedagógica ganha destaque a sensibilização dos professores e professoras com as famílias enlutadas, com os problemas emocionais decorrentes do isolamento social, com os casos de ansiedade que aumentam a cada dia, agravado com a situação socioeconômica de desemprego, vulnerabilidade e insegurança alimentar vivida por muitas famílias. A empatia mobiliza o engajamento em ações sociais emergenciais.
A vacina traz de volta a esperança do encontro, do abraço, das relações interpessoais e pedagógicas, porém, não mais como antes, todos diferentes em alguma medida e, quiçá, melhores, mais humanizados nos coletivos do mundo acadêmico.
(Ionara Soveral Scalabrin, pedagoga do IFSul e orientadora educacional da EEEM Maria Dolores Freitas Barros)
Construir e reconstruir-movimento da vida
Nesta navegação chamada VIDA, por vezes nos vemos em terra segura, por vezes nos vemos em tempestades, em mares bravios. Com a vinda deste tempo de pandemia passamos por tempestade com ventanias e muitos percalços. Foi necessário muito equilíbrio em momentos que quase nada vislumbrávamos a frente. Certezas muito poucas. Tateando, olhando esmiuçadamente, com cuidado, avançamos. Na escola, não foi diferente.
Durante um ano e meio colocamos adormecidas habilidades de convívio, de raciocínio, de exercício de memória, de trocas e agilidades reflexivas. O medo paralisa. A saúde em primeiro lugar, nos fez ter maiores cuidados consigo e com os outros. Queira Deus que a consciência desta fragilidade e das consequências de nossos atos que tem relação direta com os outros nos faça crescer. Que sejamos cuidadosos sempre, pelo valor do bem comum. Aprendizagens feitas, vividas em tempos de escassez.
Hoje trabalhamos para retomar um caminho interrompido. Com calma, com algumas ferramentas a mais, como o uso da tecnologia, mas, dando um valor muito maior para o contato, o convívio da reciprocidade, da brincadeira, do desafio, do exercitar, do viver. Do ir e Vir com liberdade para respirar. O valor do professor, do orientador, do olhar para outra alma e nela depositar esperança foram incontestavelmente reconhecidos. Que este recriar a vida na ESCOLA VIVA, nunca se apague. Que este reconstruir faça parte de nossas vidas, com o exercício da criatividade, das peculiaridades de cada um, um laço forte de movimento pela VIDA. Conviver e aprender com seus pares é um dos movimentos mais saudáveis que o ser humano pode se propiciar. Ferramentas necessárias para atravessarmos tempos bravios e tempos de navegação mansa. Navegar é preciso.
(Márcia Bandeira Vargas Muccini, professora e Diretora da Escola Redentorista Instituto Menino Deus em Passo Fundo, RS)
Chegará o dia em que veremos assegurados os nossos direitos básicos previstos legalmente, que nos garantem condições de vida saudáveis e dignas.
Chegará o dia em que não escutaremos notícias envolvendo negligência, agressões, maus-tratos, abusos e mortes de crianças. É muito triste saber e ver que a violência contra a criança aumentou, reflexo que uma sociedade doente e perversa.
Chegará o dia, na escola, em que os nossos direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar e se conhecer serão respeitados plenamente, o que implica materializar, fazer o que se diz e o que está proposto na documentação legal.
Chegará o dia em que as canetas e lápis cederão lugar aos pincéis e as tintas! Haverá cor, muita cor, tantas cores! E todas escolhidas por nós.
Chegará o dia em que os painéis e murais, “bem aprumados, arranjados, arrumados” pelos adultos, serão substituídos por nossos registros! Não haverá coisinhas penduradas, só o que nós construirmos.
Chegará o dia em que as trezentas e tantas datas do calendário não serão comemoradas, servirão apenas para evidenciar a certeza de um caminho que não devemos seguir.
Chegará o dia em que as festas acabarão! Porque já não existirão mais tantas datas para celebrar! Mas tem exceções: Para as festas que tocam o coração. Festas do reino da emoção!
Chegará o dia em que haverá o lá fora de fato, preparado para nos receber! Hoje ele existe, mas ainda não faz parte de nosso cotidiano, só em “ocasiões especiais”.
Chegará o dia em que a calçada e o piso sintético cederão espaço para grama, para o verde. Haverá também terra, muita terra. Haverá areia, muita areia! Afinal, quem brinca é o adulto ou a criança? Por que ele interfere tanto no espaço que não ocupa?
Chegará o dia em que as árvores substituirão os brinquedos plásticos, porque eles não são instigantes e desafiadores! Os galhos servirão para fazer os balanços mais perfeitos do mundo.
Chegará o dia em que a matemática poderá ser aprendida de forma acrobática! Em sala, poderá servir a mesa, por exemplo! Em cima da mesa, embaixo da mesa, de cima para baixo, de baixo para cima, ou para saltar de um penhasco, ou para ultrapassar um lago com crocodilos ferozes! Sem medos, receios, dúvidas ou anseios.
E os números? Eles servirão para contabilizar e valorizar o tempo em que NÃO estivemos a “raciocinar” com lápis e papel na mão, a contar, e contar, e contar. Porque não é assim que aprendemos a pensar! Olhem o entorno. Vocês terão provas suficientes sobre a redução e ausência do pensamento! O mundo está tosco, rude, inculto!
Chegará o dia em que os grafismos desaparecerão! E se não desaparecerem, que sejam propostos na companhia do verde e do vento. Novas literaturas serão acolhidas, trazendo oportunidades para situações de aprendizagem diferentes, sem a repetição que ocorre ano após ano, data após data, e não colaboram o suficiente para o que é necessário à vida.
Chegará o dia em que os desenhos e registos todos iguais desaparecerão. Será que é preciso explicar a razão? Não queremos forma! Queremos formação! Em vez de crianças formatadas, queremos ser crianças que sabem optar, criar, criticar, pensar, inventar, fazer, experimentar, opinar, participar e viver!
Chegará o dia em que os joguinhos orientadinhos que promovem habilidadezinhas e competenciazinhas sucumbirão! Eles obstaculizam e até impedem o nosso brincar. E a gente quase esquece de como se brinca! E não sabendo brincar, quase nada poderemos fazer quando adultos. Inclusive, ser e agir como adultos.
Chegará o dia em que as nossas experiências de vida serão consideradas, e não vistas como “só coisas de criança”.
Chegará o dia em que nossas vozes serão escutadas. O medo de nos escutar e não saber lidar com o que dissemos será superado!
Chegará o dia em que não haverá só o azul para os meninos e só o rosa para as meninas. Queremos aprender sem doutrinas. Queremos todas as cores!
Nossos pais deixarão de olhar e criticar se nos sujamos. Deixarão de fazer de nossa vida uma “Checklist”. Deixarão de perguntar pelo número de páginas que escrevemos na escola. A primeira pergunta estão será: – Você foi feliz hoje?
E então, com brilho no olhar, cada uma de nós responderá: – Sim, hoje fui feliz!
Para ser feliz enquanto criança, e mais tarde, enquanto adulto, mudemos a Educação na família, na escola, na sociedade como um todo. Na Infância, só é preciso que a criança seja criança!
***
A educação faz uso de metáforas para tratar das próprias questões. Dewey, filósofo e educador norte-americano, faz uso deste recurso para explicar diversas situações, inclusive sobre a redução do entendimento de educação para simples ideia de aquisição de hábitos indispensáveis à adaptação do indivíduo a seu ambiente. O autor afirma que o crescimento/desenvolvimento pleno da criança acontece quando há a ação dela. Dito de outro modo, para aprender ela precisa ser ativa, o que significa para além da mera adaptação ao que lhe impõem. Caso seja considerada só a dimensão da adaptação, ocorre a promoção da educação técnico-transmissiva, já presente na época em que o autor escreveu, e revigorada na sociedade atual.
Em uma metáfora, o autor se refere ao aluno/criança como cera e ao professor como sinete. A educação, por sua vez, acaba sendo a ação do sinete para gravar na cera, a qual se deixa moldar passivamente, ao ponto de estar condizente com o objetivo almejado (DEWEY, 1979b, p. 50).
O aprendiz, ao receber como marca este tipo de educação, luta até certo ponto, para dar conta do que lhe é imposto, mas corre o risco da ruína. Como diz Dewey, metaforicamente, o aluno luta, mas acaba vencido diante do que a educação reivindica, pois morrem seus desejos, interesses e curiosidades. A formação que segue esse percurso se afasta dos ideais democráticos, razão da preocupação de Dewey, e motivo que o levou a elaborar a sua construção teórica.
Frente ao exposto, fica evidente que a democracia não consegue florescer em ambiente com condições formativas reduzidas. E, ainda, quando a educação alinha os seus princípios essenciais aos fins exclusivamente utilitários e os semeia para a maioria (massa), está fazendo uso de sementes ruins, que não vão dar bons frutos (democracia). Se a instrução mais elevada, ou seja, as sementes boas, forem semeadas para poucos, a colheita não será suficiente. Em outras palavras, a educação de qualidade é direito de todos, e talvez seja a única maneira de garantir a democracia.
Dewey aposta na formação integral, que contemple todas as dimensões humanas. É contrário à ideia do ensino reduzido à determinados elementos. A noção que se tem de uma educação direcionada somente ao ler, escrever e contar, segundo ele, ignora o que é essencial para a concretização e cultivo dos ideais democráticos. É preciso, neste sentido, resgatar as humanidades.
A preservação da democracia depende da organização de programas de estudo amplamente humanos, que ainda devem “apresentar situações cujos problemas sejam relevantes para a vida em sociedade e em que se utilizem as observações e conhecimentos para desenvolver a compreensividade e os interesses sociais” (DEWEY, 1979b, p. 212). Por isso, educar com base com o propósito limítrofe de se ensinar ler, escrever e contar é insuficiente.
A incompreensão sobre a importância de um programa educativo completo, por parte daqueles que deveriam ter esse conhecimento, pode ser um dos motivos de estarmos enfrentando um dos períodos mais conturbados da história. E o próprio autor, como mencionamos anteriormente, já nos alertava de que a escola não conseguiria, sem urgentes transformações, alcançar seus objetivos, mesmo sendo os elementares, reduzidos ao ler, escrever e contar. Tanto é verdade, quem nem isso a escola consegue!
Mas, voltando às metáforas, muitas outras são conhecidas no campo educacional, como a ideia de expressar a cooperação por meio do “tecido” que forma uma colcha de retalhos; o projeto coletivo explicado por meio do “barco”, com o argumento de que todos estamos nele; a ponta do “iceberg” que mostra uma parte mínima da realidade; a “bússola” que indica o professor como guia. Marinheiro, âncora, vela, raiz, asa e gaiola, essas e outras tantas palavras utilizadas na linguagem metafórica, explicam o universopedagógico, colaborando na reflexão e na construção de argumentos sobre a complexidade educacional.
A educação da infância, sob a ótica da “metáfora do bambu” nos leva a pensar sobre a condição de crescimento da criança, pelo viés deweyano. A planta tem o registro de crescimento mais rápido no mundo vegetal. A sua semente pode demorar até sete anos para brotar, mas quando surge no exterior, em apenas seis semanas, pode crescer 30 metros! E qual é o seu segredo? Durante o tempo em que permanece invisível no subsolo, lentamente vai gerando uma complexa rede de raízes horizontais que mais tarde sustentam o seu desenvolvimento.
Em relação à infância, podemos pensar nas tendências espontâneas, na capacidade de adaptação, assim como no respeito ao tempo da criança, por parte do adulto. Em todos os períodos a criança cresce, ora por dentro, ora por fora. No entanto seu crescimento depende do cultivo, precisa ser na justa medida, condição para que se desenvolva plenamente.
A educação, pela metáfora da “esponja do mar”, é bastante conhecida e retrata a perspectiva tradicional combatida por Dewey. Ela mobiliza o pensamento quando questiona a visão de criança como ser poroso, que absorve passivamente o que o adulto transmite. É como um recipiente vazio a ser completado. Mas, pela outra vertente, podemos mudar o sentido da metáfora, na medida em que passamos a considerar a esponja como elemento vivo e dinâmico, no qual a vida flui. Por esse viés a educação mobiliza o pensamento, as ideias entram e saem.
A educação é como um “saquinho de chá” porque contém a essência de algo que se expande, ficando maior do que o que estava guardado em um simples embrulho. Também é apreciado com os sentidos, fica na memória graças ao sabor, aroma e calor. É melhor quando desfrutado em companhia, na interação com outras pessoas. Aqui, com base no que vimos da teoria de Dewey, podemos pensar na condição de crescimento, no continuum da experiência e as associações retrospectiva e prospectiva e também no valor do aparelho sensitivo para a criança, assim como a importância da interação social.
A metáfora textual é uma ponte(uso uma metáfora para explicar a própria metáfora) que liga os significados de diferentes palavras, ideias e conceitos. Algumas vezes é conexão poética, como a da obra Como pensamos (1979a), sobre professor, aluno, ensinar e aprender, escolhida para concluir esta reflexão, porque evidencia que cada um tem seu papel, o que é próprio do professor e o que é próprio do aluno.
“O único meio de fazer que os alunos aprendam mais é ensinar de verdadeiramente mais e melhor. Aprender é próprio do aluno: só ele aprende, e por si, portando a iniciativa lhe cabe. O professor é um guia, um diretor; pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve partir dos que aprendem” (DEWEY, 1979a, p. 43).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DEWEY, John. Como pensamos. Tradução: Haydée Camargo Campos. São Paulo: Nacional, 1979 a. Atualidades pedagógicas; vol. 2.
DEWEY, John. Democracia e educação. Tradução: Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1979b. Atualidades pedagógicas; vol. 21.
No início da tarde desta quinta-feira (7), a presidente do CPERS, Helenir Aguiar Schürer, protocolou junto à Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa uma proposta de emenda ao texto da Lei Orçamentária Anual, enviado pelo governo Eduardo Leite à Assembleia.
A emenda busca inserir a recomposição salarial de 47,82% para os servidores ativos, inativos e pensionistas vinculados à rede estadual de ensino, na previsão orçamentária de 2022.
O percentual representa apenas a inflação do período de 2014 até o presente momento, tratando-se de uma recomposição do valor dos salários, sequer falando em aumento real.
Helenir afirma que os educadores(as) do Rio Grande do Sul estão fazendo a sua parte, mesmo há 7 anos sem reposição salarial, e necessitam urgentemente de valorização para toda categoria.
“Há sete anos o Rio Grande do Sul joga seus professores(as) e funcionários(as) de escola, na ativa e aposentados(as), para a miséria. Os governos Sartori e Leite se elegeram com o discurso de sempre: educação é prioridade. Mas na prática, o Rio Grande do Sul prioriza qualquer coisa, menos a educação.”, afirma.
Para a presidente do Cpers, a Lei Orçamentária Anual apresenta um cenário de descaso com a educação, que precisa ser corrigido. “No projeto da LOA para 2022 a função educação diminui 0,3% da sua fatia no orçamento e a previsão de gastos com pessoal também cai 3,3%”, declara.
No entanto, segundo Helenir, dados apontam que o governo do Estado tem recursos para garantir essa reposição.
“O governo estima um crescimento de 6,9% na arrecadação. Para os altos salários do TJ, MP e Assembleia Legislativa também há dotação de aumento. Podemos falar também dos R$20 bilhões que o Estado deixa de arrecadar ao ano por conceder isenções fiscais sem qualquer transparência ou dos R$340 milhões ao ano que o governo passou a confiscar dos aposentados(as) da Seduc após as mudanças na Previdência”.
Para o CPERS Sindicato, dinheiro tem. Basta priorizar a educação! No dia 15 de outubro às 09h30, a categoria realizará Ato em frente ao IPE Saúde com caminhada até o Palácio Piratini reivindicando respeito e salário digno.
O texto da emenda foi elaborado em conjunto com a assessoria jurídica Buchabqui e Pinheiro Machado, e assinado, também, pela CUT/RS e CTB/RS. Confira aqui a íntegra o texto da emenda.
É importante e necessário que cada casa tenha um jardim. Nem que seja um pequeno jardim, mas que a criança possa ter contato com a natureza e perto dela ficar o tempo que for preciso. Se morar num apartamento que existam plantas e flores em vasos. Se morar numa casa com quintal que possa ter plantas frutíferas, hortas e flores. Faz bem às crianças conviverem perto da natureza.
Nos versos de Khalil Gibran ele nos diz o seguinte “Árvores são poemas que a terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio.” Sim, e que lindos poemas a terra escreve para o céu e que nós poderíamos recitá-los no poente, embaixo de um arco-íris ou num bosque próximo da gente. Mas, preferimos derrubá-las para escrever nelas o vazio da nossa existência, o nada que muitas vezes nos sentimos.
Nós derrubamos as árvores por uma necessidade emocional? Não! As derrubamos porque somos egoístas, porque somos ingratos a natureza, porque somos medíocres e queremos registrar a nossa história num pedaço de papel para a posteridade e esquecemos o quanto de mal fazemos as árvores que são derrubadas todos os dias para servirem de elemento que fabrica o papel. Nós poderíamos registrar os nossos feitos em outros locais, como assim faziam os homens das cavernas que deixaram registradas as suas histórias nas paredes das cavernas e até onde se sabe eles não agrediram a natureza para deixarem registrados os seus grandes feitos.
Que queremos nós das árvores? Que queriam os românticos do século XIX? Como se apresentava a natureza para esses escritores loucamente apaixonados pelas suas senhoritas? Muitos ficaram famosos e até hoje são lidos no mundo inteiro como é o caso do romance que vamos estudar neste ensaio intitulado “Os miseráveis” do autor francês Victor Hugo. Eu tenho muitas razões para ter escolhido este romance para falar sobre as árvores e a natureza que o preenche em todos os seus capítulos, mas uma delas é o amor que o autor procura passar para o leitor da natureza.
Esse cuidado com a natureza, de mostrar-lhe bela e exuberante mesmo em meio a uma guerra, mesmo em meio a fome, mesmo em meio ao desespero, faz do romance “Os miseráveis” de Victor Hugo algo maravilhoso aos nossos olhos e se o leitor for atento igual a mim verá que são tantas as vezes em que o autor traz a palavra “árvores” em seu romance que a gente acaba criando uma paisagem verde na descrição dos lugares que ele faz de forma própria e rápida. Uma leitura que recomendo a todos os amantes da literatura é essa obra que enaltece a beleza da natureza do eu, ou seja, do ser na sua essência mais sofrida e da própria natureza das florestas que estão sempre presentes nos românticos desse século.
Os temas principais do romantismo giram em torno do nacionalismo, a supervalorização dos sentimentos e das emoções pessoais (angústias, tristezas, paixões, felicidades e etc). Esse sentimentalismo exagerado está refletido nos enredos que, em sua maioria, consistem em histórias de amor ou, quando este não é o dado principal, em histórias em que o amor e a paixão prevalecem. Mas um dos temas mais recorrentes no romantismo é o culto à natureza que ganha traços diferenciados no romantismo pois, a partir de agora, passa a funcionar não apenas como pano de fundo para as histórias, mas também, passa a exercer profundo fascínio pelos artistas.
Além disso, a natureza passa a entrar em contato com o eu romântico, refletindo seus estados de espírito e sentimentos. É assim que podemos ler a obra “Os miseráveis” de Victor Hugo, ou seja, um profundo fascínio pelas florestas, bosques e jardins. Uma grande obra que se fosse lida nas aulas sobre meio ambiente chamaria atenção do público pelo enaltecimento que o autor propõe a natureza em cada capítulo da sua obra.
A obra “Os miseráveis” foi escrita pelo autor francês Victor Hugo no ano de 1862, tendo sido traduzida para vários idiomas logo depois de ser lançada, inclusive para o nosso português. É considerado por muitos como um dos maiores clássicos do romantismo francês. Na história da obra “Os miseráveis” o autor narra a situação política e social da população francesa no século XIX, por meio do personagem Jean Valjean.
No romance, o autor descreve a vida das pessoas miseráveis e pobres de Paris durante a Insurreição Democrática. Por meio do personagem Jean Valjean, o romance faz críticas a sociedade francesa da época, desde a desigualdade social aos dilemas morais individuais das pessoas. É também através dos seus diversos personagens que o autor enaltece o seu amor pela natureza em vários dos momentos que se seguem na obra. Uma leitura agradável e fiel ao leitor porque traz sempre críticas aos acontecimentos marcantes daquela época como também retrata bem uma França onde a natureza se faz presente em cada casa, em cada praça em cada local onde podemos chegar através da leitura que nos fascina e nos prende nas suas volumosas páginas.
Este amor pelas árvores na obra “Os miseráveis” pode ser visto logo nas suas primeiras páginas quando o personagem principal tem como profissão ser podador de árvores e viver perto delas, ou seja, ser um homem do campo. Mais a frente este mesmo personagem depois de passar por muitas aventuras encontra-se num belo bosque encostado numa árvore quando rouba uma moeda de um garoto. As páginas do romance vão se passando e a gente encontra o autor morando numa casa com um belo jardim, ele passeia numa praça cheia de árvores, depois vai morar num convento onde passa a ser seu jardineiro, volta a morar numa casa com um belo jardim com flores as mais diversas e repleto de árvores e faz os seus passeios pelos bosques sempre a sentir o ar verde da natureza.
Até mesmo quando descreve a batalha de Waterloo, Victor Hugo, consegue trazer as árvores de uma forma cheia de romantismo e amor por elas. No meio da batalha, os soldados feridos, os cavalos, os canhões e lá estavam as árvores como testemunhas de que os soldados franceses lutaram até seus últimos momentos contra os ingleses.
Mas, Jean Valjean não está sozinho nesta obra. Ao contrário, ele tem a companhia de uma menina com lindos olhos azuis chamada Cosette que também aprecia muito os passeios pelas praças e bosques e gosta de cuidar do seu jardim da casa onde mora com o seu pai Jean Valjean.
Assim como a menina Cosette poderiam ser as crianças de hoje em dia, morarem em casas rodeadas por jardins com flores, insetos e árvores para que pudessem aprender a amar a natureza desde a tenra idade.
Cosette foi educada num convento de freiras onde tinha um grande jardim cuidado pelo seu pai e por um amigo fiel. Nas escolas também poderíamos ter jardins além de câmeras, computadores, tablets e muros altos. A menina Cosette e seu pai chegam a passar horas sentados no banco de uma praça contemplando a natureza, em completo silêncio. É nessa praça onde ela conhece aquele que será o seu grande amor o jovem revolucionário chamado Marius. Os jardins do romance servem muitas vezes para proteger Jean Valjean contra a polícia de quem ele vive fugindo, principalmente para se esconder do inspetor Javert que não o para de perseguir. Em todas as casas alugadas pelo nosso personagem principal sempre encontraremos a presença de um belo jardim.
A presença das árvores no romance é a coisa mais linda que podemos ver na narrativa de Victor Hugo. Parece que em cada local ele quis colocar uma árvore. Talvez um apelo para a nossa atualidade onde poucos romances enaltecem a natureza e dão valor aos edifícios, as avenidas, aos muros altos e esquecem de falar nas flores e nos insetos que fazem parte desses jardins que já não encontramos mais na maioria das casas.
Eu conheci um jardineiro recentemente que ama o seu trabalho. Falei do jardim do convento de freiras onde Jean Valjean trabalhou por muitos anos junto com um dos seus melhores amigos. No jardim das freiras havia plantas e árvores frutíferas. Muitas vezes o autor da obra nos fala do cultivo de melões e peras. Sim! Os jardins daquela época tinham também árvores frutíferas e não somente flores como vemos atualmente. As árvores eram o grande destaque dos belos jardins. Saber cuidar bem delas era o ofício principal do jardineiro.
Na casa onde Cosette teve o seu primeiro encontro com Marius havia um jardim cheio de árvores frutíferas. Também tinha um banco onde Cosette gostava de sentar-se, refletir sobre a sua vida e pensar na mãe que não conhecera. É nesse jardim onde acontece a primeira paixão arrebatadora de Cosette. Os encontros com o jovem Marius são sempre ali. Ele pula a grade de ferro e entra no jardim sorrateiramente para não ser visto pelo pai e por mais ninguém. Não sei se o autor quer nos dizer que ele é um amante da natureza ou se Jean Valjean, o seu personagem principal, é quem ama tanto a natureza que não consegue viver longe dela porque nas casas que aluga sempre existirá um jardim a sua disposição.
Os belos jardins de Victor Hugo não são muito detalhados. Ele simplesmente fala sobre a existência deles em alguns locais de forma quase despercebida pelo leitor não atentar para a presença da natureza no seu romance. Confesso que na primeira leitura que fiz da obra, há alguns anos não atentei para isso. Para mim, na primeira leitura é como se as árvores estivessem ali por estarem simplesmente e não por serem elementos necessários a narrativa do autor.
Na sua infância Cosette sempre gostou dos jardins depois que passou a viver com Jean Valjean. Ela aprendeu com o pai a cuidar das flores e das árvores. Esse cuidado que tanto falo aqui necessário as crianças das grandes cidades. Para mim, a cada criança que nasce deveria ser presenteada uma árvore. Que ela pudesse desde cedo cuidar dessa árvore e fazê-la crescer frondosa e exuberante aos olhos do mundo. Não se sabe se Jean Valjean ensinou a Cosette amar os seus jardins, com efeito sabe-se que ele sempre a levava para passear nos bosques e praças.
De certa forma, não é preciso ensinar, mas fazer gostar. As crianças tendem a imitar os pais. Se elas são acostumadas desde crianças a cuidarem da natureza, nunca que a agredirão. Do mesmo jeito se elas forem acostumadas a passearem em parques e bosques, sempre que puderem, mesmo adultas, voltarão a passear nesses lugares porque as lembranças da infância estão vivas no pensamento. Tornamos a voltar nas nossas infâncias sempre que lembramos de algo agradável.
É importante e necessário que cada casa tenha um jardim. Nem que seja um pequeno jardim, mas que a criança possa ter contato com a natureza e perto dela ficar o tempo que for preciso. Se morar num apartamento que existam plantas e flores em vasos. Se morar numa casa com quintal que possa ter plantas frutíferas, hortas e flores. Faz bem às crianças conviverem perto da natureza.
Na obra “Os miseráveis” a menina Cosette era triste e sofrida pela ausência da sua mãe, mas depois de ganhar o amor e cuidados de Jean Valjean passou a ser alegre e amar todas as coisas ao seu redor. Apesar da simplicidade com que viviam pai e filha, a menina aprendeu a amar as árvores da mesma forma que o seu pai. É isso que sempre peço nos meus textos, ou seja, que as crianças tenham proximidade com as coisas que os pais gostam e apreciam.
Todos os papais e mamães precisam aprender a amar a natureza. Alguns reclamam que as árvores sujam muito. As folhas secas que caem das árvores servem para reter a água da chuva evitando as enchentes, elas também servem como adubos para outras plantas. Além do mais, apanhar folhas secas junto com as crianças é uma grande terapia ocupacional para esquecer a ansiedade e o estresse do dia a dia.
Quando a gente lê as obras dos românticos do século XIX aprendemos com eles a amar a natureza e cuidar bem dela. Passamos a valorizar as nossas árvores. Descobrimos que o amor pelas florestas é grandioso e necessário. Nesses romances, não vemos árvores sendo derrubadas, florestas desmatadas ou queimadas. Nada disso! O amor dos autores pela natureza é tão grande que vemos sempre descrições bonitas sobre ela. Essas obras românticas deveriam chegar às crianças de uma certa forma. Talvez através da adaptação que se faz tão boa para dialogar com a criança.
Alguém pode dizer que “Os miseráveis” não tem como ser lido por crianças, mas eu digo o contrário. Tem muita coisa nesta obra que pode ser discutida e interpretada pelas crianças. Além do podador de árvores temos os jardineiros, os proprietários de jardins, os que apreciam bosques, os que passam horas sentados em praças públicas. Nós já não temos mais esses costumes que tinham Jean Valjean e a sua filha de passearmos pelas praças públicas, porque as coisas estão tão violentas que tememos um assalto ou coisa parecida. Mas, podemos ir a esses lugares num horário que tenham outras pessoas. Claro que não podemos ir sozinhos. Correremos o risco de realmente sermos assaltados porque as autoridades públicas não se preocupam com as nossas seguranças. É uma pena!
O nosso personagem principal Jean Valjean gostava de podar árvores com um machado. Há no romance outro personagem que faz isso do qual não lembro o nome agora. O podador de árvores necessita ter um carinho e cuidado com elas, pois se podar demais a deixará feia e tristonha.
As árvores também choram. As árvores também ficam tristes. Nas suas diversas fugas que tinha sempre o inspetor Javert o perseguindo, Jean Valjean subiu em muitas árvores para cair dentro de jardins alheios. As árvores sempre foram generosas para com o nosso personagem. E ele também sempre teve um amor grandioso por elas. Talvez o maior amor da sua vida depois da menina Cosette. Jean Valjean gostava de viver nos fundos das casas que alugava bem lá atrás dos seus jardins escondido de todos e, principalmente, do inspetor Javert.
Já existe uma versão para crianças dessa obra que ora falo. Seria bom que professores e pais lessem para as suas crianças dando ênfase aos elementos da natureza que nela aparecem. Contando as aventuras de Jean Valjean, Cosette, Javert e tantos outros personagens. Trazendo sempre a presença das árvores significativa na narrativa. Que o professor possa junto com as crianças descobrirem imageticamente como eram os jardins do século XIX da França e como eram os nossos jardins brasileiros daquela época. Também que seja criado um diálogo em relação aos jardins que não têm mais árvores e sim apenas flores.
Por que estamos deixando de plantar árvores nas nossas casas, nas nossas ruas e nas nossas praças? O que fazer para colocar esse amor de Jean Valjean pela natureza à mostra de todas as crianças nas escolas? O que nos aproxima do romance e ao mesmo tempo nos afasta dele? Ainda temos nas nossas casas jardineiros? Conhecemos algum podador de árvores? Que tal convidar um podador de árvores para fazer uma fala na escola?
Se Jean Valjean ensinou a menina Cosette a cuidar e amar o seu jardim nós também podemos ensinar às nossas crianças a amarem os seus. As crianças enxergam nas árvores grandes amigas que são capazes de ouvi-las e confiarem os seus segredos. Se não podemos mais passar horas sentados num banco de uma praça sentindo o ar puro das árvores que possamos ter nas nossas casas um pequeno jardim florido onde as crianças possam regá-lo e cuidar dele com todo o carinho do mundo assim como fazia Cosette com os seus jardins pelas diversas casas onde passou com o seu pai.
Afinal, a vida requer um pouquinho de amor em tudo o que fazemos e esse amor Jean Valjean e a menina Cosette sabiam doar muito bem as coisas que faziam e onde viviam. A gente aprende a valorizar mais a vida comendo pão preto, acreditava Jean Valjean. Eu acredito que a gente aprende a valorizar mais a vida chupando cajus quando a fome aperta na barriga e dentro de casa não tem nada para comer.
Destaco uma parte do texto que traz as árvores de uma forma maravilhosa para a nossa leitura que diz o seguinte “Que fez durante todo esse trajeto? Em que pensava? Como de manhã, olhava as árvores passarem, os tetos de colmo, os campos cultivados e os diferentes aspectos da paisagem que se desloca a cada volta do caminho; essa é uma forma de contemplação que muitas vezes satisfaz a alma, dispensando-a de pensar.” Momento em que Jean Valjean está indo decidir mais uma vez o destino da sua vida difícil e sofrida ele escolhe olhar as árvores para pensar e refletir sobre tudo o que fez nela e o que poderá fazer para tornar-se um homem bom e virtuoso.
E para finalizar o meu texto deixo outra passagem bonita que gosto muito e nos diz o seguinte “Uma hora depois, um homem, caminhando pelo meio das árvores e do nevoeiro, afastava-se rapidamente de Montreuil-sur-Mer na direção de Paris. Era Jean Valjean.” Mais uma vez Jean Valjean se vê na necessidade de fugir das mãos do inspetor Javert e caminha pelas árvores. Quantos de nós não fugimos dos nossos problemas, angústias e aflições caminhando pelo meio das árvores da nossa cidade?
Em outra publicação, escrevemos: não é porque moramos em áreas urbanas movimentadas que não teremos uma árvore próxima de nós. O resto, se quisermos, será sombra das nossas próprias árvores, plantadas pelas nossas e pelas mãos das nossas crianças com sorrisos e alegrias de não se acabarem mais. Leia mais: https://www.neipies.com/as-arvores-urbanas-e-sua-importancia-para-as-criancas/
A espiritualidade do olhar nos conecta com o respeito, com o diálogo e com o encontro presente no olhar daquele e daquela que não pode mais receber um abraço, um afago. O distanciamento é essencial para nossa sobrevivência. Se o olhar é a porta da alma, sem dúvida é a janela do coração; e o termômetro da emoção e da razão.
Espiritualidade é tudo aquilo que dentro de mim, de nós, faz uma transformação. Tudo aquilo que me leva a mudar enquanto ser humano. A espiritualidade desce da cabeça para o coração e através do respeito, diálogo e encontro, coloca-me em direção ao diferente fazendo, portanto, uma mudança interior e exterior.
O isolamento social tem sido benéfico pois exige de mim, de cada um, de cada uma de nós, conhecer alguém que pouco conhecemos: nós mesmos! Tenho que nestes dias de quarentena encarar a mim mesmo sem máscaras, sem subterfúgios, sem rotas de escape, apenas eu comigo mesmo, para entender o que Karl Rahner já dizia: Espiritualidade é viver pelo Espírito.
Se eu vivo no Espírito, não posso voltar a ser quem eu era antes da pandemia. Preciso ir além, exercitando a cada dia a misericórdia, a compaixão, a justiça, a paz. Precisamos voltar à anormalidade, pois a normalidade não deu certo!
A espiritualidade é para mim alteridade, pois, me coloco sempre na estrada que me leva ao outro, me leva ao diferente. Não é fácil esta caminhada, se não conseguimos respeitar o outro, não conseguimos dialogar com o outro, não conseguimos encontrar o outro.
A espiritualidade é para mim o encontro do ser humano com o Deus da Vida, pois, só há espiritualidade dentro de um cenário em que está inteiramente inserida na realidade histórica. É fácil falar do fim, porém, o difícil é indicar o começo e o caminho.
A fé não é antídoto para a Covid-19, pelo menos até o momento, a ciência ainda não atestou isso. Mas, a fé caminha de mãos dadas com a vida e a vida é cheia de espiritualidade que tem como características a liberdade e a libertação.
Eu vejo você!
O lugar da pluralidade que liberta é a valorização da pessoa, do indivíduo, da consciência, da diversidade. E como dizia o teólogo Segundo Galilea: “A espiritualidade é o conjunto de práticas e atitudes que manifestam a experiência de Deus (do Espírito Santo), numa pessoa, numa cultura, ou numa comunidade. É toda existência humana que põe em marcha existência pessoal e comunitária. Trata-se de um estilo de vida que dá unidade profunda ao nosso orar, nosso pensar e nosso agir”.
Acredito nisso!
A alteridade é um substantivo feminino que procura explicar a condição natural do que seja o outro; deve ser entendida a partir de uma divisão entre um “eu” e um “outro”, ou entre um “nós” e um “eles”. A alteridade se aproxima da empatia, pois implica colocar-se no lugar ou na pele desse “outro”, alternando as perspectivas e as prospectivas que nascem em torno do respeito, do diálogo e do encontro.
A pandemia e o isolamento social trouxeram um novo viés para as relações humanas: todo ser humano precisou se livrar das máscaras e das maquiagens e, teve que extinguir os preconceitos e encarar-se em frente do espelho.
O ser humano, consigo mesmo, na busca por um entendimento profundo de como fortalecer ou refazer laços de amizade e de admiração desfeitos por conta de fofocas, desentendimentos e mentiras. É o desafio que terá nos dias que virão. Uma minoria abraâmica, como dizia Dom Hélder Câmara, sairá modificada desta pandemia buscando fazer a diferença.
A espiritualidade enquanto alteridade reforça a ideia de que somos seres humanos propensos à liberdade e à libertação; o Espírito que habita em cada um, em cada uma de nós, nos convida e nos impulsiona a mergulharmos nas águas profundas do nosso ser, mas ao retornarmos à superfície, ir em direção do outro, do que é diferente, e que fortalece a nossa pluralidade na unidade.
A Teologia da Libertação ensinou a quebrar os grilhões que tornavam mulheres e homens da América Latina e Caribe em escravos políticos, sociais, econômicos e religiosos. Na liberdade de filhas e filhos de Deus, ousamos sonhar um outro mundo novo e possível.
Neste outro mundo novo e possível, será preciso experimentar uma espiritualidade do olhar. Antes, podíamos contemplar a face de mulheres e homens em sua plenitude e beleza. Com a pandemia, resta-nos contemplar os sinais transmitidos pelos olhos; estes ainda não foram escondidos pelas máscaras. A comunicação que brota e jorra dos olhares, de tantas pessoas, define o grau de cumplicidade e proximidade com a outra pessoa que deve se manter longe, para o bem de ambos.
Será necessário assistir ao filme AVATAR. Há uma frase do casal principal que ilustra muito bem este exercício de enxergar a gentileza, a misericórdia, a coragem, a compaixão, o amor e a ternura que existe na outra pessoa, mas que só pode ser revelada com a contemplação profunda do olhar: “EU VEJO VOCÊ!”.
A espiritualidade do olhar nos conecta com o respeito, com o diálogo e com o encontro presente no olhar daquele e daquela que não pode mais receber um abraço, um afago. O distanciamento é essencial para nossa sobrevivência. Se o olhar é a porta da alma, sem dúvida é a janela do coração; e o termômetro da emoção e da razão.
Eu vejo você, e você não é mais invisível para mim! Toda a sua dignidade humana me interessa: suas dores, suas alegrias, suas derrotas, suas conquistas. Eu vejo você por inteira, por inteiro. Eu vejo você, porque antes eu me vi, eu me enxerguei e me aceitei enquanto ser humano comprometido com o Espírito de Jesus de Nazaré e isso me faz frutificar o mundo.
A espiritualidade do olhar não tem uma fórmula, não tem um método. Ela nasce na observação atenta dos olhares. O olhar não faz barulho nenhum. Neste silêncio encontraremos as respostas.
Me lembro do último encontro que tive com meu querido amigo e irmão Dom Pedro Casaldáliga, em Ribeirão Cascalheira – MT, durante a Romaria dos Mártires da Caminhada Latino-Americana, em 2016. Ele estava sendo cuidado em sua cadeira de rodas e eu fiquei ali parado na porta, olhando-o de longe. Ele me viu, me reconheceu, me beijou e me abraçou com o seu olhar. Não dissemos uma única palavra, mas falamos tudo o que a saudade e nossa amizade pediam.
Para mim, há um profundo significado em dizer eu vejo você! E para você?
Autor: Emerson Sbardelotti é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agente de pastoral leigo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Cobilândia, Vila Velha, Espírito Santo.
Precisamos urgentemente nos educar eticamente para que a corrupção não se torne um vírus letal que coloque em risco nossa convivência social e a possibilidade de uma sociedade melhor no futuro próximo.
A corrupção se tornou tão corriqueira e banal que já não é mais novidade pra ninguém. Na televisão, nos jornais, nas redes sociais e em quase todos os meios de comunicação, a corrupção virou epidemia nacional que tomou conta de nosso país.
A corrupção se tornou tão comum e ao mesmo tempo tão sofisticada que as vezes dá a impressão que temos uma “eficiente escola da corrupção” que diploma todos os dias corruptos especializados. Mas o que significa corrupção? Por que ela se tornou tão presente em nosso tempo? Que aprendizagens pedagógicas podemos fazer a partir das situações de corrupção? Por que a corrupção se tornou um problema educacional?
A palavra corrupção vem do latim, corruptione, e significa putrefação, depravação, suborno, tornar algo pútrido. Daí a ideia de que a corrupção envolve podridão, sujeira, desonestidade.
A corrupção sempre existiu, desde as antigas civilizações e está associada ao poder, governo ou pessoas que possuem um certo grau de influência nas tomadas de decisão. Geralmente corrupção envolve dinheiro, troca de favores, privilégios, ações ilícitas. Nos tempos recentes, a corrupção esteve associada a forma como políticos e partidos se envolveram em esquemas de propina com empresas que se beneficiaram na licitação de obras públicas.
Mas a corrupção não acontece apenas nos meios políticos ou na esfera pública. Ela acontece também na vida privada, nas micro relações de poder. Encontramos corrupção na escola, no trabalho, nos clubes esportivos, nas associações de bairro, nas lideranças comunitárias e até mesmo nos relacionamentos familiares.
A corrupção se faz sentir quando na relação entre as pessoas ocorre algo desonesto, reprovável, que não pode ser aceito, pois colocaria em risco o funcionamento da sociedade.
Podemos dizer que as possibilidades de corrupção se fazem sentir em diversas dimensões e sentidos: é corrupto o político que compra votos para ganhar a eleição, assim como o eleitor que vende seu voto para obter qualquer tipo de vantagem; é corrupto o aluno que cola nas provas para poder passar de ano sem ter conhecimento; é corrupto o pai que compra com presente o afeto do filho; é corrupto o líder comunitário que se beneficia do cargo para se promover pessoalmente; é corrupto o comerciante que adultera a data de validade dos produtos, para não ter prejuízo; é corrupto o diretor de escola que se utiliza do cargo para perseguir desafetos pessoais ou inimigos políticos; é corrupto o líder religioso que se utiliza da religião para o benefício próprio ou para enriquecer ilicitamente; é corrupto o funcionário público que deixa de cumprir sua função ou trata de forma desigual pessoas que tem os mesmos direitos; é corrupto o profissional que faz distinção de clientes por questões religiosas, étnicas ou financeiras; é corrupto todo e qualquer cidadão que se omite de participar das decisões coletivas por acomodação ou qualquer motivo.
É corrupto aquele que divulga fake news sobre corrupção dos outros para esconder suas próprias corrupções como tem acontecido no cenário político atual.
Mais do que um problema político, a corrupção é um defeito ético. Por isso precisamos urgentemente nos educar eticamente para que a corrupção não se torne um vírus letal que coloque em risco nossa convivência social e a possibilidade de uma sociedade melhor no futuro próximo.
Se formos honestos conosco e com os outros, perceberemos mais claramente quando alguém está tentando nos manipular. Teremos condições de dizer não a este tipo de relacionamento. Do contrário, seguiremos criticando os políticos, as igrejas, a mídia etc. e fazendo o mesmo nas nossas relações. (Luis Felipe Nascimento) Leia mais: https://www.neipies.com/somos-todos-manipuladores-e-manipulados/
É engraçado como o discurso bolsonarista é sexualizado. Eles, que nos apontam promíscuos, depravados e muitas vezes até pedófilos e adeptos à sexualização infantil, não perdem a oportunidade de sexualizar os discursos que proferem e que seus próprios filhos escutam, como bem apontou Contarato.
O título é uma frase dita pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) nesta quinta-feira (30/09), dirigindo-se ao empresário bolsonarista Otávio Fakhoury. O bolsonarista, em rede social, apontou um erro de ortografia cometido por Contarato, também em rede social, com o seguinte comentário homofóbico: “O delegado [Contarato], homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário… Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou?”
É engraçado como o discurso bolsonarista é sexualizado. Eles, que nos apontam promíscuos, depravados e muitas vezes até pedófilos e adeptos à sexualização infantil, não perdem a oportunidade de sexualizar os discursos que proferem e que seus próprios filhos escutam, como bem apontou Contarato.
O bolsonarista agiu como um moleque. Aliás, todos eles, os bolsonaristas, me lembram os moleques da minha escola, naquela fase em que falar de sexo é novidade e é necessário falar o tempo todo, assim como é importante falar da feminilidade do coleguinha pra poder afirmar a própria masculinidade. Infelizmente, de 2018 pra cá, o 5º ano do ensino fundamental assumiu o poder executivo do Brasil.
Já me disseram, amigos e conhecidos, que levo política muito a sério. Pessoas que tomam por “política” apenas questões partidárias de uma porção de siglas iguais (só muda as letras), e muita farinha do mesmo saco, tomando decisões em uma esfera separada de tudo o que nós, mortais comuns, vivenciamos no dia a dia.
Tem essa visão (embaçada) de política, quem goza de alguns privilégios. Há privilégios que fazem com que tu consigas tocar a tua vida sem preocupação com decisões políticas, sem assistir o JN ou sem buscar o que o JN não mostra (em fontes seguras, por favor!). Eu, apesar de gozar de alguns privilégios na vida, pela falta de outros me aproximei de muita gente que, assim como eu, vive à margem de um bocado de “confortos”.
Já fui cuspido na rua por careca com cruz suástica tatuada no corpo. Já me jogaram garrafa por estar abraçado em outro cara. Coisas que aconteceram enquanto um deputado federal, que nada trabalhava, mas muito vociferava ódio na mídia, dizia sem medo de punição, que filho quando ficava “gayzinho” tinha que levar porrada. Anos depois esse mesmo deputado se tornaria presidente da república.
Também já fui insultado e quase agredido fisicamente por gente que gritava, dentro de uma câmara de vereadores lotada (Passo Fundo-RS), que a minha forma de amar corrompe crianças e destrói a família, enquanto vereadores aprovavam uma tentativa de censura de discussões sobre respeito à diversidade na escola, e tiravam foto com a bandeira do Brasil Império.
Falar de política, pra mim, não é algo a ser feito da boca pra fora. Demanda esforço, demanda remexer na minha história, no meu passado, nas minhas feridas e nas dores de todas aquelas e aqueles que compartilham das mesmas lutas que eu, ou que se assemelham e se aproximam por empatia. Por isso, a fala do Contarato me emocionou tanto: pela verdade, pela potência, pelo lugar de fala e pela lucidez.
Contarato fez o bolsonarista pedir desculpas publicamente e isso é grande, mas não basta. O lugar dessa gente é a lata de lixo da história e é pra lá que devemos mandá-los, e que depois sejam aterrados com a vergonha de serem quem são, sentimento com o qual tanto tentam nos sufocar, mas nosso orgulho não deixa.
Levo para vida dois nomes de professoras que demonstraram sensibilidade aos meus piores momentos na vida escolar, e tentaram, mesmo sem embasamento algum, me acolher e incentivar. Isso me leva a acreditar que os termos “gênero” e “sexualidade” inseridos em documentos da educação, sozinhos, não são capazes de estancar o sofrimento e a expulsão/evasão escolar. É preciso lutar por formação continuada e valorização das/os profissionais da educação. Leia mais: https://www.neipies.com/lgbtfobia-educacao-e-disputa-nos-curriculos-escolares/
Esse é o primeiro de três ensaios sobre o Ensino Religioso, esses justificam-se pela necessidade constante da reflexão e da partilha. Ao fazer contato com os textos sinta-se à vontade para interagir conosco e nos ajudar à crescer na compressão, aperfeiçoamento e valorização da cultura religiosa, objeto da área de Ensino Religioso.
É comum percebermos, em alguns ambientes de ensino, certo descaso com o Ensino Religioso e as Ciências Humanas, o que está de acordo com uma educação centrada no desenvolvimento de habilidades para o mercado de trabalho. “Onde vou usar isso? ”, “porque precisa ter Ensino Religioso na escola? ”, “ Agora temos aula de “religião”? ” são questões que denotam uma visão utilitarista da educação, ao mesmo tempo em que denunciam a presença de compreensões equivocadas a respeito deste conhecimento, cuja, presença no currículo justifica-se exatamente pelo fato de ser cultura, e da escola constituir-se em espaço que possibilita acesso aos conhecimentos/culturais já produzidos pela humanidade ao mesmo tempo que instiga a produção de novos saberes.
Nos propusemos a olhar o Ensino Religioso em três ensaios que seguem perspectivas que estão inter-relacionadas. Nesse primeiro ensaio olhamos para a perspectiva histórica; em um segundo ensaio apresentaremos alguns fundamentos para o Ensino Religioso escolar; por fim, mas sem a pretensão de concluir, no terceiro ensaio ponderamos sobre a metodologia do Ensino Religioso propondo um modelo dialógico para as aulas, momentos privilegiados para construção de uma cultura da paz.
PERSPECTIVA HISTÓRICA
“As instituições religiosas (Igrejas) temem que o ensino religioso, trabalhado como conhecimento, seja desmobilizador das motivações religiosas e pastorais, bem como desestruturante das próprias instituições. Temem que a doutrina específica de cada Igreja seja generalizada, de forma a perder sua identidade” (BENINCÁ 2010. p.49).
Um dos desafios do Ensino Religioso é o caráter doutrinário que nos remete ao surgimento das escolas medievais, ocorrido na escolástica entre o século XI e XV. Nessa época, escolas construídas em torno das igrejas privilegiavam uma educação católica, eminentemente confessional; o mesmo se diga sobre o surgimento das universidades europeias centradas no estudo da bíblia e na defesa da fé.
O catolicismo, religião considerada na época oficial e hoje a que tem maior número de adeptos, contribuiu para essa concepção de um ensino religioso com caráter catequético. Pensando na realidade brasileira isso se torna ainda mais crível se considerarmos o “descobrimento[1]” da américa latina, a catequização dos que aqui residiam e toda educação Jesuíta que se seguiu.
Depois da independência do Brasil o modelo educacional da companhia de Jesus seguiu vigorando, bem como o regime do padroado que mantinha fortes os vínculos entre o império e a igreja, cabendo ao império a nomeação de pessoas do clero como funcionários do Estado. Essa heteronomia nas relações políticas influenciava diretamente na organização curricular, como salientam Sepulveda:
“A presença católica na escola brasileira ultrapassava a questão da disciplina escolar, era um problema curricular, pois, praticamente todos os conteúdos de todas as disciplinas, assim como a formação da maioria dos professores, de uma forma ou de outra, relacionava-se com a religião católica, seja pelos padrões morais, seja pela presença física de sacerdotes na estrutura escolar” (Educação, v. 42, n. 1, jan./abr. 2017).
Durante a primeira república, ainda que formalmente o ensino da religião saiu do currículo escolar, não sem resistência, visto que a Igreja seguia fazendo esforços para interferir na re-inclusão do Ensino Religioso como “matéria” curricular, o que ocorreu através do decreto nº 19.941 no ano de 1931. No decreto lemos orientações sobre o material a ser utilizado, os requisitos que precisavam ser preenchidos pela escola. Mencionamos alguns artigos do decreto a seguir devido a pertinência do mesmo no contexto deste estudo.
Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião. Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem. Art. 3º Para que o ensino religioso seja ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se proponha a recebê-lo. Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares interessadas. Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao Estado, no que respeita a disciplina escolar, e às autoridades religiosas, no que se refere à doutrina e à moral dos professores. Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado. Art. 8º A instrução religiosa deverá ser ministrada de maneira a não prejudicar o horário das aulas das demais matérias do curso (DECRETO nº 19.941, de 30 de Abril de 1931).
Os artigos do decreto acima demostram que estamos em um campo polêmico, embora tratado como matéria facultativa, o ensino, no caso de religião ocorria sob a vigilância de lideranças religiosas e do Estado.
Chamamos atenção para o artigo 4, cujo teor advoga na defesa de um ensino confessional entendido como ensino de religiões, inclusive no que tange a escolha do material didático. As mudanças que se seguiram na constituição de 1946 mantiveram o viés da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o caráter facultativo e o ensino atrelado a confissão do estudante como lemos no artigo V: “o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável” (BRASIL1934).
Durante o regime cívico militar, que predominou de 1964 à 1985, o Ensino Religioso junto com a Educação Moral e Cívica disputavam o grau de importância. Entende-se que especialmente nesse período a escola precisava dar conta do ensino vinculado ao modelo de governo, sendo assim, não cabia ao ensino religioso tratar sobre tolerância, direitos humanos, valores democráticos, visto que tais objetos do conhecimento não eram uteis para manutenção do status quo, então ensinavam-se doutrinas religiosas. Como em outros momentos mencionados anteriormente, neste também encontramos as raízes para uma concepção de ensino religioso desvinculada da ampla cultura religiosa já produzida.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assumiu decretos e leis citadas anteriormente, modificando o artigo que tratava sobre a remuneração dos professores que voltou a ser responsabilidade do estado, uma vez que, na legislação de 1946 os docentes dessa área não eram pagos pelo Estado, o que privilegiou o acesso a um ensino religioso por parte dos estudantes das redes particulares de ensino, muitas delas de caráter confessional.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso alterou o dispositivo do Ensino Religioso que passou a ser considerado “parte integrante da formação básica do cidadão”.
Como lemos na LDB (Lei 9.394/96) “§ O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (BRASIL 1996). Aqui podemos fazer uma interpretação crítica da lei, o Ensino Religioso é obrigatório para a escola que precisa oferecer, mas, não é para o estudante que pode escolher se vai frequentar as aulas e entrar em contato com os objetos do conhecimento deste que atualmente é uma área do conhecimento humano.
Também assinalamos que na LDB a um avanço em relação a perspectiva do Ensino Religioso no tocante ao conteúdo e a autonomia para o docente superar o ensino de religião, proporcionar um aprendizado democrático e integral: “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL 1996). Ainda nesse sentido a LDB orienta que:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (LDB, 9.394/96).
Essas orientações são frisadas na Base Nacional Comum Curricular, documento norteador das práticas pedagógicas das Escolas Brasileiras, no qual destaca-se que o Ensino Religioso, tornado área do conhecimento humano, se realiza desde a opção por conteúdos nascidos das ciências humanas e sociais, e das ciências das religiões, importa agora analisar o fenômeno religioso e sua significação para a formação humana.
Como lemos na BNCC “O conhecimento religioso, objeto da área de Ensino Religioso, é produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da (s) Ciência (s) da (s) Religião (ões)” (BRASIL, 2018). Seguindo essa ótica, as aulas de Ensino Religioso devem se constituir em espaços de exercício da alteridade, de combate a intolerância e todas as formas de discriminação:
Por isso, a interculturalidade e a ética da alteridade constituem fundamentos teóricos e pedagógicos do Ensino Religioso, porque favorecem o reconhecimento e respeito às histórias, memórias, crenças, convicções e valores de diferentes culturas, tradições religiosas e filosofias de vida. (BRASIL. 2018).
Tendo feito esse olhar, ainda que breve, para a história do Ensino religioso, frisamos que a concepção norteadora desse fazer pedagógico passou por diferentes perspectivas, priorizando-se o ensino confessional e doutrinário. Com a constituição de 1988, A LDB e a BNCC saímos do aspecto catequético/ doutrinário para um ensino pautado nas ciências das religiões, na dimensão transcendente e sagrada da vida presente nas religiões e filosofia de vida.
O que faremos no próximo ensaio é uma fundamentação da presença do Ensino Religioso nas escolas, visto que é uma das dimensões que compõe o ser humano e um conhecimento que precisa ser ofertado para que a formação dos estudantes não fique incompleta.
Autor: Marciano Pereira
Questões para seguir refletindo.
1. A qual modelo de Ensino Religioso você teve acesso? O que lembra das aulas de Ensino Religioso?
2. Você considera o Ensino Religioso um componente que precisa fazer parte dos currículos escolares? Justifique sua resposta.
3. Os educandos participam com afinco das aulas de Ensino Religioso, já conseguem entender a importância desse conhecimento para a formação humana?
REFERÊNCIAS:
BENINCÁ, Elli. Religião, Saúde e o Popular. Passo Fundo. Editora Berthier 2010.
SEPULVEDA, Denise, A disciplina de Ensino Religioso: história, legislação e prática.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
LDB – Leis de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394. 1996.Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf> Acesso em setembro de 2021