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“Os miseráveis”, de Victor Hugo, às crianças de hoje: o amor pelas árvores

É importante e necessário que cada casa tenha um jardim. Nem que seja um pequeno jardim, mas que a criança possa ter contato com a natureza e perto dela ficar o tempo que for preciso. Se morar num apartamento que existam plantas e flores em vasos. Se morar numa casa com quintal que possa ter plantas frutíferas, hortas e flores. Faz bem às crianças conviverem perto da natureza.

Nos versos de Khalil Gibran ele nos diz o seguinte “Árvores são poemas que a terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio.” Sim, e que lindos poemas a terra escreve para o céu e que nós poderíamos recitá-los no poente, embaixo de um arco-íris ou num bosque próximo da gente. Mas, preferimos derrubá-las para escrever nelas o vazio da nossa existência, o nada que muitas vezes nos sentimos.

Nós derrubamos as árvores por uma necessidade emocional? Não! As derrubamos porque somos egoístas, porque somos ingratos a natureza, porque somos medíocres e queremos registrar a nossa história num pedaço de papel para a posteridade e esquecemos o quanto de mal fazemos as árvores que são derrubadas todos os dias para servirem de elemento que fabrica o papel. Nós poderíamos registrar os nossos feitos em outros locais, como assim faziam os homens das cavernas que deixaram registradas as suas histórias nas paredes das cavernas e até onde se sabe eles não agrediram a natureza para deixarem registrados os seus grandes feitos.

Que queremos nós das árvores? Que queriam os românticos do século XIX? Como se apresentava a natureza para esses escritores loucamente apaixonados pelas suas senhoritas? Muitos ficaram famosos e até hoje são lidos no mundo inteiro como é o caso do romance que vamos estudar neste ensaio intitulado “Os miseráveis” do autor francês Victor Hugo. Eu tenho muitas razões para ter escolhido este romance para falar sobre as árvores e a natureza que o preenche em todos os seus capítulos, mas uma delas é o amor que o autor procura passar para o leitor da natureza.

Esse cuidado com a natureza, de mostrar-lhe bela e exuberante mesmo em meio a uma guerra, mesmo em meio a fome, mesmo em meio ao desespero, faz do romance “Os miseráveis” de Victor Hugo algo maravilhoso aos nossos olhos e se o leitor for atento igual a mim verá que são tantas as vezes em que o autor traz a palavra “árvores” em seu romance que a gente acaba criando uma paisagem verde na descrição dos lugares que ele faz de forma própria e rápida. Uma leitura que recomendo a todos os amantes da literatura é essa obra que enaltece a beleza da natureza do eu, ou seja, do ser na sua essência mais sofrida e da própria natureza das florestas que estão sempre presentes nos românticos desse século.

Os temas principais do romantismo giram em torno do nacionalismo, a supervalorização dos sentimentos e das emoções pessoais (angústias, tristezas, paixões, felicidades e etc). Esse sentimentalismo exagerado está refletido nos enredos que, em sua maioria, consistem em histórias de amor ou, quando este não é o dado principal, em histórias em que o amor e a paixão prevalecem. Mas um dos temas mais recorrentes no romantismo é o culto à natureza que ganha traços diferenciados no romantismo pois, a partir de agora, passa a funcionar não apenas como pano de fundo para as histórias, mas também, passa a exercer profundo fascínio pelos artistas.

Além disso, a natureza passa a entrar em contato com o eu romântico, refletindo seus estados de espírito e sentimentos. É assim que podemos ler a obra “Os miseráveis” de Victor Hugo, ou seja, um profundo fascínio pelas florestas, bosques e jardins. Uma grande obra que se fosse lida nas aulas sobre meio ambiente chamaria atenção do público pelo enaltecimento que o autor propõe a natureza em cada capítulo da sua obra.

A obra “Os miseráveis” foi escrita pelo autor francês Victor Hugo no ano de 1862, tendo sido traduzida para vários idiomas logo depois de ser lançada, inclusive para o nosso português. É considerado por muitos como um dos maiores clássicos do romantismo francês. Na história da obra “Os miseráveis” o autor narra a situação política e social da população francesa no século XIX, por meio do personagem Jean Valjean.

No romance, o autor descreve a vida das pessoas miseráveis e pobres de Paris durante a Insurreição Democrática. Por meio do personagem Jean Valjean, o romance faz críticas a sociedade francesa da época, desde a desigualdade social aos dilemas morais individuais das pessoas. É também através dos seus diversos personagens que o autor enaltece o seu amor pela natureza em vários dos momentos que se seguem na obra. Uma leitura agradável e fiel ao leitor porque traz sempre críticas aos acontecimentos marcantes daquela época como também retrata bem uma França onde a natureza se faz presente em cada casa, em cada praça em cada local onde podemos chegar através da leitura que nos fascina e nos prende nas suas volumosas páginas.

Este amor pelas árvores na obra “Os miseráveis” pode ser visto logo nas suas primeiras páginas quando o personagem principal tem como profissão ser podador de árvores e viver perto delas, ou seja, ser um homem do campo. Mais a frente este mesmo personagem depois de passar por muitas aventuras encontra-se num belo bosque encostado numa árvore quando rouba uma moeda de um garoto. As páginas do romance vão se passando e a gente encontra o autor morando numa casa com um belo jardim, ele passeia numa praça cheia de árvores, depois vai morar num convento onde passa a ser seu jardineiro, volta a morar numa casa com um belo jardim com flores as mais diversas e repleto de árvores e faz os seus passeios pelos bosques sempre a sentir o ar verde da natureza.

Até mesmo quando descreve a batalha de Waterloo, Victor Hugo, consegue trazer as árvores de uma forma cheia de romantismo e amor por elas. No meio da batalha, os soldados feridos, os cavalos, os canhões e lá estavam as árvores como testemunhas de que os soldados franceses lutaram até seus últimos momentos contra os ingleses.

Mas, Jean Valjean não está sozinho nesta obra. Ao contrário, ele tem a companhia de uma menina com lindos olhos azuis chamada Cosette que também aprecia muito os passeios pelas praças e bosques e gosta de cuidar do seu jardim da casa onde mora com o seu pai Jean Valjean.

Assim como a menina Cosette poderiam ser as crianças de hoje em dia, morarem em casas rodeadas por jardins com flores, insetos e árvores para que pudessem aprender a amar a natureza desde a tenra idade.

Cosette foi educada num convento de freiras onde tinha um grande jardim cuidado pelo seu pai e por um amigo fiel. Nas escolas também poderíamos ter jardins além de câmeras, computadores, tablets e muros altos. A menina Cosette e seu pai chegam a passar horas sentados no banco de uma praça contemplando a natureza, em completo silêncio. É nessa praça onde ela conhece aquele que será o seu grande amor o jovem revolucionário chamado Marius. Os jardins do romance servem muitas vezes para proteger Jean Valjean contra a polícia de quem ele vive fugindo, principalmente para se esconder do inspetor Javert que não o para de perseguir. Em todas as casas alugadas pelo nosso personagem principal sempre encontraremos a presença de um belo jardim.

A presença das árvores no romance é a coisa mais linda que podemos ver na narrativa de Victor Hugo. Parece que em cada local ele quis colocar uma árvore. Talvez um apelo para a nossa atualidade onde poucos romances enaltecem a natureza e dão valor aos edifícios, as avenidas, aos muros altos e esquecem de falar nas flores e nos insetos que fazem parte desses jardins que já não encontramos mais na maioria das casas.

Eu conheci um jardineiro recentemente que ama o seu trabalho. Falei do jardim do convento de freiras onde Jean Valjean trabalhou por muitos anos junto com um dos seus melhores amigos. No jardim das freiras havia plantas e árvores frutíferas. Muitas vezes o autor da obra nos fala do cultivo de melões e peras. Sim! Os jardins daquela época tinham também árvores frutíferas e não somente flores como vemos atualmente. As árvores eram o grande destaque dos belos jardins. Saber cuidar bem delas era o ofício principal do jardineiro.

Na casa onde Cosette teve o seu primeiro encontro com Marius havia um jardim cheio de árvores frutíferas. Também tinha um banco onde Cosette gostava de sentar-se, refletir sobre a sua vida e pensar na mãe que não conhecera. É nesse jardim onde acontece a primeira paixão arrebatadora de Cosette. Os encontros com o jovem Marius são sempre ali. Ele pula a grade de ferro e entra no jardim sorrateiramente para não ser visto pelo pai e por mais ninguém. Não sei se o autor quer nos dizer que ele é um amante da natureza ou se Jean Valjean, o seu personagem principal, é quem ama tanto a natureza que não consegue viver longe dela porque nas casas que aluga sempre existirá um jardim a sua disposição.

Os belos jardins de Victor Hugo não são muito detalhados. Ele simplesmente fala sobre a existência deles em alguns locais de forma quase despercebida pelo leitor não atentar para a presença da natureza no seu romance. Confesso que na primeira leitura que fiz da obra, há alguns anos não atentei para isso. Para mim, na primeira leitura é como se as árvores estivessem ali por estarem simplesmente e não por serem elementos necessários a narrativa do autor.

Na sua infância Cosette sempre gostou dos jardins depois que passou a viver com Jean Valjean. Ela aprendeu com o pai a cuidar das flores e das árvores. Esse cuidado que tanto falo aqui necessário as crianças das grandes cidades. Para mim, a cada criança que nasce deveria ser presenteada uma árvore. Que ela pudesse desde cedo cuidar dessa árvore e fazê-la crescer frondosa e exuberante aos olhos do mundo. Não se sabe se Jean Valjean ensinou a Cosette amar os seus jardins, com efeito sabe-se que ele sempre a levava para passear nos bosques e praças.

De certa forma, não é preciso ensinar, mas fazer gostar. As crianças tendem a imitar os pais. Se elas são acostumadas desde crianças a cuidarem da natureza, nunca que a agredirão. Do mesmo jeito se elas forem acostumadas a passearem em parques e bosques, sempre que puderem, mesmo adultas, voltarão a passear nesses lugares porque as lembranças da infância estão vivas no pensamento. Tornamos a voltar nas nossas infâncias sempre que lembramos de algo agradável.

É importante e necessário que cada casa tenha um jardim. Nem que seja um pequeno jardim, mas que a criança possa ter contato com a natureza e perto dela ficar o tempo que for preciso. Se morar num apartamento que existam plantas e flores em vasos. Se morar numa casa com quintal que possa ter plantas frutíferas, hortas e flores. Faz bem às crianças conviverem perto da natureza.

Na obra “Os miseráveis” a menina Cosette era triste e sofrida pela ausência da sua mãe, mas depois de ganhar o amor e cuidados de Jean Valjean passou a ser alegre e amar todas as coisas ao seu redor. Apesar da simplicidade com que viviam pai e filha, a menina aprendeu a amar as árvores da mesma forma que o seu pai. É isso que sempre peço nos meus textos, ou seja, que as crianças tenham proximidade com as coisas que os pais gostam e apreciam.

Todos os papais e mamães precisam aprender a amar a natureza. Alguns reclamam que as árvores sujam muito. As folhas secas que caem das árvores servem para reter a água da chuva evitando as enchentes, elas também servem como adubos para outras plantas. Além do mais, apanhar folhas secas junto com as crianças é uma grande terapia ocupacional para esquecer a ansiedade e o estresse do dia a dia.

Quando a gente lê as obras dos românticos do século XIX aprendemos com eles a amar a natureza e cuidar bem dela.  Passamos a valorizar as nossas árvores. Descobrimos que o amor pelas florestas é grandioso e necessário. Nesses romances, não vemos árvores sendo derrubadas, florestas desmatadas ou queimadas. Nada disso! O amor dos autores pela natureza é tão grande que vemos sempre descrições bonitas sobre ela. Essas obras românticas deveriam chegar às crianças de uma certa forma. Talvez através da adaptação que se faz tão boa para dialogar com a criança.

Alguém pode dizer que “Os miseráveis” não tem como ser lido por crianças, mas eu digo o contrário. Tem muita coisa nesta obra que pode ser discutida e interpretada pelas crianças. Além do podador de árvores temos os jardineiros, os proprietários de jardins, os que apreciam bosques, os que passam horas sentados em praças públicas. Nós já não temos mais esses costumes que tinham Jean Valjean e a sua filha de passearmos pelas praças públicas, porque as coisas estão tão violentas que tememos um assalto ou coisa parecida. Mas, podemos ir a esses lugares num horário que tenham outras pessoas. Claro que não podemos ir sozinhos. Correremos o risco de realmente sermos assaltados porque as autoridades públicas não se preocupam com as nossas seguranças. É uma pena!

O nosso personagem principal Jean Valjean gostava de podar árvores com um machado. Há no romance outro personagem que faz isso do qual não lembro o nome agora. O podador de árvores necessita ter um carinho e cuidado com elas, pois se podar demais a deixará feia e tristonha.

As árvores também choram. As árvores também ficam tristes. Nas suas diversas fugas que tinha sempre o inspetor Javert o perseguindo, Jean Valjean subiu em muitas árvores para cair dentro de jardins alheios. As árvores sempre foram generosas para com o nosso personagem. E ele também sempre teve um amor grandioso por elas. Talvez o maior amor da sua vida depois da menina Cosette. Jean Valjean gostava de viver nos fundos das casas que alugava bem lá atrás dos seus jardins escondido de todos e, principalmente, do inspetor Javert.

Já existe uma versão para crianças dessa obra que ora falo. Seria bom que professores e pais lessem para as suas crianças dando ênfase aos elementos da natureza que nela aparecem. Contando as aventuras de Jean Valjean, Cosette, Javert e tantos outros personagens. Trazendo sempre a presença das árvores significativa na narrativa. Que o professor possa junto com as crianças descobrirem imageticamente como eram os jardins do século XIX da França e como eram os nossos jardins brasileiros daquela época. Também que seja criado um diálogo em relação aos jardins que não têm mais árvores e sim apenas flores.

Por que estamos deixando de plantar árvores nas nossas casas, nas nossas ruas e nas nossas praças? O que fazer para colocar esse amor de Jean Valjean pela natureza à mostra de todas as crianças nas escolas? O que nos aproxima do romance e ao mesmo tempo nos afasta dele? Ainda temos nas nossas casas jardineiros? Conhecemos algum podador de árvores? Que tal convidar um podador de árvores para fazer uma fala na escola?

Se Jean Valjean ensinou a menina Cosette a cuidar e amar o seu jardim nós também podemos ensinar às nossas crianças a amarem os seus. As crianças enxergam nas árvores grandes amigas que são capazes de ouvi-las e confiarem os seus segredos. Se não podemos mais passar horas sentados num banco de uma praça sentindo o ar puro das árvores que possamos ter nas nossas casas um pequeno jardim florido onde as crianças possam regá-lo e cuidar dele com todo o carinho do mundo assim como fazia Cosette com os seus jardins pelas diversas casas onde passou com o seu pai.

Afinal, a vida requer um pouquinho de amor em tudo o que fazemos e esse amor Jean Valjean e a menina Cosette sabiam doar muito bem as coisas que faziam e onde viviam. A gente aprende a valorizar mais a vida comendo pão preto, acreditava Jean Valjean. Eu acredito que a gente aprende a valorizar mais a vida chupando cajus quando a fome aperta na barriga e dentro de casa não tem nada para comer.

Destaco uma parte do texto que traz as árvores de uma forma maravilhosa para a nossa leitura que diz o seguinte “Que fez durante todo esse trajeto? Em que pensava? Como de manhã, olhava as árvores passarem, os tetos de colmo, os campos cultivados e os diferentes aspectos da paisagem que se desloca a cada volta do caminho; essa é uma forma de contemplação que muitas vezes satisfaz a alma, dispensando-a de pensar.” Momento em que Jean Valjean está indo decidir mais uma vez o destino da sua vida difícil e sofrida ele escolhe olhar as árvores para pensar e refletir sobre tudo o que fez nela e o que poderá fazer para tornar-se um homem bom e virtuoso.

E para finalizar o meu texto deixo outra passagem bonita que gosto muito e nos diz o seguinte “Uma hora depois, um homem, caminhando pelo meio das árvores e do nevoeiro, afastava-se rapidamente de Montreuil-sur-Mer na direção de Paris. Era Jean Valjean.” Mais uma vez Jean Valjean se vê na necessidade de fugir das mãos do inspetor Javert e caminha pelas árvores. Quantos de nós não fugimos dos nossos problemas, angústias e aflições caminhando pelo meio das árvores da nossa cidade?

Em outra publicação, escrevemos: não é porque moramos em áreas urbanas movimentadas que não teremos uma árvore próxima de nós. O resto, se quisermos, será sombra das nossas próprias árvores, plantadas pelas nossas e pelas mãos das nossas crianças com sorrisos e alegrias de não se acabarem mais. Leia mais: https://www.neipies.com/as-arvores-urbanas-e-sua-importancia-para-as-criancas/

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Espiritualidade vem de dentro e comunica com alteridade

A espiritualidade do olhar nos conecta com o respeito, com o diálogo e com o encontro presente no olhar daquele e daquela que não pode mais receber um abraço, um afago. O distanciamento é essencial para nossa sobrevivência. Se o olhar é a porta da alma, sem dúvida é a janela do coração; e o termômetro da emoção e da razão.

Espiritualidade é tudo aquilo que dentro de mim, de nós, faz uma transformação. Tudo aquilo que me leva a mudar enquanto ser humano. A espiritualidade desce da cabeça para o coração e através do respeito, diálogo e encontro, coloca-me em direção ao diferente fazendo, portanto, uma mudança interior e exterior.

O isolamento social tem sido benéfico pois exige de mim, de cada um, de cada uma de nós, conhecer alguém que pouco conhecemos: nós mesmos! Tenho que nestes dias de quarentena encarar a mim mesmo sem máscaras, sem subterfúgios, sem rotas de escape, apenas eu comigo mesmo, para entender o que Karl Rahner já dizia: Espiritualidade é viver pelo Espírito.

Se eu vivo no Espírito, não posso voltar a ser quem eu era antes da pandemia. Preciso ir além, exercitando a cada dia a misericórdia, a compaixão, a justiça, a paz. Precisamos voltar à anormalidade, pois a normalidade não deu certo!

A espiritualidade é para mim alteridade, pois, me coloco sempre na estrada que me leva ao outro, me leva ao diferente. Não é fácil esta caminhada, se não conseguimos respeitar o outro, não conseguimos dialogar com o outro, não conseguimos encontrar o outro.

A espiritualidade é para mim o encontro do ser humano com o Deus da Vida, pois, só há espiritualidade dentro de um cenário em que está inteiramente inserida na realidade histórica. É fácil falar do fim, porém, o difícil é indicar o começo e o caminho.

A fé não é antídoto para a Covid-19, pelo menos até o momento, a ciência ainda não atestou isso. Mas, a fé caminha de mãos dadas com a vida e a vida é cheia de espiritualidade que tem como características a liberdade e a libertação.

Eu vejo você!

O lugar da pluralidade que liberta é a valorização da pessoa, do indivíduo, da consciência, da diversidade. E como dizia o teólogo Segundo Galilea: “A espiritualidade é o conjunto de práticas e atitudes que manifestam a experiência de Deus (do Espírito Santo), numa pessoa, numa cultura, ou numa comunidade. É toda existência humana que põe em marcha existência pessoal e comunitária. Trata-se de um estilo de vida que dá unidade profunda ao nosso orar, nosso pensar e nosso agir”.

Acredito nisso!

A alteridade é um substantivo feminino que procura explicar a condição natural do que seja o outro; deve ser entendida a partir de uma divisão entre um “eu” e um “outro”, ou entre um “nós” e um “eles”. A alteridade se aproxima da empatia, pois implica colocar-se no lugar ou na pele desse “outro”, alternando as perspectivas e as prospectivas que nascem em torno do respeito, do diálogo e do encontro.

A pandemia e o isolamento social trouxeram um novo viés para as relações humanas: todo ser humano precisou se livrar das máscaras e das maquiagens e, teve que extinguir os preconceitos e encarar-se em frente do espelho.

O ser humano, consigo mesmo, na busca por um entendimento profundo de como fortalecer ou refazer laços de amizade e de admiração desfeitos por conta de fofocas, desentendimentos e mentiras. É o desafio que terá nos dias que virão. Uma minoria abraâmica, como dizia Dom Hélder Câmara, sairá modificada desta pandemia buscando fazer a diferença.

A espiritualidade enquanto alteridade reforça a ideia de que somos seres humanos propensos à liberdade e à libertação; o Espírito que habita em cada um, em cada uma de nós, nos convida e nos impulsiona a mergulharmos nas águas profundas do nosso ser, mas ao retornarmos à superfície, ir em direção do outro, do que é diferente, e que fortalece a nossa pluralidade na unidade.

A Teologia da Libertação ensinou a quebrar os grilhões que tornavam mulheres e homens da América Latina e Caribe em escravos políticos, sociais, econômicos e religiosos. Na liberdade de filhas e filhos de Deus, ousamos sonhar um outro mundo novo e possível.

Neste outro mundo novo e possível, será preciso experimentar uma espiritualidade do olhar. Antes, podíamos contemplar a face de mulheres e homens em sua plenitude e beleza. Com a pandemia, resta-nos contemplar os sinais transmitidos pelos olhos; estes ainda não foram escondidos pelas máscaras. A comunicação que brota e jorra dos olhares, de tantas pessoas, define o grau de cumplicidade e proximidade com a outra pessoa que deve se manter longe, para o bem de ambos.

Será necessário assistir ao filme AVATAR. Há uma frase do casal principal que ilustra muito bem este exercício de enxergar a gentileza, a misericórdia, a coragem, a compaixão, o amor e a ternura que existe na outra pessoa, mas que só pode ser revelada com a contemplação profunda do olhar: “EU VEJO VOCÊ!”.

A espiritualidade do olhar nos conecta com o respeito, com o diálogo e com o encontro presente no olhar daquele e daquela que não pode mais receber um abraço, um afago. O distanciamento é essencial para nossa sobrevivência. Se o olhar é a porta da alma, sem dúvida é a janela do coração; e o termômetro da emoção e da razão.

Eu vejo você, e você não é mais invisível para mim! Toda a sua dignidade humana me interessa: suas dores, suas alegrias, suas derrotas, suas conquistas. Eu vejo você por inteira, por inteiro. Eu vejo você, porque antes eu me vi, eu me enxerguei e me aceitei enquanto ser humano comprometido com o Espírito de Jesus de Nazaré e isso me faz frutificar o mundo.

A espiritualidade do olhar não tem uma fórmula, não tem um método. Ela nasce na observação atenta dos olhares. O olhar não faz barulho nenhum. Neste silêncio encontraremos as respostas.

Me lembro do último encontro que tive com meu querido amigo e irmão Dom Pedro Casaldáliga, em Ribeirão Cascalheira – MT, durante a Romaria dos Mártires da Caminhada Latino-Americana, em 2016. Ele estava sendo cuidado em sua cadeira de rodas e eu fiquei ali parado na porta, olhando-o de longe. Ele me viu, me reconheceu, me beijou e me abraçou com o seu olhar. Não dissemos uma única palavra, mas falamos tudo o que a saudade e nossa amizade pediam.

Para mim, há um profundo significado em dizer eu vejo você! E para você?

*Reflexão originalmente publicada em Revista Missões: https://www.revistamissoes.org.br/2021/09/encontro-com-deus/

Autor: Emerson Sbardelotti é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agente de pastoral leigo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Cobilândia, Vila Velha, Espírito Santo.

Edição: Alex Rosset

Pedagogia da corrupção

Precisamos urgentemente nos educar eticamente para que a corrupção não se torne um vírus letal que coloque em risco nossa convivência social e a possibilidade de uma sociedade melhor no futuro próximo.

A corrupção se tornou tão corriqueira e banal que já não é mais novidade pra ninguém. Na televisão, nos jornais, nas redes sociais e em quase todos os meios de comunicação, a corrupção virou epidemia nacional que tomou conta de nosso país.

A corrupção se tornou tão comum e ao mesmo tempo tão sofisticada que as vezes dá a impressão que temos uma “eficiente escola da corrupção” que diploma todos os dias corruptos especializados. Mas o que significa corrupção? Por que ela se tornou tão presente em nosso tempo? Que aprendizagens pedagógicas podemos fazer a partir das situações de corrupção? Por que a corrupção se tornou um problema educacional?

A palavra corrupção vem do latim, corruptione, e significa putrefação, depravação, suborno, tornar algo pútrido. Daí a ideia de que a corrupção envolve podridão, sujeira, desonestidade.

A corrupção sempre existiu, desde as antigas civilizações e está associada ao poder, governo ou pessoas que possuem um certo grau de influência nas tomadas de decisão. Geralmente corrupção envolve dinheiro, troca de favores, privilégios, ações ilícitas. Nos tempos recentes, a corrupção esteve associada a forma como políticos e partidos se envolveram em esquemas de propina com empresas que se beneficiaram na licitação de obras públicas.

Mas a corrupção não acontece apenas nos meios políticos ou na esfera pública. Ela acontece também na vida privada, nas micro relações de poder. Encontramos corrupção na escola, no trabalho, nos clubes esportivos, nas associações de bairro, nas lideranças comunitárias e até mesmo nos relacionamentos familiares.

A corrupção se faz sentir quando na relação entre as pessoas ocorre algo desonesto, reprovável, que não pode ser aceito, pois colocaria em risco o funcionamento da sociedade.

Podemos dizer que as possibilidades de corrupção se fazem sentir em diversas dimensões e sentidos: é corrupto o político que compra votos para ganhar a eleição, assim como o eleitor que vende seu voto para obter qualquer tipo de vantagem; é corrupto o aluno que cola nas provas para poder passar de ano sem ter conhecimento; é corrupto o pai que compra com presente o afeto do filho; é corrupto o líder comunitário que se beneficia do cargo para se promover pessoalmente; é corrupto o comerciante que adultera a data de validade dos produtos, para não ter prejuízo; é corrupto o diretor de escola que se utiliza do cargo para perseguir desafetos pessoais ou inimigos políticos; é corrupto o líder religioso que se utiliza da religião para o benefício próprio ou para enriquecer ilicitamente; é corrupto o funcionário público que deixa de cumprir sua função ou trata de forma desigual pessoas que tem os mesmos direitos; é corrupto o profissional que faz distinção de clientes por questões religiosas, étnicas ou financeiras; é corrupto todo e qualquer cidadão que se omite de participar das decisões coletivas por acomodação ou qualquer motivo.

É corrupto aquele que divulga fake news sobre corrupção dos outros para esconder suas próprias corrupções como tem acontecido no cenário político atual.

Mais do que um problema político, a corrupção é um defeito ético. Por isso precisamos urgentemente nos educar eticamente para que a corrupção não se torne um vírus letal que coloque em risco nossa convivência social e a possibilidade de uma sociedade melhor no futuro próximo.

Se formos honestos conosco e com os outros, perceberemos mais claramente quando alguém está tentando nos manipular. Teremos condições de dizer não a este tipo de relacionamento. Do contrário, seguiremos criticando os políticos, as igrejas, a mídia etc. e fazendo o mesmo nas nossas relações. (Luis Felipe Nascimento) Leia mais: https://www.neipies.com/somos-todos-manipuladores-e-manipulados/

Autor: Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

Sua família não é melhor que a minha

É engraçado como o discurso bolsonarista é sexualizado. Eles, que nos apontam promíscuos, depravados e muitas vezes até pedófilos e adeptos à sexualização infantil, não perdem a oportunidade de sexualizar os discursos que proferem e que seus próprios filhos escutam, como bem apontou Contarato.

O título é uma frase dita pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) nesta quinta-feira (30/09), dirigindo-se ao empresário bolsonarista Otávio Fakhoury. O bolsonarista, em rede social, apontou um erro de ortografia cometido por Contarato, também em rede social, com o seguinte comentário homofóbico: “O delegado [Contarato], homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário… Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou?”

Conheça o vídeo do senador Fabiano Contarato: https://youtu.be/Ne12U7WY_4s?t=24

É engraçado como o discurso bolsonarista é sexualizado. Eles, que nos apontam promíscuos, depravados e muitas vezes até pedófilos e adeptos à sexualização infantil, não perdem a oportunidade de sexualizar os discursos que proferem e que seus próprios filhos escutam, como bem apontou Contarato.

O bolsonarista agiu como um moleque. Aliás, todos eles, os bolsonaristas, me lembram os moleques da minha escola, naquela fase em que falar de sexo é novidade e é necessário falar o tempo todo, assim como é importante falar da feminilidade do coleguinha pra poder afirmar a própria masculinidade. Infelizmente, de 2018 pra cá, o 5º ano do ensino fundamental assumiu o poder executivo do Brasil.

Já me disseram, amigos e conhecidos, que levo política muito a sério. Pessoas que tomam por “política” apenas questões partidárias de uma porção de siglas iguais (só muda as letras), e muita farinha do mesmo saco, tomando decisões em uma esfera separada de tudo o que nós, mortais comuns, vivenciamos no dia a dia.

Tem essa visão (embaçada) de política, quem goza de alguns privilégios. Há privilégios que fazem com que tu consigas tocar a tua vida sem preocupação com decisões políticas, sem assistir o JN ou sem buscar o que o JN não mostra (em fontes seguras, por favor!). Eu, apesar de gozar de alguns privilégios na vida, pela falta de outros me aproximei de muita gente que, assim como eu, vive à margem de um bocado de “confortos”.

Já fui cuspido na rua por careca com cruz suástica tatuada no corpo. Já me jogaram garrafa por estar abraçado em outro cara. Coisas que aconteceram enquanto um deputado federal, que nada trabalhava, mas muito vociferava ódio na mídia, dizia sem medo de punição, que filho quando ficava “gayzinho” tinha que levar porrada. Anos depois esse mesmo deputado se tornaria presidente da república.

Também já fui insultado e quase agredido fisicamente por gente que gritava, dentro de uma câmara de vereadores lotada (Passo Fundo-RS), que a minha forma de amar corrompe crianças e destrói a família, enquanto vereadores aprovavam uma tentativa de censura de discussões sobre respeito à diversidade na escola, e tiravam foto com a bandeira do Brasil Império.

Falar de política, pra mim, não é algo a ser feito da boca pra fora. Demanda esforço, demanda remexer na minha história, no meu passado, nas minhas feridas e nas dores de todas aquelas e aqueles que compartilham das mesmas lutas que eu, ou que se assemelham e se aproximam por empatia. Por isso, a fala do Contarato me emocionou tanto: pela verdade, pela potência, pelo lugar de fala e pela lucidez.

Contarato fez o bolsonarista pedir desculpas publicamente e isso é grande, mas não basta. O lugar dessa gente é a lata de lixo da história e é pra lá que devemos mandá-los, e que depois sejam aterrados com a vergonha de serem quem são, sentimento com o qual tanto tentam nos sufocar, mas nosso orgulho não deixa.

Levo para vida dois nomes de professoras que demonstraram sensibilidade aos meus piores momentos na vida escolar, e tentaram, mesmo sem embasamento algum, me acolher e incentivar. Isso me leva a acreditar que os termos “gênero” e “sexualidade” inseridos em documentos da educação, sozinhos, não são capazes de estancar o sofrimento e a expulsão/evasão escolar. É preciso lutar por formação continuada e valorização das/os profissionais da educação. Leia mais: https://www.neipies.com/lgbtfobia-educacao-e-disputa-nos-curriculos-escolares/

Autor: Oscar de Souza

Edição: Alex Rosset

História, fundamentos e metodologia do ensino religioso escolar: ensaios de uma reflexão em construção

Esse é o primeiro de três ensaios sobre o Ensino Religioso, esses justificam-se pela necessidade constante da reflexão e da partilha. Ao fazer contato com os textos sinta-se à vontade para interagir conosco e nos ajudar à crescer na compressão, aperfeiçoamento e valorização da cultura religiosa, objeto da área de Ensino Religioso.

É comum percebermos, em alguns ambientes de ensino, certo descaso com o Ensino Religioso e as Ciências Humanas, o que está de acordo com uma educação centrada no desenvolvimento de habilidades para o mercado de trabalho. “Onde vou usar isso? ”, “porque precisa ter Ensino Religioso na escola? ”, “ Agora temos aula de “religião”? ” são questões que denotam uma visão utilitarista da educação, ao mesmo tempo em que denunciam a presença de compreensões equivocadas a respeito deste conhecimento, cuja, presença no currículo justifica-se exatamente pelo fato de ser cultura, e da escola constituir-se em espaço que possibilita acesso aos conhecimentos/culturais já produzidos pela humanidade ao mesmo tempo que instiga a produção de novos saberes.

 Nos propusemos a olhar o Ensino Religioso em três ensaios que seguem perspectivas que estão inter-relacionadas. Nesse primeiro ensaio olhamos para a perspectiva histórica; em um segundo ensaio apresentaremos alguns fundamentos para o Ensino Religioso escolar; por fim, mas sem a pretensão de concluir, no terceiro ensaio ponderamos sobre a metodologia do Ensino Religioso propondo um modelo dialógico para as aulas, momentos privilegiados para construção de uma cultura da paz.

PERSPECTIVA HISTÓRICA

“As instituições religiosas (Igrejas) temem que o ensino religioso, trabalhado como conhecimento, seja desmobilizador das motivações religiosas e pastorais, bem como desestruturante das próprias instituições. Temem que a doutrina específica de cada Igreja seja generalizada, de forma a perder sua identidade” (BENINCÁ 2010. p.49).

Um dos desafios do Ensino Religioso é o caráter doutrinário que nos remete ao surgimento das escolas medievais, ocorrido na escolástica entre o século XI e XV. Nessa época, escolas construídas em torno das igrejas privilegiavam uma educação católica, eminentemente confessional; o mesmo se diga sobre o surgimento das universidades europeias centradas no estudo da bíblia e na defesa da fé.

O catolicismo, religião considerada na época oficial e hoje a que tem maior número de adeptos, contribuiu para essa concepção de um ensino religioso com caráter catequético. Pensando na realidade brasileira isso se torna ainda mais crível se considerarmos o “descobrimento[1]” da américa latina, a catequização dos que aqui residiam e toda educação Jesuíta que se seguiu.

Depois da independência do Brasil o modelo educacional da companhia de Jesus seguiu vigorando, bem como o regime do padroado que mantinha fortes os vínculos entre o império e a igreja, cabendo ao império a nomeação de pessoas do clero como funcionários do Estado. Essa heteronomia nas relações políticas influenciava diretamente na organização curricular, como salientam Sepulveda:

 “A presença católica na escola brasileira ultrapassava a questão da disciplina escolar, era um problema curricular, pois, praticamente todos os conteúdos de todas as disciplinas, assim como a formação da maioria dos professores, de uma forma ou de outra, relacionava-se com a religião católica, seja pelos padrões morais, seja pela presença física de sacerdotes na estrutura escolar” (Educação, v. 42, n. 1, jan./abr. 2017).

Durante a primeira república, ainda que formalmente o ensino da religião saiu do currículo escolar, não sem resistência, visto que a Igreja seguia fazendo esforços para interferir na re-inclusão do Ensino Religioso como “matéria” curricular, o que ocorreu através do decreto nº 19.941 no ano de 1931. No decreto lemos orientações sobre o material a ser utilizado, os requisitos que precisavam ser preenchidos pela escola. Mencionamos alguns artigos do decreto a seguir devido a pertinência do mesmo no contexto deste estudo.

    Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião.  Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem. Art. 3º Para que o ensino religioso seja ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino é necessário que um grupo de, pelo menos, vinte alunos se proponha a recebê-lo. Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares interessadas. Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao Estado, no que respeita a disciplina escolar, e às autoridades religiosas, no que se refere à doutrina e à moral dos professores. Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado. Art. 8º A instrução religiosa deverá ser ministrada de maneira a não prejudicar o horário das aulas das demais matérias do curso (DECRETO nº 19.941, de 30 de Abril de 1931).

Os artigos do decreto acima demostram que estamos em um campo polêmico, embora tratado como matéria facultativa, o ensino, no caso de religião ocorria sob a vigilância de lideranças religiosas e do Estado.

Chamamos atenção para o artigo 4, cujo teor advoga na defesa de um ensino confessional entendido como ensino de religiões, inclusive no que tange a escolha do material didático.  As mudanças que se seguiram na constituição de 1946 mantiveram o viés da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o caráter facultativo e o ensino atrelado a confissão do estudante como lemos no artigo V: “o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável” (BRASIL1934).

Durante o regime cívico militar, que predominou de 1964 à 1985, o Ensino Religioso junto com a Educação Moral e Cívica disputavam o grau de importância.  Entende-se que especialmente nesse período a escola precisava dar conta do ensino vinculado ao modelo de governo, sendo assim, não cabia ao ensino religioso tratar sobre tolerância, direitos humanos, valores democráticos, visto que tais objetos do conhecimento não eram uteis para manutenção do status quo, então ensinavam-se doutrinas religiosas. Como em outros momentos mencionados anteriormente, neste também encontramos as raízes para uma concepção de ensino religioso desvinculada da ampla cultura religiosa já produzida.   

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assumiu decretos e leis citadas anteriormente, modificando o artigo que tratava sobre a remuneração dos professores que voltou a ser responsabilidade do estado, uma vez que, na legislação de 1946 os docentes dessa área não eram pagos pelo Estado, o que privilegiou o acesso a um ensino religioso por parte dos estudantes das redes particulares de ensino, muitas delas de caráter confessional.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso alterou o dispositivo do Ensino Religioso que passou a ser considerado “parte integrante da formação básica do cidadão”.

Como lemos na LDB (Lei 9.394/96) “§ O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (BRASIL 1996). Aqui podemos fazer uma interpretação crítica da lei, o Ensino Religioso é obrigatório para a escola que precisa oferecer, mas, não é para o estudante que pode escolher se vai frequentar as aulas e entrar em contato com os objetos do conhecimento deste que atualmente é uma área do conhecimento humano.

Também assinalamos que na LDB a um avanço em relação a perspectiva do Ensino Religioso no tocante ao conteúdo e a autonomia para o docente superar o ensino de religião, proporcionar um aprendizado democrático e integral: “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL 1996). Ainda nesse sentido a LDB orienta que:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (LDB, 9.394/96).

Essas orientações são frisadas na Base Nacional Comum Curricular, documento norteador das práticas pedagógicas das Escolas Brasileiras, no qual destaca-se que o Ensino Religioso, tornado área do conhecimento humano, se realiza desde a opção por conteúdos nascidos das ciências humanas e sociais, e das ciências das religiões, importa agora analisar o fenômeno religioso e sua significação para a formação humana.

Como lemos na BNCC “O conhecimento religioso, objeto da área de Ensino Religioso, é produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da (s) Ciência (s) da (s) Religião (ões)” (BRASIL, 2018). Seguindo essa ótica, as aulas de Ensino Religioso devem se constituir em espaços de exercício da alteridade, de combate a intolerância e todas as formas de discriminação:

Por isso, a interculturalidade e a ética da alteridade constituem fundamentos teóricos e pedagógicos do Ensino Religioso, porque favorecem o reconhecimento e respeito às histórias, memórias, crenças, convicções e valores de diferentes culturas, tradições religiosas e filosofias de vida. (BRASIL. 2018).

Tendo feito esse olhar, ainda que breve, para a história do Ensino religioso, frisamos que a concepção norteadora desse fazer pedagógico passou por diferentes perspectivas, priorizando-se o ensino confessional e doutrinário. Com a constituição de 1988, A LDB e a BNCC saímos do aspecto catequético/ doutrinário para um ensino pautado nas ciências das religiões, na dimensão transcendente e sagrada da vida presente nas religiões e filosofia de vida.

O que faremos no próximo ensaio é uma fundamentação da presença do Ensino Religioso nas escolas, visto que é uma das dimensões que compõe o ser humano e um conhecimento que precisa ser ofertado para que a formação dos estudantes não fique incompleta.

Autor: Marciano Pereira

Questões para seguir refletindo.

1. A qual modelo de Ensino Religioso você teve acesso? O que lembra das aulas de Ensino Religioso?

2. Você considera o Ensino Religioso um componente que precisa fazer parte dos currículos escolares? Justifique sua resposta.

3. Os educandos participam com afinco das aulas de Ensino Religioso, já conseguem entender a importância desse conhecimento para a formação humana?

REFERÊNCIAS:

BENINCÁ, Elli. Religião, Saúde e o Popular. Passo Fundo. Editora Berthier 2010.

SEPULVEDA, Denise, A disciplina de Ensino Religioso: história, legislação e prática. 

Educação, v. 42, n. 1, jan./abr. 2017,  disponível em https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/issue/view/1172  Acesso 05/09/2021.

______Câmara dos Deputados. Portal Legislativo. Decreto nº 19.941 (1931). Disponível em:   https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931-518529-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 19 agosto. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

LDB – Leis de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394. 1996.Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf> Acesso em setembro de 2021


Edição: Alex Rosset

Pobreza menstrual, uma questão de saúde pública

A pobreza menstrual é uma realidade que atinge uma em cada quatro mulheres e meninas. A falta de dinheiro para comprar absorventes higiênicos, a falta de acesso a água e banheiro para se lavar ou se trocar são fatores que comprometem a igualdade entre homens e mulheres.

Em Passo Fundo, visando quebrar o tabu que ainda existe quando falamos em menstruação, um grupo de profissionais se juntou para realizar uma campanha, amplamente divulgada pela mídia, chamada “Pobreza menstrual: isso também é problema seu”.

Durante o período de realização da campanha foram arrecadados cerca de dez mil itens de higiene menstrual. Os itens foram entregues para o Projeto Transformação que atende aproximadamente cem mulheres e meninas e que atuam junto as cooperativas de reciclagem do município. Para além delas, também foram beneficiadas as mulheres atendidas pela Pastoral Carcerária de Passo Fundo e algumas alunas da rede municipal de ensino da cidade.

O absorvente que para muitas de nós pode ser um item básico e de fácil acesso, torna-se um luxo para as mulheres em situação de vulnerabilidade social. Todas as pesquisas demonstram que a falta de higiene menstrual, faz com que as meninas e mulheres percam dias letivos, sofram adoecimento físico e mental e percam a possibilidade de participação na sociedade. O problema é tão relevante que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

Conforme a Agência Senado, no Brasil, de acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 28 de maio, Dia Internacional da Dignidade Menstrual, 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas. E outras 632 mil meninas vivem sem sequer um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade.

Quando não há o acesso adequado ao absorvente higiênico, muitas mulheres improvisam permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas ou utilizando pedaços de pano, roupas velhas, jornal, resultando em problemas que variam desde alergia e candidíase até a síndrome do choque tóxico, doença potencialmente fatal causada por toxinas produzidas por bactérias.

Com o propósito de nos somarmos a essa luta pela dignidade menstrual, protocolamos junto à Câmara de Vereadores uma indicação que sugere ao Executivo a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para as mulheres e meninas de baixa renda e estamos no aguardo da sua efetivação.

Apresentamos a proposição porque acreditamos que a pobreza menstrual é mais um mecanismo presente na sociedade patriarcal que interfere no desenvolvimento da autonomia e da igualdade das mulheres. Afinal, quantos homens já deixaram de cumprir suas tarefas ou ocupar espaços por conta de uma questão inerente ao corpo como é a menstruação?

No entanto, para além das questões em nível prático, é preciso pensar e construir intervenções de acesso a bens materiais sem deixar de lado a educação menstrual e a quebra do tabu. A menstruação é uma questão fisiológica, relacionada à saúde reprodutiva da mulher e, portanto, primordial para a manutenção da vida da espécie humana. Por que ainda existem tabus sobre esse tema?

Pesquisadoras que se dedicam a estudar alternativas para superarmos a pobreza menstrual em nossa sociedade apontam que o fornecimento de produtos menstruais em locais públicos; banheiros escolares com água, papel higiênico, produtos menstruais e privacidade; projetos de educação menstrual que pautem tanto os aspectos biológicos, quanto o gerenciamento da higiene menstrual, inclusão de absorventes na cesta básica; instalação de banheiros para a população em situação de rua, desoneração do ICMS ( tributo estadual) sobre absorventes, entre outras ações, podem garantir a dignidade das pessoas que menstruam proporcionando a autonomia de decidir e cuidar de seus corpos. Pensemos nisso.

Por fim, a dignidade das meninas e mulheres que menstruam é um importante requisito para a efetivação da igualdade e da democracia e deve ser tratada com respeito e seriedade, devendo ainda ser objeto orçamentário do PPA, LDO e LOA de todas as esferas de poder.

Já imaginou se afastar da escola por falta de acesso a higiene básica? Uma em cada quatro meninas já passou por isso durante o período menstrual. Veja a matéria: https://www.facebook.com/watch/?v=831298131138029

Crédito Fotos: Vanessa Lazzaretti, Jornalista

Autora: Eva Valéria Lorenzato

Edição: Alex Rosset

Quando a arte e as histórias se impõem

Gabriel Cavalheiro Tonin, jovem, descobriu a contação de histórias como motor de sua vida.

Aventurou-se com a escrita do seu primeiro livro infantil Roda Pião, editado pelo Projeto Passo Fundo. Em agosto daquele ano (2016), iniciou jornada levando o livro por algumas escolas de Passo Fundo, com uma proposta simples: contar histórias e a escola, em troca, permitia que vendesse seus livros por lá.

Descobriu sua identidade com a arte e a literatura, com o passar do tempo. Entre apresentações em dupla (com a parceria de uma ex-colega de teatro) e sessões solo, tornou-se contador de histórias. De lá para cá, participou também da fundação da Casa Drum Música e Arte, em Passo Fundo, espaço multicultural que congrega várias manifestações artístico-culturais. Neste espaço foi criado o Festival de Contação de Histórias de Passo Fundo. Contou histórias brasileiras no Centro Ricreativo La luna ai bambini, na cidade de Ancona, na Itália, onde morou em 2019. Participou do 5º Festival de Contadores de Histórias de Ponta Grossa/PR e da 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, na Mostra de Contadores de Histórias, coordenada por Celso Sisto.

No ano de 2020, publicou seu segundo livro infantil, Uma aventura pra lá de doce; foi selecionado para o 5º Funcultura de Passo Fundo, com o projeto Conta Gaúcho, que levará sessões de narração de lendas gaúchas e exposição de artes visuais a escolas municipais e participou da 34ª Feira do Livro de Passo Fundo como contador de histórias. Em 2021, foi o vencedor do Concurso Literário Vai Passar – por um mundo repleto de esperanças e boas atitudes, promovido pela Giostri Editora, que publicou o meu livro A abelha Donatela e seus amigos tagarelas, sua terceira obra para crianças e foi selecionado para compor a Antologia de Crônicas do Prêmio Off Flip, com a crônica intitulada Cinco e meia.

Fez faculdade de Direito e é professor de Língua Italiana.

Conheçamos mais Gabriel Cavalheiro Tonin por ele mesmo.

***

SITE NEIPIES: Como, quando e porquê o universo das artes e da literatura tomaram um lugar importante na tua vida e na tua trajetória?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Acredito que minha vida sempre foi permeada pelas artes e pela literatura. Primeiro, ainda criança, era muito sozinho, vivia meu mundo particular de imaginação. Nessa época dois eventos foram fundamentais: a minha alfabetização, que foi realizada pela minha irmã, em casa, quando tinha três anos de idade e a presença de meu pai contando histórias; ali se abriu o portal das descobertas para mim.

Aos poucos, de maneira natural, esse espírito curioso e inventivo foi tomando conta de mim. Quando me enxergava adulto, quando me perguntava “o que quero ser quando crescer?”, esse era o horizonte que vislumbrava. Alguém que ensina, conta histórias, atua, escreve. Cá estou, fazendo tudo isso!

SITE NEIPIES: Quais são suas maiores realizações como contador de histórias e como escritor e quais são também seus maiores desafios?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Contar histórias, seja narrando oralmente ou mesmo escrevendo, dois ofícios que exerço, exigem comprometimento e entrega total. Costumo dizer que um contador de histórias é um agente que desperta emoções, possui o poder de instigar, acalentar, fazer refletir. Logo, o maior desafio é justamente esse: estar comprometido com a palavra e a forma com a qual ela é expressa, de modo que essa manifestação artística seja a mais verdadeira possível.

Por isso que, quando penso nas minhas maiores realizações nesse ofício, imediatamente me vêm à mente todas as vezes em que minhas histórias impactaram o público. Poderia citar várias, mas um caso é emblemático. Certa vez estávamos, Beth e eu, narrando histórias em uma escola municipal de Passo Fundo. Realizamos várias sessões ao longo da tarde para as turmas e ao final de tudo, estávamos já nos ajeitando para sair, uma professora bate à porta com seus alunos: encantados que estavam, ao voltarem à sala de aula, resolveram desenhar aquilo que mais havia lhes tocado da narrativa e queriam nos presentear. Foi um momento muito especial. E mais especial ainda ficou quando uma menina nos abraçou forte e disse: “gostei muito da apresentação de vocês. Quando eu crescer quero ser contadora de histórias”. Para mim essa é a maior conquista que poderia ter.

SITE NEIPIES: O que mais fascina um contador de histórias? Por que é tão difícil dissociar tudo o que fazes com contação de histórias?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Creio que as histórias fascinam porque somos constituídos por elas. O ser humano é, por essência, um ser que necessita narrar, expor seus medos, angústias, manifestar a sua inquietação diante do mistério incompreensível que é a vida.

No meu caso, há um episódio crucial que delineou de modo marcante o meu entendimento sobre essa arte e a necessidade narradora do homem. Na minha primeira viagem à Itália encontrei com uma senhora já muito idosa, dona Anna Maria Emendabili, também escritora, havia recém lançado as memórias de seu falecido marido, um homem ligado à política da região. De repente, em nosso diálogo, ela me lança uma pergunta: de onde vem tua inspiração para escrever?

Confesso que fiquei sem reação, sobretudo pelo fato de que nunca havia pensado no assunto. Quando queria escrever eu escrevia e pronto. E ela, com toda a sabedoria possível, olhou-me e disse: “não é preciso ir muito longe para se inspirar. Se formos à praça encontraremos várias pessoas, todas elas com histórias incríveis. Cada pessoa é uma fábula”. Essa última frase me tocou de tal maneira que se tornou meu lema de vida. E, depois disso, não olho mais o mundo com os mesmos olhos; agora, mais do que nunca, eu e as histórias que vivencio, escuto e narro somos cada vez mais uma só entidade.

SITE NEIPIES: O que representam as tuas importantes participações e premiações em concursos literários, feiras e projetos como o Funcultura e Projeto Passo Fundo?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Quando me decidi por ser contador de histórias profissional, sempre imaginei o meu trabalho chegando longe, atingindo mais pessoas. E, nesses cinco anos de jornada, ainda passos pequenos diante da vastidão do que há para se fazer, tive a oportunidade de participar de eventos dos mais importantes, o que sou muito grato. A sensação é de que há algo ali que impacta, provoca, acende uma centelha. Por isso alguns de meus projetos, textos, obras acabam sendo premiados, contemplados em editais. Sinto-me feliz pelo reconhecimento.

SITE NEIPIES: Fale-nos um pouco como se deu a fundação da Casa Drum Música e Arte, em nossa cidade? Qual é o propósito desta iniciativa?

Gabriel Cavalheiro Tonin: A Casa Drum é um marco na minha vida e na cena cultural da cidade. E isso devemos a uma mulher: Jaqueline Drum. Essa moça, musicista por formação, dava aulas de música em seu apartamento (sendo que eu também fui seu aluno, e imaginava criar um espaço onde convergissem as mais diversas manifestações culturais. Aos poucos a ideia de oferecer novos cursos foi ganhando forma, com a abertura de oficinas de desenho e pintura, ainda no seu espaço pessoal.

No ano de 2018, a necessidade de um espaço físico maior fez com que aquela equipe (já eram três integrantes) se mudasse para um prédio no centro da cidade. Nascia a Casa Drum Música e Arte, oferecendo aulas e oficinas e promovendo eventos culturais, e foi aí que meu caminho cruzou novamente com o da Jaque. Entusiasmado com o projeto dela, fui visitá-la; ela, então, convidou-me para trazer histórias na inauguração oficial e para desenvolver uma oficina de escrita criativa. Dali em diante foram três anos de intensa colaboração, como professor e agente cultural. Juntos realizamos sessão de histórias homenageando Machado de Assis, criamos o Festival de Contação de Histórias de Passo Fundo, saraus literários, na parte literária, e outros eventos como saraus musicais, vernissages e exposições. Vale ressaltar o pioneirismo de algumas dessas iniciativas em âmbito municipal.

Atualmente a Casa Drum continua com suas atividades a pleno vapor, com uma equipe maior e extremamente qualificada. Inclusive recomendo que procurem conhecer o espaço e o que ele oferece; a Casa é um oásis de arte e cultura em nossa cidade.

SITE NEIPIES: Como foi morar na Itália e como é estar hoje num estado brasileiro tão diferente do Rio Grande do Sul, o estado de Tocantins? Como vês a diversidade cultural?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Morei na Itália por pouco tempo, mas foi uma experiência riquíssima. Primeiro porque a Itália é berço dos meus antepassados, país do idioma que ensino, ou seja, era um reencontro com as origens; segundo porque estar tão longe e se ver desafiado a viver como um cidadão de lá, fazendo compras, dialogando com eles, interagindo, é um exercício maravilhoso para te fazer compreender as próprias capacidades.

Hoje estou passando uma temporada de estudos e trabalho no Tocantins (estive recentemente em Goiás realizando oficinas e outras funções), realidades absolutamente diferentes do Rio Grande do Sul. Não posso fazer uma análise tão profunda tendo em vista que ainda vi pouco de tudo o que há nesses estados onde circulo; mas um ponto que muito me agrada é compreender, na prática, como o Brasil é rico, variado e gigante.

A cada viagem, em cada cidade onde desenvolvo meus projetos, percebo que o nosso país ainda se conhece pouco. Nós não temos ideia da dimensão efervescente que o Brasil possui, não apenas das riquezas como das carências, os modos de ver e viver a vida, as crenças, as limitações e potencialidades. Há muito ainda escondido e não explorado, e isso me fascina.

SITE NEIPIES: Teu mais recente projeto é Gabito – Contador de histórias? Que ideia é essa?

Gabriel Cavalheiro Tonin: O Gabito nasceu lá atrás, em 2016, quando publiquei o primeiro livro, Roda Pião. Queria estar na história também e me transformei em personagem, o professor Gabito. Esse nome fez muito sucesso e passou a ser meu apelido. Muita gente me chama assim. Como hoje estou voltado à produção de materiais e espetáculos de contação de histórias, resolvi transformar o Gabito na minha marca profissional. É, portanto, o núcleo onde congrego todas as minhas atividades.

SITE NEIPIES: Qual é a marca de tua arte? O que pretendes afirmar como contador de histórias e escritor de livros infantis?

Gabriel Cavalheiro Tonin: Desde o meu encontro com a Sra. Emendabili, a minha concepção sobre a arte e as pessoas é outra. Atualmente sei que meu trabalho deve se destinar a um propósito: despertar a fábula que existe dentro de cada pessoa. Fazê-las encontrar a si mesmas em cada texto, cada livro, cada história narrada, cada compartilhamento de vivências. Se, no meio desse percurso, houver uma repercussão, um impacto social, uma ressonância maior, ficarei feliz.

SITE NEIPIES: Quais são teus contatos? Onde a galera pode te encontrar?

Gabriel Cavalheiro Tonin : Quem quiser acompanhar de perto meu trabalho pode acessar as seguintes páginas:

Facebook: https://www.facebook.com/gabitocontadordehistorias

YouTube: Gabito Contador de histórias: https://www.youtube.com/channel/UC0KVtps4cIVR3Ky1qDMfw0g

Site: https://gabrielpf95.wixsite.com/gabito

Aproveito a oportunidade pata divulgar o meu novo projeto, intitulado Contação de Histórias Itinerante – um mundo de leituras. Esse projeto já foi inscrito nas Leis de Incentivo à Cultura, mas ainda está pendente de aprovação – a burocracia é sempre muito grande!

Com isso, criei uma vaquinha online para quem quiser contribuir com a iniciativa. A cada determinado valor arrecadado uma escola pública receberá gratuitamente uma sessão de contação de histórias comigo. O colaborador, além de oportunizar que crianças de lugares carentes tenham acesso a livros e um produto cultural diferenciado, ainda ganha um agrado preparado especialmente por mim. Para acessar a vaquinha basta clicar no link:

Vaquinha: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/contacao-de-historias-itinerante-um-mundo-de-leituras

Edição: Alex Rosset

Fogo na mata

Se a água é fonte de vida, a seca semeia a morte, sufoca a respiração. A velocidade das chamas é desproporcional à defesa dos homens. Há necessidade urgente de socorro à nossa natureza que começa comprometendo essencialmente o direito de respirar e ter água em casa.

O semblante exaurido e alquebrado dos combatentes que mantêm o trabalho para debelar o fogo infernal das grandes queimadas nas florestas e cerrado do país é comovente e perturbador. São membros da força oficial, bombeiros profissionais e voluntários, todos heróis.

Chama atenção a angústia dos socorristas que sobem escarpas implacáveis entre densas fumaças, carregando nas costas um pouco de água e nas mãos apagadores artesanais. O calor é insuportável. Por mais que se imagine o treinamento recebido para apagar as labaredas da cortina lúgubre que avança sobre a vegetação seca, corre o temor de que a vontade de salvar a natureza possa aquecer a vontade de vencer a fúria do fogo levando ao desatino pela causa ao colocar em risco a própria integridade física.

Em entrevistas à imprensa são várias as manifestações que apontam para uma das causas do sinistro: a atitude criminosa deliberadamente iniciada por pessoas. Eles vivem na região afetada e sabem que muitos focos de incêndio são provocados por devastadores invasores de terras.

Mesmo em áreas destinadas rigorosamente para preservação, as provas de ações abjetas estão expostas. São tocos de árvores tombadas com motosserra. A seca facilita a obra fúnebre que consome as árvores, mata a fauna. São os grileiros ousados e quadrilheiros da exploração inominada das glebas de terra da Amazônia.

As lágrimas dos combatentes não comovem o poder central que tem o dever indeclinável de agir contra o crime contra a cidadania. Mesmo assim são muitos os que lutam para vencer o desastre. O fogo nas matas é demais. As espécies nativas de animais restam incineradas.

Solo sedento

O calor exterminador devora a vegetação até às margens dos rios e riachos. A umidade do solo mantida pelas árvores sofre redução. Há um processo de agravamento da seca que se espalha pelas regiões do país. Se a água é fonte de vida, a seca semeia a morte, sufoca a respiração. A velocidade das chamas é desproporcional à defesa dos homens.

Falta água

A distância dos focos de incêndio parece localizar a maior sensibilidade na conta de luz ou água. A sociedade afetada por pandemia gravíssima nem percebe o contexto terrível que envolve a triste ameaça à vida de todos.

Um território tão vasto e generoso em matas, a água sofre demais. Falta água nas torneiras das cidades, nas fontes que regam áreas rurais. E o fornecimento de energia está perto do colapso. As glebas territoriais destinadas aos índios e as de reserva extrativista sofrem agudamente os efeitos de uma devastação evitável.

Sem quaisquer escrúpulos, as atividades descontroladas de garimpo destroem o solo e envenenem os rios. Há necessidade urgente de socorro à nossa natureza que começa comprometendo essencialmente o direito de respirar e ter água em casa.

Há sempre justificativa técnica para garantir a estrondosa diferença dos altos rendimentos oficiais pagos com custo altíssimo aos trabalhadores humildes e desempregados; e não há dinheiro para combater o crime contra a natureza, nem mesmo as causas naturais da devastação.

A farsa e o javali

O espectro furioso da meta pró-armamentos das camadas privilegiadas mostra a subterfúgios de pouca ética social. Além de ser questionável como prioridade, a promoção do poder central em facilitar a venda de armas mostra a permissividade de costumes.

A liberação de armas certamente atende negócios e interesses financeiros indiscutíveis. A reportagem do Fantástico expôs a voracidade da mentalidade paramilitar ao revelar aumento da população de javali em regiões do país.

A liberação da caça ao animal predador levou a uma incitação dos pretendentes à compra de armas. É claro que tudo foi uma farsa. Foram importadas matrizes de javali para se expandirem em nossas regiões.

A caça, com armas especiais, agora permitidas com abundante munição atende o marcado também do turismo. Lembrando que o custo das armas e licenciamento enseja esta estranha confraria para quem tem dinheiro de sobra, apenas!

Autor: Celestino Meneghini

Edição: Alex Rosset

A ignorância não é uma virtude

“O triste de tudo isso é que, `a medida que crescemos, nos acostumamos não apenas com a lei da gravidade. Acostumamo-nos, ao mesmo tempo, com o mundo em si.” (Josteen Gaarder)

A experiência de fazer comentários em emissora de rádio local tem permitido compartilhar olhares, compreensões e inquietudes sobre temas e assuntos muitas vezes maltratados, até mesmo pelos meios de comunicação.

Creio e defendo o livre exercício das liberdades de expressão, opondo-me a iniciativas e manifestações que negam a importância e a necessidade de verdadeiros conhecimentos, num assombroso culto à mediocridade e à desinformação.

Com efeito, o tema escolhido para esta crônica surgiu após ouvir uma manifestação de um amigo radialista, o qual questionava a necessidade de manter nos currículos escolares as disciplinas de filosofia e de história. Expressou sua opinião em tom provocativo; confesso que me senti provocado, respeitosamente desafiado.

Fui, então, rever alguns dos estudos que fiz e tenho feito, também sobre essas duas disciplinas do conhecimento e da formação educacional e acadêmica – devolvendo com uma pergunta:

Quem despreza e desdenha da filosofia e do estudo da história, o faz por excesso de saberes ou por desconhecimento?

Se é por excesso, o que não acredito, não quer que outros tenham acesso as mesmas fontes e conteúdo; se for por desconhecimento, o que é mais provável, está a falar do que não sabe, logo não compreende – numa perigosa postura de propagar a cegueira intelectual própria – na expressão do poeta Mario Quintana, é o verdadeiro autodidata, o ignorante por conta própria.

George Orwel, em uma de suas classificas obras – quando li pela primeira vez era uma obra de ficção – 1984, aponta que o Grande Irmão, num modelo de panopiticon – sistema de poder e controle, recomendou que fossem suprimidas palavras dos dicionários, empobrecendo o vocabulário seria mais fácil manter um sistema de dominação sem resistências.

O conhecimento produz pessoas conscientes que podem questionar o poder e os poderosos do momento.

Aliás, não se pode esquecer que a palavra filosofia – no sentido primário – significa exatamente amigo do saber, amigo do conhecimento, pois “só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existência.

Uma sugestão para leitura instigante ´um livro clássico de um autor norueguês “O mundo de Sofia”, sugiro e recomendo como uma leitura importante para iniciantes e inquietos, uma verdadeira viagem a história da filosofia.

Um pensador já escreveu que um povo que não conhece a sua história está fadado a repetí-la. O estudo e a compreensão histórica de um povo é essencial para compreender a realidade, o que temos, assim como para prever e construir outras possibilidades para o futuro.

Assim, nessa breve e sintética reflexão, mesmo sem muitas pretensões, cumpre formular algumas indagações: se não sabemos quem somos, o que e como pensamos sobre as coisas do mundo; o que foi vivido, o que vivemos e como iremos viver, repudiando a importância da filosofia e do estudo histórico, não estamos empobrecendo a consciência individual e coletiva para manter e propagar modelos de dominação, que tem no obscurantismo e na desinformação as formas mais eficientes para não se submeter a análises críticas?

Liberdade de pensamento, de expressão e de opinião são valores que precisam ser alimentados, nutridos e estimulados com bons e qualificados referenciais… lembrando uma frase do ex-presidente americano Barack Obama: “na vida, na política, a ignorância não é uma virtude…”.

Afetuosamente, encerro dizendo que é preciso salvar a leitura, fazer um ode à filosofia e ao estudo crítico da história.

Autor: Alcindo Batista da Silva Roque

Edição: Alex Rosset

As árvores urbanas e sua importância para as crianças

Não é porque moramos em áreas urbanas movimentadas que não teremos uma árvore próxima de nós. O resto, se quisermos, será sombra das nossas próprias árvores, plantadas pelas nossas e pelas mãos das nossas crianças com sorrisos e alegrias de não se acabarem mais.

Assim dizia o poeta português Fernando Pessoa “Segue o teu destino…/ Rega as tuas plantas;/Ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias”. Que cada um de nós possa seguir o seu destino regando as plantas e amando as rosas, mas com sombra de árvores não alheias aos nossos olhares, mas próximas dos nossos corações e lugares de morada. Afinal, não é porque moramos em áreas urbanas movimentadas que não teremos uma árvore próxima de nós. O resto, se quisermos, será sombra das nossas próprias árvores, plantadas pelas nossas e pelas mãos das nossas crianças com sorrisos e alegrias de não se acabarem mais.

A Revolução Industrial foi um período de grande desenvolvimento tecnológico que teve início na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII e se espalhou pelo mundo causando grandes transformações. O homem depois da Revolução Industrial já não é mais o mesmo.

Com o avanço da tecnologia, novas máquinas foram criadas, pessoas trabalhavam por muitas horas, havia exploração do trabalho e uma nova forma das indústrias produzirem explodiu mundo afora. Nisso tudo, a tecnologia entrou em várias áreas do homem chegando às cidades modernas. Foi preciso derrubar árvores para construir prédios com vários andares, shopping centers, cinemas, museus, viadutos e etc.

As cidades queriam se modernizar e o verde foi trocado pelo cinza do concreto.

No entanto, as cidades que conservaram árvores nas suas avenidas são mais valorizadas hoje em dia, e comprar uma casa numa rua arborizada pode custar milhões de reais. Isso porque é raro vermos uma rua com árvores nos grandes centros, nas grandes avenidas, nos bairros de classe alta. Os grandes empreendimentos tomaram conta das nossas cidades. Os altos edifícios estão por todas as partes. Encontrar uma árvore no meio de uma avenida movimentada é coisa rara e mesmo assim as que restaram estão sendo derrubadas por alegação de que suas raízes ou galhos estão atrapalhando o asfalto ou os fios de iluminação pública.

É muito triste quando vemos uma árvore secular ser derrubada em prol do progresso. Eu vi e senti-me muito triste. Vi muitas árvores Pau-Brasil sendo derrubadas há coisa de cinco anos na minha universidade pública para construção de outros prédios. A alegação da reitoria é de que era preciso e não tinha outro jeito. Acho que tem jeito para tudo quando as autoridades querem preservar o meio ambiente.

Na minha rua tem uma árvore onde as pessoas se sentam à tardinha para conversar embaixo da sua sombra. Eu, particularmente, acho linda essa interação das pessoas com a árvore. Ela não dá frutos, apenas uma sombrinha deliciosa, principalmente, no verão quando fica mais quente o clima. Todo mundo da rua corre para debaixo da árvore. Várias vezes ela já foi podada devido os fios de iluminação pública.

A árvore é tão gentil que é dessas que não sujam as ruas com as suas folhas. Mal elas caem. Se eu pudesse andaria com uma árvore dentro da minha mochila. Creio ser muito chique quem pode dizer “eu tenho uma árvore.” Mas eu já tive muitas na minha infância. Sim, o quintal da minha casa tinha mangueira, cajueiro, goiabeira e coqueiros. Era a coisa mais linda do mundo. A gente tinha lugar para fazer balanço, meus irmãos chupavam caju no alto dos galhos do cajueiro, eu chupava manga que caía da mangueira. Aquela velha infância que poucos hoje em dia podem desfrutar. Fui muito feliz na minha infância tendo o meu cajueiro como o meu melhor amigo e confidente. Eu confiava a ele os meus maiores segredos.

Porém, precisamos ter cuidados com os cupins que costumam aparecer vez ou outra nas árvores das grandes cidades. Cupins são uma praga terrível, porque eles estão por todos os lugares. Faz alguns anos, talvez sete ou oito anos, que veio abaixo depois de uma forte chuva uma árvore linda da pracinha do meu bairro porque estava doente com tantos cupins que a comeram por dentro deixando-a vazia e fácil de ser derrubada por qualquer ventania.

Das minhas árvores queridas restou-me a mangueira do quintal de dona Marilde, minha vizinha amada com mais de oitenta anos. Eu chupei muitas mangas da sua mangueira frondosa. Mas, os cupins apareceram nela e passaram para as casas dos vizinhos causando um problema jurídico sério. Os vizinhos reclamavam de que os cupins da árvore estavam destruindo os seus telhados e móveis.

Dona Marilde depois de muito relutar teve que derrubar a sua mangueira. Foi triste esse dia, mas era preciso porque o progresso exigia. A construção de casas nos quintais próximos estava crescendo. As pessoas costumam aproveitar os seus grandes quintais para construírem os famosos puxadinhos e alugarem. Afinal, terreno está caro e difícil de ser comprado na cidade grande. O meu bairro é cheio de puxadinhos aqui e acolá. As pessoas procuram aproveitar todo o espaço do quintal com a construção de novos prédios contribuindo assim para o aquecimento global, porque ao meu redor só se ver casas de cimento e tijolo e nada de árvores.

Também perto da minha casa até um dia desses tinha uma pequena floresta privada. A gente não podia passear dentro dela. Era tudo amurado. Mas só de saber que ela existia e que contribuía para melhorar o ar que respiramos já era muito bom. Antes, não sentíamos tanto calor perto da minha casa.

As crianças, curiosas, fizeram buraquinhos no muro para verem as árvores da pequena floresta. E assim, até eu fui ver as árvores pelos buraquinhos. O verde dentro daquele terreno gigante era intenso. O verde tomava conta de todo o terreno. De repente, assim do nada, os proprietários resolveram queimar a floresta. Sofremos com a fumaça que vinha de lá. Foram três dias de incêndio e vários dias retirando as cinzas de dentro das nossas casas trazidas pelo vento. Restou apenas o terreno queimado e muitos animais mortos. Foi triste. Pela primeira vez o meu coração doeu muito mesmo ao ver aquilo.

A ação do homem em relação ao meio ambiente é uma coisa devastadora. Ele queima para construir prédios, ele queima porque acha que é preciso. Ele se acha saber o que é melhor para o meio ambiente.

As árvores urbanas têm uma importância enorme para as crianças do mundo inteiro. Nos bairros onde ainda encontramos árvores as crianças costumam brincar embaixo delas aproveitando a sombra e o ar puro. Elas gostam da árvore. Brincam sentadas ao seu redor, de bilocas, de trocar figurinhas, de bonecas, de carrinhos e etc. As crianças sabem bem o quanto as árvores são maravilhosas.

Ter uma árvore de frente à casa é o maior barato. E quantas pessoas poderiam ter uma árvore de frente a sua casa, conversando com a prefeitura e procurando saber onde e como plantá-la. Na frente da minha casa eu não posso plantar mais nada porque o concreto tomou conta de tudo. Sinto muito por isso. Mas, acho bonito casa que tem uma árvore de frente para abrigar os pardais que ficam a voar pelas nossas janelas à procura de comida.

As árvores urbanas proporcionam grandes benefícios aos seus moradores. As pessoas não sabem da sua importância. Elas podem melhorar a qualidade de vida no que diz respeito ao corpo e ao espírito. Procurem, sempre que possível, plantar uma árvore de frente as suas casas. Vocês vão descobrir as coisas boas que ela pode nos oferecer além de frutos e uma gostosa sombrinha.

Tem uma avenida grande na minha cidade que os seus canteiros são formados por árvores seculares. Eu as acho lindas e tomara que as autoridades nunca inventem de derrubá-las. As pessoas alegam que é preciso derrubar as árvores das grandes avenidas para quando houver ventania elas não caírem em cima dos veículos. Eu não concordo com isso. Acho que os motoristas é que não deveriam colocar os seus carros embaixo dessas árvores, pois elas já estavam ali primeiro do que eles. Elas não são culpadas por serem velhinhas e frágeis. Vamos deixá-las viverem até quando puderem.

E também discordo de algumas podas que são feitas nas árvores que só faltam cortá-las pelo tronco. Muitos funcionários das prefeituras não sabem podar árvores. Na verdade, eles nem sabem o valor de uma árvore e vão tocando o machado nos seus galhos. É terrível o estrago que fazem nelas.

Também não concordo quando alegam que uma determinada rua é perigosa devido a escuridão causada pelas árvores. Nossa, gente, as árvores chegaram primeiro. Vamos deixá-las quietas. Se essa ou outra rua é escura e têm muitos assaltos devido as árvores como vocês alegam, coloquem iluminação de forma que não as agridam. Há tecnologia para isso. Depende da boa vontade das autoridades administrativas. Outra alegação muito corriqueira nos dias atuais que tenho ouvido é de que avenidas de grandes cidades com árvores são locais para as pessoas se drogarem. Nada a ver essa conversa. As pessoas se drogam em qualquer espaço público. As árvores são lugares para divertimento e até mesmo reflexão. Eu muitas vezes já me peguei debaixo de uma delas pensando sobre a vida e as pessoas ao meu redor.

São tantas as alegações para derrubarem as árvores das avenidas das grandes cidades que a gente fica sem saber o que dizer as autoridades incompetentes que só pensam no desenvolvimento e construção de edifícios e prédios que vão enaltecer as belezas da cidade e mostrar que os prefeitos estão mesmo trabalhando, quando na verdade, as pessoas deviam se conscientizar de que é possível um desenvolvimento sustentável e um futuro verde pensando sempre que as árvores chegaram primeiro e que ali sempre será o lugar delas.

Se da árvore da frente da sua casa, da sua rua ou até mesmo do seu prédio caem muitas folhas secas, principalmente, no outono convide a sua criança para junto com você apanhá-las. É uma terapia maravilhosa porque ajuda você a esquecer o estresse e a ansiedade e ajuda a criança a desenvolver o seu pensamento com relação a proteção do meio ambiente. Pegue uma sacola de tecido ou uma vasilha e vá colhendo as folhinhas junto com a sua criança. Aproveite para ir contando a ela as histórias daquela árvore. Afinal, toda árvore tem uma história e se você não sabe nenhuma da sua procure conhecer.

A árvore da minha rua foi plantada por um casal de idosos que abriam as portas da sua casa para todos assistirem televisão nos finais da tarde e embaixo dela os jovens começavam a se conhecer, namorar e até mesmo se casarem. Incentive a sua criança a escrever cartas e poemas para a árvore que fica perto de vocês.

As árvores urbanas além de nos proporcionarem sombra também ajudam a evitar enchentes, pois elas recolhem a água da chuva para as suas raízes. Além de melhorar a qualidade do ar, as árvores absorvem dióxido de carbono, um gás de efeito estufa que contribui para o aquecimento global. Quem tem uma árvore perto de casa certamente tem um ar menos poluído. Pense nisso e plante uma árvore. Não custa nada. Vai ter mais verde perto de você, vai trazer mais passarinhos para perto da sua casa e a sua rua ficará mais bonita porque uma árvore diante de uma casa é a coisa mais linda do mundo. Experimente plantar um ipê. Ipês são lindas árvores.

As árvores também ajudam a criar um clima mais úmido contribuindo para a umidade do ar no seu bairro ou cidade. Vocês sabem que eu sou uma ativista ambiental, logo defendo que em todo lar deveria ter uma árvore para as crianças poderem brincar embaixo delas, em cima delas, ao redor delas e abraçá-las com carinho e cuidados. Quem disse que árvores com grandes troncos não precisam de cuidados?

Quando eu era criança que tinha um sonho ruim e acordava chorando a minha bisavó me levava para o meu cajueiro no quintal de casa. Eu contava o meu sonho ruim para ele na certeza de que aquele sonho se acabaria ali e nunca aconteceria porque assim como o meu cajueiro tinha o poder de dar frutos também tinha o poder de destruir sonhos ruins. Eu sempre acreditei nisso e acredito até hoje.

As árvores são o maior patrimônio ambiental que existe nas cidades grandes. Já pensou poder caminhar nas calçadas, praças e parques desfrutando de uma sombra gostosa e um ventinho maravilhoso nos assanhando os cabelos? As árvores abrigam os pássaros e diversos outros insetos. Se na sua casa tem uma árvore cuide bem dela, pois certamente ela saberá como o recompensar dando-lhe frutos e um ar bem gostoso para você poder brincar embaixo dela.

Os passarinhos das cidades grandes não encontram mais árvores para fazerem os seus ninhos e isso também é muito triste. Vemos ninhos sendo construídos em postes de iluminação pública e até mesmo dentro de algumas casas por falta de árvores. Os passarinhos sentem-se protegidos quando fazem os seus ninhos nas árvores. Nunca derrube um ninho e nem maltrate os passarinhos. Os pardais, os sabiás são pássaros que costumeiramente vemos pelas cidades. Eles só querem ser bem tratados.

Sabe aqueles dias bem secos em que o seu nariz chega a sangrar por causa da secura? Então, as árvores ajudam a aumentar a umidade da cidade, pois quando transpiram liberam água para o ambiente. Além disso, elas tiram do ar a poeira e o excesso de carbono como já foi dito acima que acabam poluindo o lugar onde você vive. Nas cidades cheias de asfalto e concreto onde não têm árvores e o sistema de esgoto é precário sempre ocorrem grandes enchentes quando chove muito, isso porque a água não tem para onde ir. A água da chuva geralmente fica na terra onde a árvore está plantada evitando assim as enchentes.

É muito importante falar sobre as árvores é que elas embelezam em muito o lugar onde você vive. E nos proporcionam uma sensação de bem-estar, de tranquilidade e paciência quando abrimos os braços para abraçá-las. Uma sensação maravilhosa que só aqueles que convivem com o estresse do trânsito, das reuniões infindáveis nos ambientes de trabalho, com a cotação do dólar, com as altas e baixas das bolsas de valores e etc, sabem quando entram em contato com a natureza.

Os pais devem sempre atentar para quando forem construir as suas casas deixarem um espaço de terreno no quintal. Assim, diminuirá o calor e poderá plantar uma árvore junto com as suas crianças. Na escola também é bom ter um espaço de terreno onde as crianças possam entrar em contato com a natureza e, de preferência, que tenha sempre uma árvore no seu pátio ou de frente ao prédio onde funciona a escola. Você já pensou na tranquilidade que sentimos quando caminhamos nos bosques ou pracinhas das nossas cidades que são arborizadas?

Muitas pessoas nem precisam de terapeutas ou psicólogos para curarem as suas ansiedades, bastam sentirem a natureza perto delas e já se sentem rejuvenescidas e reenergizadas. Conheço um senhor que a sua casa era bem velhinha, dessas com as paredes rachadas e o telhado cheio de goteiras, porém de frente a casa havia uma árvore frondosa enorme e ele pediu cerca de milhões de dólares na sua venda. Todos ficaram horrorizados e perguntavam o que a casa tinha de especial e ele, orgulhosamente, dizia a árvore. Sim, casas com árvores são valorizadas pelos corretores que chegam a cobrar fortunas dependendo do número delas no terreno.

Faz doze anos que dei de presente à minha sobrinha no dia da árvore uma mudinha. Ela plantou e hoje está enorme bem próxima da janela do seu quarto de dormir. Ninguém mexe na árvore da minha sobrinha. Só o pai dela vez por outra faz uma pequena poda. Já alegaram que ela está atrapalhando a iluminação pública, já alegaram que garotos fumam maconha embaixo dela, mas a árvore não tem nada a ver com o que as pessoas gostam de fazer ao seu redor. Elas está ali poque é um presente da natureza para nós que só sabemos reclamar das coisas bonitas que temos e não conseguimos enxergar um palmo embaixo dos nossos narizes.

A árvore da minha sobrinha protege a pintura da luz forte do sol da parede do seu quarto, não permite que o sol entre no seu quarto, deixa mais fresco o asfalto de frente a ela e sem contar que os pardais nos finais de tarde vêm tudo cantar na árvore. É uma das coisas mais lindas da natureza que posso ver sempre que passo lá.

E para finalizar o nosso ensaio desta semana eu deixo com vocês o poema de Olavo Bilac intitulado “Velhas árvores” nos seus lindos versos que dizem “Envelheçamos rindo. Envelheçamos / Como as árvores fortes envelhecem, / Na glória de alegria e da bondade, / Agasalhando os pássaros nos ramos, / Dando sombra e consolo aos que padecem!”

Assim, nós ficamos com a reflexão desses versos tão belos para envelhecermos e deixar que as árvores das nossas ruas, avenidas, praças ou quintas de casa possam envelhecer junto conosco. Viva as árvores!

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

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