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A polarização política que o Brasil precisa

Será que a polarização política só tem seu lado ruim? Sem polarização, teremos clareza dos projetos de nação que estão em disputa nas próximas eleições?

Chegamos onde poucos de nós imaginávamos um dia chegar. Depois da temporada da caça indiscriminada e insana aos políticos (por conta de suposta corrupção), desgraçamos toda a forma de política como busca do bem-comum, como forma de mediar os conflitos e interesses, seguindo padrões de respeito e civilidade. Construímos a ideia da não-política, da política como uma grande negação, um grande mal.

Vivemos num Brasil dividido politicamente, entre ser a favor ou ser contra, entre ser do bem ou ser do mal. Esta divisão é parte da vivência democrática, em que duelam diferentes formas de pensar e organizar o nosso país. Quem se apavora ou se assusta parece esqueceu que democracia não se faz na inércia, que democracia é, na essência, feita a partir de disputas e conflitos que permeiam o tecido social.

A supressão ou a morte da política fez parte das intencionalidades de despolitizar o povo brasileiro. Mas, não é o caminho para salvaguardarmos a dignidade humana, os direitos individuais e os direitos sociais e a cidadania. Muito antes, pelo contrário, devemos ressignificar a política democrática sem qualquer pretensão de afastar contradições e seus eternos conflitos (de interesses).

É momento de afirmarmos a política como a única saída para os grandes problemas do país, neste momento histórico. Ari dos Reis, Convidado do site, manifestou-se em reflexão Tempo de refletir e discutir política: “O agir político do cristão compreende a luta contra a injustiça, a intolerância ou a opressão; volta-se ao bem de todos com sinceridade e retidão e jamais em vista de benefícios particulares ou grupais. A política é um instrumento importante do agir cristão. Devemos compreender este exercício como direito e dever. É um processo permanente de participação em vista do bem comum, que adquire especial relevância nestes tempos de tomada de decisões”. Leia mais!

Uma sociedade moderna deveria investir mais na proximidade, na interação e nas relações interpessoais para superar estranhamentos, característicos de nosso momento histórico. Vivemos tempos onde alguns não apostam mais na convivência, na escuta, na tolerância e nas suas capacidades criativas e argumentativas como as melhores formas para resolver problemas da humanidade. 

Mas o tempo urge! A defesa intransigente da democracia, neste momento histórico, é urgente. Quem flerta com o totalitarismo e com formas arbitrárias de exercício do poder não deve ser tolerado. É necessário conhecer e reconhecer os democratas, pois se estes não defenderem a democracia como valor maior de convivência humana e social, quem o fará?

Como problematizou Cristina Schnorr, Convidada do site:

“eu gosto de política, a boa política.  Penso ser a política a maior expressão de interesse e inteligência de um povo. Em minhas veias não corre nenhum desejo de destruí-la, mas de aperfeiçoá-la, aprendê-la, respeitá-la, porque pela política e pelos políticos que nos representam, quando válidos, vocacionados e bons, posso me sentir representada pela voz e pela atuação parlamentar. Um povo que induzido ou deliberadamente decidido à preguiça política, é um povo pobre e desvalido que, ao invés de ajudar a política a ser o que deve ser, tenta desqualificá-la e destruí-la por puro desinteresse e preguiça de pensá-la, consumá-la em projetos resolutórios, é um povo estúpido.É um povo autofágico, que auto sabota o próprio bem e se consome em ignorância, superficialidade e demagogia, é um povo fadado a sempre ser dependente, colonizado e paralisado na inteligência capaz de evolução e autonomia”. Leia mais!

Neste contexto descrito acima, surgem questionamentos sobre a suposta polarização da próxima disputa eleitoral no Brasil ser muito prejudicial para a democracia.

Mas será que a polarização política só tem seu lado ruim? Sem uma eleição polarizada, teremos clareza dos projetos de nação que estão em disputa em 2022? Por que não acreditarmos e construirmos uma polarização saudável da democracia como nos tempos em que dois grandes partidos, ao duelarem pelo poder no Brasil, o faziam com base na civilidade, no respeito e na disputa política?

Pelas nossas análises e leituras, um dos novos elementos, neste momento histórico, é que os representantes do conservadorismo e da moral, que se sentem representados pelo presidente Bolsonaro, agora advogam a sua representação. Nada mal, mas que o façam testando a representação de suas ideias na urna, através da eleição, que é o instrumento da democracia. Outro elemento é uma vontade de um grupo significativo de pessoas apostando numa “terceira via”, revelando certo temor por uma disputa que aponte para os principais antagonismos e dilemas da realidade brasileira que precisam ser enfrentados, urgentemente.

Estamos em busca de algumas respostas, mesmo que incipientes.

Um dos problemas que está na gênese da formulação da suposta nocividade da polarização para a democracia é afirmar e acreditar que a disputa se dará entre dois extremos, entre forças tresloucadas ou malévolas para a nação.

Quem conhece o histórico do ex-presidente Lula, por exemplo, sabe que ele nunca esteve posicionado em extremos e demonstrou isso durante os seus governos. Quem conhece e acompanha o histórico do Presidente Bolsonaro sabe que ele flerta com posições mais radicais e conservadoras, que agora advogam seu espaço de poder.

Quem garante que a disputa se dará entre Lula e Bolsonaro, mas talvez entre um representante da direita e outro da esquerda? Não seria interessante ao país, neste momento histórico, se brasileiros e brasileiras tivessem de fazer uma escolha entre duas visões de mundo e sociedade: uma que prega maior poder do estado e que promove maior inserção para a cidadania e outra que reduz o poder do Estado e a consequente encolhimento de políticas públicas e sociais?

Acreditamos que a maturidade das instituições políticas e republicanas, dos grandes partidos e das grandes lideranças políticas serão capazes de conduzir o Brasil na superação deste momento que preservarmos e promovermos democracia. Acreditamos, igualmente, que estas mesmas instituições, com a firmeza que delas se espera, podem influenciar os cidadãos e cidadãs na superação da irracionalidade do cotidiano, representada no ambiente de xingamentos, gritaria, ataques pessoais e baixaria, principalmente, nas redes sociais.

Guilherme Simões Reis e Sérgio Schargel escreveram em publicação Não há nada mais democrático do que a polarização, “a polarização não apenas existe, como não é um problema. Pelo contrário, é fundamental para qualquer democracia saudável. Como mostra a noção de democracia agonística proposta por Chantal Mouffe, a polarização, desde que baseada em respeito mútuo pelas regras do jogo democrático, é o que faz a roda da democracia girar. Em outras palavras: para a democracia funcionar, é o dissenso, e não o consenso, que é imprescindível. Faz ainda menos sentido, portanto, que se almeje um “consenso para o bem da nação”, para repetir um mantra que sempre reaparece. O consenso somente pode existir sob um governo autoritário. Em uma democracia, o único consenso que se precisa ter é aquilo que John Rawls definiu por consenso sobreposto: concordância sobre direitos mútuos básicos como liberdade de expressão e de associação, desde que não firam os direitos básicos alheios. Ou seja, nem mesmo a liberdade de expressão deve ser absoluta, mas essa é outra extensa discussão. Leia mais!

A polarização que o Brasil precisa é aquela que permita um confronto saudável, democrático e civilizado, onde a discussão seja qual é o nosso projeto de nação, seja a articulação dos sujeitos e atores que gestarão uma política mais coesa e articulada e seja também a escolha de políticas que provam a cidadania, a justiça e a equidade social.

A polarização que estamos propondo enfrenta o “mito da imparcialidade”, fazendo com que todo mundo tenha uma posição mais definida sobre os rumos da política brasileira.

Acreditamos ser possível, para o bem do Brasil e para a sobrevivência da política. E você?

A filosofia não é uma retórica furiosa, diz Mário Sergio Cortella.Assista: https://youtu.be/pE3eNQTVQio?t=70

Autor: Nei Alberto Pies

Edição: Alex Rosset

As crianças e os animais: uma relação de afeto

As crianças nunca devem perder o afeto pelos bichos e para isso os pais e professores precisam ensinar-lhes a amá-los incondicionalmente. Para isso é bom que desde cedo a criança tenha em casa um animalzinho doméstico seja gato ou cachorro.

O poeta Vinícius de Moraes na sua obra “A arca de Noé” nos deixou um grande ensinamento de como ensinar as crianças a amar os animais. Nos seus mais diversos poemas dessa obra tão maravilhosa, podemos encontrar um poeta que procura passar para as crianças o amor e cuidado que devemos ter para com os animais não somente os domésticos, mas todos eles.

Muitas vezes as crianças são levadas a um pensamento errado de que apenas aqueles animais com os quais convivemos devem ser amados e os que vivem nas florestas são perigosos e não merecem os nossos cuidados. Este ensinamento não deve ser passado para nenhuma criança. Todo animal merece amor e respeito independente da espécie.

Parece que quanto mais feio for o animal, mais dizemos às crianças que não devemos amá-los. Isso ocorre com os emboás, as cobras, os ratos e, principalmente, as baratas e os ratos. Claro que não queremos esses bichos dentro das nossas casas, mas isso não é motivo para ensinarmos as nossas crianças a odiá-los. Vemos tantos filmes com ratinhos e tantas músicas bonitinhas com baratas que muitas vezes nem percebemos os males que lhes fazemos quando nos pegamos cantarolando uma dessas canções.

O filme “O pequeno Stuart Little” traz o personagem “Stuart” um ratinho extremamente carinhoso que não tem nada de nojento assim como podemos ver também no desenho animado Tom & Jerry que animaram muitas crianças nas décadas de 70 e 80.

Temos também os ratinhos preferidos da Disney que toda criança e adulto amam Mickey e Minie Mouse. Acredito que todos estes personagens tentam buscar nas crianças a inocência do amor pelos animais e despertá-las para um cuidado sem pré-conceitos estabelecidos pelos adultos de que este ou aquele animal não deve ser amado por transmitir doenças ou por nos fazer mal.

Para alguns adultos que produzem filmes, esses animais são os mais amados pelas crianças e os que mais aparecem nas telas de cinema e televisão. Isso porque eles precisam ser respeitados e amados.

Todo ser vivo necessita de amor. Deus criou todas as coisas. Se amamos a Deus devemos amar todas as coisas que foram criadas por Ele independente de feio ou bonito. A mesma coisa ocorre com as baratas. Temos tanto pavor às baratas que acabamos passando esse medo para as crianças, muitas vezes causando-lhes pânico e traumas para a vida adulta.

A música “A baratinha” da Galinha Pintadinha é a coisa mais linda do mundo para animar a criançada. Já pensou em como a sua criança vai gostar de uma música que fala de baratas se ela tem pânico delas?

A Baratinha – Galinha Pintadinha 1 – OFICIAL

O problema dos adultos é que eles não percebem o mal que fazem quando passam para as crianças todos os seus problemas, traumas e medos. As crianças, em fase de aprendizagem e imitação do que veem, tendem a receber todas essas informações e guardam dentro dos seus pensamentos para mais tarde colocarem para fora seja através de um pesadelo ou de um xixi inesperado na cama.

Toda criança ama animais. Elas não fazem distinção de que bicho faz mal para elas ou não. Elas nascem inocentes e só perdem essa inocência por nossa causa, ou seja, porque existem adultos que vão sorrir delas se continuarem inocentes quando crescerem.

Certa vez, presenciei na casa da minha tia o meu priminho de dois anos de idade a brincar com um emboá na palma da sua mão. Ele apertou tanto o bichinho que acabou o matando. Depois nos disse que só queria cuidar dele e apertou com força para que ele não caísse no chão e morresse. O garoto não teve um pingo de medo do emboá enquanto a mãe, minha tia, fez o maior espanto. Assim somos nós, adultos, nos espantamos com tudo que é diferente e estranho.

As crianças nas suas inocências não acham nada diferente e tendem a não criar categorias sobre as coisas. Tudo é igual para elas. Tudo merece amor e cuidado. Tudo é lindo aos seus olhos de descobertas e curiosidades. Era para gente ser assim, mas não somos. Acho que nunca mais seremos assim. A gente até esquece que foi assim na infância. Todo bicho da natureza deve ser respeitado como se fosse um ser único com vida própria, costumes e habitats diferentes. As crianças devem aprender sobre essas características em casa e na escola. É preciso que as ensinemos que há animais domésticos e selvagens, e que também há aqueles que entram nas nossas casas sem serem convidados e por diversos motivos.

As baratas, os ratos, os escorpiões são perigosos para a nossa saúde isso todos nós sabemos. Mas, se ensinarmos as crianças que não devemos nos aproximar desses bichos e que elas precisam chamar imediatamente o papai ou a mamãe caso vejam alguns deles em casa e nunca se aproximar elas terão cuidados e saberão agir no momento necessário. Nada de chineladas, vassouradas, cadeiradas ou coisa parecida, isso só demonstra a nossa violência em relação ao mundo animal. O ideal é que matemos esses bichos longe das crianças.

Algumas pessoas em bairros mais pobres tendem a colocar ratoeiras, armadilhas para matarem ratos, em alguns locais da casa. Isso é muito perigoso tanto para a criança quanto para o próprio adulto. Armar uma ratoeira exige cuidados e muitas vezes acabamos nos machucando. Também exige cuidados o local onde as vamos colocá-las, pois devem estar longe do alcance das crianças. Já vi criança com dedos quebrados por causa de ratoeiras. Isso é muito sério. A pobre criança ainda teve que ouvir que foi mexer onde não devia.

Da mesma forma é quando colocamos veneno para matar ratos, baratas e até mesmo os famosos cupins. Todo cuidado é pouco no manuseio de venenos. Na verdade, nem devíamos usá-los nas nossas casas, principalmente, aquelas que têm crianças e idosos. Até mesmo os adultos acabam se atrapalhando muitas vezes com os rótulos e ingerindo-os sem querer.

Não estou querendo dizer aqui que devemos deixar as nossas casas cheias de ratos e baratas, longe de mim tal coisa, mas que devemos manter a higiene e o cuidado necessários para que eles nem cheguem até os nossos lares. Se limparmos as nossas casas diariamente, mantermos os lixos em locais seguros, e tivermos bons vizinhos que pratiquem esses mesmos hábitos nunca precisaremos de venenos ou de ratoeiras.

Tudo é questão de conscientização e harmonia entre as pessoas que moram próximas. Saber que tais animais são prejudiciais à saúde todos nós sabemos, e as crianças também precisam saber disso, mas espalhar pânico nunca.

Sobre os animais selvagens também devemos mostrar as crianças que são belos e merecem o nosso amor e cuidado. Alguns animais estão em extinção no mundo devido, principalmente, a caça predatória. Elefantes, zebras, hipopótamos, leões, onças são os que mais os caçadores gostam. É necessário dizer as crianças que muitos animais não podem ser caçados e que esse tipo de lazer não é legal, pois matar animais nunca é uma coisa boa mesmo que seja de forma esportiva e que eles não sirvam para quase nada além de habitarem as nossas florestas.

O homem é o maior predador dos animais do planeta. Se ele não mata diretamente consegue matar de forma indireta com queimadas e desmatamentos das florestas onde centenas de animais são mortos pelas fumaças e fogo.

Ainda bem que atualmente não vemos mais animais em circos como acontecia antes, na minha infância era comum ver elefantes, macacos e leões participando de espetáculos nesses locais. As autoridades perceberam que lugar de animal selvagem é na floresta e, em alguns casos, nos abrigos com profissionais preparados para cuidarem desses bichinhos. Dois desses profissionais são veterinários e biólogos. O médico veterinário é quem deve medicar os animais selvagens e mais ninguém.

Todo bichinho selvagem é predador de um outro bichinho e isso faz parte da cadeia alimentar, por isso é importante ensinar as crianças para não deixarem de gostar de um leão porque ele come coelhinhos, por exemplo. São coisas da natureza. Faz parte da sobrevivência de cada bichinho e também é importante ensinar as crianças que todo animal sabe se proteger dos seus predadores, mas muitas vezes não resistem e acabam sendo comidos por eles.

No Brasil temos a nossa famosa onça pintada, que corre risco de extinção. Com o desmatamento e as queimadas das florestas, temos visto nos noticiários esse animal passeando pelas avenidas de algumas cidades e invadindo casas que ficam próximas de matas atrás de comida e proteção. As pessoas ficam apavoradas, mas isso é fruto da própria ação do homem.

Sem florestas, os animais tendem a ir para as cidades, ficam desorientados, famintos e acabam atacando as pessoas. O mico-leão-dourado também corre risco de extinção, este animal tão importante à natureza, pois se alimenta geralmente de frutos e joga as suas sementes pela terra contribuindo assim para o florestamento. Perto da minha casa tinha uma florestinha cheia desses bichinhos, mas a floresta foi queimada e muitos deles morreram no incêndio.

Eu gostaria de abrir um parêntese para falar de dois animais que são abatidos de forma violenta em muitas casas do nosso país na frente das crianças: os porcos e as galinhas. É muito triste ver um animalzinho ser morto. É algo que a gente guarda na alma e mesmo depois de adulto nunca esquece. Os adultos devem abandonar esse hábito e matar os seus animais longe das crianças, o melhor mesmo era que não os matasse.

Se todo mundo pudesse virar vegano assim como eu seria maravilhoso. Na minha infância vi muitas galinhas serem mortas e trago essa lembrança até hoje. Alguém pode dizer que galinha é para ser morta mesmo, que alguns bichos a gente cria para comer, mas não é esse o meu pensamento. Acho que as galinhas são animais maravilhosos no terreiro de uma casa, pois elas põem ovos e nos protegem de outros animais que podem nos machucar como os escorpiões.

Já que muitas pessoas não conseguem viver sem comer carne de bicho, quem sabe tirar um dia na semana para evitar esse costume seja bom para o mundo animal e para a natureza. Um dia apenas. Trocar a carne do bicho pelos legumes e verduras ou para quem não resiste, comer carne de soja com os mesmos temperos da carne comum. Quem come muita carne de gado corre o risco de ter sérias doenças cardíacas, ainda mais aqueles que comem a carne cheia de gordura como é a de porco.

Tem pessoas que não perdem um churrasco e se empanturram de carne sem se dar conta do sofrimento que aquele animal passou na hora da sua morte. Sei que hoje alguns abatedouros se preocupam com a forma como abatem os animais para que eles sofram menos na hora da morte, mas são poucos no Brasil que pensam assim. O ideal era que não tivéssemos abatedouros em lugar nenhum do mundo e que ninguém comesse carne de animal.

Tem tanto livro infantil com personagens que são bichos escritos pelos mais diversos autores nacionais e internacionais que a gente levaria anos para contar todas as histórias existentes às nossas crianças. As fábulas de Esopo são um exemplo disso. Sem contar que elas ainda trazem um ensinamento moral à criança. Alguns professores não gostam do ensinamento moral, não tem problema, melhor ainda que a criança possa refletir e tirar a sua própria aprendizagem.

Uma das histórias mais belas que já li em toda a minha vida traz dois coelhos como personagens sendo intitulada “Adivinha quanto eu te amo” de Sam McBratney. Conta a história do coelho pai com o coelho filho dizendo o quanto um ama o outro. Acho que todo mundo devia ler esse livro para refletir sobre o amor entre os povos e os bichos. Os coelhos que os homens adoram caçar no nordeste brasileiro.

Preciso falar um pouco das aves, esses animaizinhos que são tão perseguidos pelas crianças e presos pelos adultos em gaiolas. As crianças das regiões mais interioranas aprendem desde cedo a como criarem um alçapão e armarem em locais onde os pássaros gostam de pousar para os prenderem neles. Muitos adultos têm viveiros de pássaros nas suas casas para comercialização em feiras livres e na internet, o que é considerado crime ambiental. As crianças não são ensinadas que não devem jogar pedras nos ninhos das aves e que não devem maltratá-las. Alguns homens ainda caçam arribaçãs com espingardas.

Os homens vivem infringindo as leis ambientais. É muito triste tudo isso. Mais triste ainda é ver uma criança com um estilingue pronto para abater um passarinho que não faz mal a ninguém e vermos esses mesmos estilingues serem vendidos em feiras livres e lojas comuns de mercados locais. A criança que faz isso tem por detrás dela um adulto sem noção do que é uma vida animal. Os pombos têm as suas asas cortadas para não poderem voar.

Os pardais não podem mais procurar comidas nas ruas porque correm o risco de serem machucados por uma pedra. Lembro-me de quando era criança e a minha vó cantava para mim a linda canção que dizia mais ou menos assim “Passarinho lá na gaiola voou, voou, voou / E a menina que gostava tanto do bichinho chorou, chorou, chorou…” Eu ficava na torcida para que o passarinho nunca mais fosse pego pela menina e nunca que quis ser essa menina.

O nosso Deus misterioso e cristão, antes do dilúvio, pediu para que Noé juntasse um casal de animais na sua arca de forma que assim conseguiu salvar de extinção cada espécie de bicho depois que as águas tomaram conta do planeta terra. O homem devia temer a Deus e nunca afrontá-lo matando e maltratando os animais.

As crianças nunca devem perder o afeto pelos bichos e para isso os pais e professores precisam ensinar-lhes a amá-los incondicionalmente. Para isso é bom que desde cedo a criança tenha em casa um animalzinho doméstico seja gato ou cachorro.

Assim, aprenderá, logo na tenra infância, a cuidar e respeitar os bichinhos. É sabido que crianças que têm contato com animais conseguem se recuperar mais rapidamente de doenças, como podemos ver tratamentos médicos que usam cavalos e outros animais.

Tem um poeta que foi pastor de ovelhas e amou a natureza chamado Alberto Caeiro heterônimo de Fernando Pessoa. Os seus poemas sobre a natureza são belíssimos. Deixo vocês com o meu poeta predileto nesta manhã onde escuto lá longe um pássaro cantar e aqui perto o meu cachorro late me chamando para brincar. Assim diz Alberto Caeiro “Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse. / Minha alma é como um pastor, / Conhece o vento e o sol…” Que todas vocês possam guardar rebanhos dentro dos vossos corações, crianças.  

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Que a felicidade do outro jamais nos ofenda

Enquanto a celebração do outro nos ofender, não teremos entendido absolutamente nada do que seja graça, muitos menos, do que seja amor.

Três parábolas contadas por Jesus. Na primeira encontramos a tese. Na segunda, a antítese. Na terceira, a síntese.

Na primeira delas, Jesus fala de um pastor que tinha cem ovelhas, mas perdeu uma. Quem tem cem e perde uma, teve um prejuízo de 1%. Certamente que em pouco tempo aquela ovelha seria reposta através da procriação. Mas em vez de se conformar, aquele pastor deixa as 99 no deserto e sai à procura da que se extraviou. Portanto, ele se expõe ao risco de perder as demais. Elas não ficaram na segurança de um redil, mas no ambiente inóspito do deserto. Ao encontrar a ovelha perdida, colocou-a sobre os ombros e a levou-a de volta para casa.

Uma pergunta que me vem à mente é: por que ele teve que carregá-la nos ombros em vez de simplesmente guia-la de volta? Há, pelo menos, dois motivos plausíveis. Ou ela estava machucada sem condição de caminhar com suas próprias patas, ou ela era tão rebelde que se fosse deixada solta voltaria a se extraviar. Sua alegria foi tão grande que resolveu convidar os vizinhos para uma festa em celebração por haver reencontrado sua ovelha.

Na segunda parábola, uma mulher perdeu uma de suas dez moedas. Portanto, sua perda foi de 10%. Não era uma moeda qualquer, mas uma dracma. Diferentemente do pastor da parábola anterior, ela não precisou sair de seu domicílio para procurar o que perdera, pois a moeda havia sido perdida dentro de sua própria casa. Para encontrá-la, ela acende a candeia, varre a casa e a busca persistentemente. Não daria para encontrá-la de luz apagada. E para encontrá-la, ela teria que varrer a casa, isto é, livrar-se do lixo acumulado.

Quanto mais se acumula lixo no ambiente doméstico, mais difícil será encontrar nele o que se procura. A exemplo do pastor, ela também convoca suas amigas e vizinhas para uma festa em comemoração à moeda encontrada. Talvez, ela tenha tido que usar todas as dez moedas e algumas a mais para bancar tal festa. Faz sentido isso? Não se trata do valor da moeda em si, mas do valor do encontro.

As duas primeiras parábolas são contadas em forma de pergunta. “Que homem dentre vós…”, e “Qual a mulher que…”. A primeira fala de uma perda externa. A segunda, de uma perda interna. Na primeira, se busca. Na segunda, se procura.

Mas a terceira parábola nos apresenta a síntese das anteriores. Em vez de começar a nova parábola com uma pergunta, Jesus recorre a uma antiga fórmula de se introduzir uma estória, bem ao estilo “era uma vez…”.

“Certo homem tinha dois filhos…” O mais novo reivindica a sua parte na herança. O pai resolve repartir tudo o que tem entre os dois. O primeiro aproveita a grana para sair de casa e viver todas as aventuras que sempre almejara experimentar. O outro se manteve ao lado do pai. De primeira mão, a impressão que se tem é de que apenas o filho caçula se perdeu, desperdiçando sua parte na herança na farra. Porém, no desfecho da parábola, deparamo-nos com o seu irmão mais velho igualmente perdido, negando-se a participar da festa em comemoração à volta de seu irmão.

O pródigo era a ovelha extraviada, que só caiu em si depois de haver perdido tudo e só restar-lhe a comida dos porcos para saciar sua fome. O mais velho era a moeda perdida dentro de sua própria casa. A diferença é que o pastor perdeu 1% de seu rebanho. A mulher perdeu 10% de seu dinheiro. Mas aquele velho pai perdeu 100%. Não apenas por haver repartido o patrimônio inteiro com os seus dois filhos, mas por havê-los igualmente perdido. Um, fora de casa. Outro, dentro.

Foi necessário que o mais novo saísse de casa para que se revelasse quão perdido estava o que permaneceu. Foi necessário que o que estava fora retornasse para que o que estava dentro também fosse achado pelo pai.

Todas as três parábolas terminam em festa. Mas somente na última, alguém se nega a participar. Apesar de apresentar razões morais que justificassem sua decisão em não festejar, a bem da verdade, a razão era outra.

O tal bezerro cevado oferecido como churrasco foi apenas a gota d’água. Uma vez que seu pai já havia repartido seu patrimônio entre os dois filhos, e que o primeiro havia desperdiçado sua parte, concluímos que o dinheiro que bancava aquela festa pertencia ao mais velho. Seria como se a mulher que encontrara a moeda perdida resolvesse gastar todas as suas moedas para celebrar seu achado, ou se o pastor que recuperara sua ovelha decidisse matar as noventa e nove para dar uma churrascada em comemoração à ovelha resgatada.

De fato, o filho mais velho parece coberto de razão. Aquela festa não era justa. Não do ponto de vista da justiça humana. Porém, há que se considerar que a justiça divina extrapola nosso senso de justiça própria. A própria graça em si subverte a nossa lógica baseada em méritos e deméritos.

Celebrar o retorno do perdido servia para revelar a perdição de quem jamais se permitira partir. Como bem disse Paulo, “não há um justo sequer. Todos se extraviaram.” Tanto os que estão dentro, quanto os que estão fora, tanto os que procuram, quanto os que são procurados, tantos os que voltam com suas próprias pernas, quanto os que precisam ser carregados nos ombros.

Todos somos igualmente carentes da graça de Deus. Ninguém é melhor do que ninguém. O valor que possuímos não é intrínseco, mas atribuído pelo amor. Em outras palavras, não somos amados porque temos valor. Nosso valor decorre do fato de sermos amados.

E por fim: enquanto a celebração do outro nos ofender, não teremos entendido absolutamente nada do que seja graça, muitos menos, do que seja amor.

Autor: Hermes C. Fernandes

Edição: Alex Rosset

A Rebeldia do Filosofar

A filosofia é um conhecimento rebelde na sua essência e supõe seguidores apaixonados por jogar-se por um mundo mais justo, livre do conformismo, da apatia e da mediocridade.

A filosofia está em crise! Se esta afirmação te assusta, não se preocupe, ela tem uma base muito óbvia: os seres humanos de todos os tempos estão passando sempre por uma época de crise. Por quê? Porque a vida é crise, a vida é mudança e crescimento contínuo.

A mudança implica pensar sempre no que fomos, no que somos e no que queremos ser dentro de um quadro de possibilidades que devemos combinar para que estejam a nosso favor. Não por conveniência, mas porque devemos aproveitar a possibilidade de estarmos vivos, de sabermos aproveitar ao máximo cada momento.

Crescer significa ser levado a mais, a continuar com um processo de expansão, de saber que somos maiores e mais importantes do que somos hoje. Mudança e crescimento: duas características da crise, portanto aceitemos os tempos de crise com paz de espírito. São oportunidades de crescimento.

Se você está num processo de mudança e de crescimento, alegre-se! Mauricio Langón, filósofo uruguaio, diz: “Na adolescência, filosofar torna-se uma questão de vida ou morte, do sentido da vida, de inserção no complexo processo de mudança no mundo” (Langón, M., 2005), o que nos leva a pensar que os adolescentes e jovens deste mundo podem ver a filosofia como uma possibilidade de arriscar a sua vida por algo, se esse algo lhes interessar realmente.

Daí o desafio de filosofar como jovens, terá sentido se for para se rebelar de cara à complexidade.

Mas mesmo na nossa sociedade -que acredita ser avançada e moderna- os adolescentes e jovens ainda não são tomados em sério. São vistos como incapazes de jogar o grande jogo, principalmente porque são considerados imaturos ou porque não compreendem as coisas importantes, tantas coisas que deixam os adultos tontos.

Muito se exige das crianças, mas em ocasiões importantes não lhes é permitido ter uma palavra a dizer, porque as coisas importantes são cuidadas pelos “adultos”. Isto é um grande erro na nossa sociedade!

Ao mundo adulto falta a humildade de reconhecer que não podemos fazer tanto quanto dizemos e que estamos errados mais vezes do que estamos certos em muitos aspectos da vida. Mesmo a ciência, a disciplina que se desenvolveu em grande medida nas últimas décadas, continua a mostrar as suas falhas e limitações, porque o próprio ser humano é limitado e incompleto.

A tarefa do professor ou professor de filosofia deve partir da humildade de saber ter cuidado com o que procura provocar nos seus alunos. Partimos do pequeno (a nossa ignorância) para fazer o outro (o estudante) crescer, para lhe dar as ferramentas para se rebelar.

Roda de Conversa 2 – Experiências atuais no ensino de filosofia: em busca de perspectivas, do GEPES-UPF, mediada por Diego Pereira Ríos. Assista: https://youtu.be/fai8RZUs3U0?t=1718

Outra pensadora uruguaia, Andrea Genis, referindo-se a Sócrates, afirma que ele é “…o mestre da dúvida de si mesmo, exorta o discípulo a preocupar-se consigo próprio, a preocupar-se consigo próprio, a entrar num processo de auto-conhecimento que transforma a sua vida” (De filosofia y educación. Del cuidado de sí y conocimiento de sí, Puchet, E. Epílogo, 2013). Isto descreve claramente a tarefa de cada professor de filosofia: levar o aluno a um auto-exame da sua vida, das suas ideias, da herança cultural e familiar com que formou a sua visão do mundo, a sua concepção do mundo. Porquê? Para que possam criticar (do grego “krino”: separar, discernir, julgar) o mundo em que vivem, perceber a distância entre palavras e ações, entre o que nós adultos dizemos e o que fazemos.

É impossível evitar a crise (da mesma raiz grega da crítica) que o aluno deve atravessar e que deve conduzir a uma crise a seu professor. Isto implica que a adolescente-jovem se torna um rebelde: alguém que quer romper com a ordem estabelecida, porque percebe que o que lhe é dito coincide com o que o vê fazer. Rebelde, sim, e as suas armas estão no desarrolho do pensamento crítico.

A rebeldia da filosofia é uma tarefa que implica o desenvolvimento de um pensamento crítico que pode julgar a realidade que nos rodeia (Lipman, M), conseguindo separar o estritamente real do aparente. E o julgamento é feito com palavras, palavras que os adolescentes e jovens não hesitam em usar sempre que percebem incoerência em nós, os adultos.

A filosofia é um conhecimento rebelde na sua essência e supõe seguidores apaixonados por jogar-se por um mundo mais justo, livre do conformismo, da apatia e da mediocridade. A filosofia procura dar à luz os rebeldes que pensam num mundo melhor e transformá-lo com ações concretas. E nisto, estamos juntos, caros amigos dos “Filósofos da Vida”.

Muito encorajamento e rebeldia no caminho do pensamento!

A rebeldia nos jovens não é um crime. Pelo contrário: é o fogo da alma que se recusa a conformar-se, que está insatisfeito com o status quo, que proclama querer mudar o mundo e está frustrado por não saber como. (Nei Alberto Pies) Leia mais!

(Artigo inicialmente escrito para Blog do Projeto Filósofos de la Vida, 2019, Medellín, Colómbia)

Autor: Diego Pereira Ríos

Edição: Alex Rosset

Ensinar as crianças a amar a floresta Amazônica é fundamental

Que nós professores saibamos passar um sentimento de amor e cuidado pela floresta Amazônica para as crianças de forma que elas se sensibilizem com esse respeito por tudo o que lá existe, inclusive pelos povos indígenas que a habitam.

Já imaginou se o conto de fadas Chapeuzinho Vermelho se passasse na floresta Amazônica? Mas, os contos de fadas da contemporaneidade quase não têm mais florestas para cenários das suas histórias e como ficam as crianças? Que ideias elas vão ter daqui há alguns anos das nossas florestas? “Pela estrada a fora eu vou tão sozinha levar esses doces para vovozinha…” esta é a canção da Chapeuzinho Vermelho que toda criança conhece e sabe que há uma estrada que leva à uma bela floresta onde mora um lobo mau.

No nosso caso, temos a floresta Amazônica onde moram diversos bichos e podíamos fazer contos de fadas os mais diversos para despertar nas crianças o cuidado por ela e a sua preservação. Convido os autores de literatura infantil para se voltarem à biodiversidade da floresta Amazônica e começarem a explorá-la nos seus mais diversos contos.

Afloresta Amazônicaperpassa por nove países: Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Guiana, Suriname, Equador e Guiana Francesa – sendo, portanto, a maior floresta tropical do mundo com um total de 5,5 milhões de km² de extensão. Mais da metade da sua vegetação, 61%, encontra-se em território brasileiro, entre os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Pará e Roraima.

Para vocês verem que não estou falando de qualquer floresta, mas da maior floresta do mundo, daquela que se destaca nos eventos nacionais e internacionais de meio ambiente e mesmo assim ainda sofre tanto descuido por parte das nossas autoridades. Devemos ter em mente que a nossa responsabilidade para com uma coisa pequena é a mesma para uma coisa gigantesca, ainda mais quando esta coisa está sob os nossos cuidados e responsabilidades.

Não basta pôr no papel, é preciso praticar com leis que assegurem garantias de sobrevivência e bem-estar ao meio ambiente, incluindo aqui a floresta Amazônica para quem as nossas autoridades costumam fingir que nada demais está acontecendo com ela, que tudo está indo às mil maravilhas, quando não é verdade.

A floresta Amazônica é a maior do mundo, isso todos nós sabemos e já foi dito acima. O que tem de especial nela, que vocês talvez ainda não saibam, é que se ela for devastada muitas vidas serão perdidas e se isso não preocupa a vocês, a mim preocupa bastante. Sendo considerado o maior dos seis biomas do mundo a nossa floresta Amazônica tem vida que pode até ainda não ter sido identificada de tão grande que se apresenta para os cientistas, biólogos e pesquisadores.

Além das suas seculares árvores, existem aquelas plantas que se arrastam pelo chão, as plantinhas miudinhas que brotam aqui e acolá e as árvores de alturas enormes que a gente estica o pescoço para poder ver o seu fim e não alcança. Alerto que este ensaio vai parecer um poema de tanta poesia que pretendo colocar nele, pois falar da floresta Amazônica para crianças é pintar árvores em cada sorriso de menino e menina que vive, principalmente, em edifícios e muros de concreto, sem acesso ao cheiro do mato. Sim, as árvores têm um perfume delicioso que aumenta quando chove, essa chuva que cai bem na nossa floresta Amazônica que se apresenta com clima tropical onde prevalecem as estações de chuva e sol o ano inteiro.

Precisamos aprender a amar a floresta Amazônica e defendê-la contra todos aqueles que querem fazer-lhe mal. O seu desmatamento tem aumentado a cada ano e isso nós sabemos que tem várias causas e muitas consequências.

Entre as principais causas do seu desmatamento estão a impunidade a crimes ambientais, atividade pecuária, exploração de extração de madeira e mineração, retrocessos em políticas ambientais e etc. O desmatamento ocorre com a exploração da madeira para venda sendo alguns moradores vítimas dessa exploração porque sem dinheiro para comprar comida acabam caindo nas mãos e conversas desses exploradores e mesmo residindo na floresta, infelizmente, não sabem que estão praticando um crime e acabam derrubando as suas árvores por míseros salários ou recompensas. Outras vezes esses moradores, incluindo os índios, são ameaçados por madeireiros e exploradores de minérios, sendo até mesmo ameaçados de mortes se denunciarem os crimes ambientais que veem acontecer na floresta.

É tudo muito triste! O barulho da serra elétrica entra nos ouvidos de alguns moradores e parte no meio os seus corações porque ninguém chega para fazer parar aquele barulho nunca, nunca mesmo. Ninguém faz nada para que as árvores não sejam derrubadas, nunca, nunca mesmo.

O ritmo da destruição, entre 2008 e 2018, do desmatamento da floresta Amazônica foi 170 vezes mais rápido do que aquele registrado na Mata Atlântica durante o Brasil Colônia.

Nós, cidadãos comuns, podemos mobilizar as redes sociais para combater esse desmatamento e chamar a atenção das autoridades nacionais e internacionais. Os movimentos nas redes sociais têm demonstrado que são fortes e quando esforços são somados ao redor do mundo as autoridades se veem pressionadas a fazerem alguma coisa. Mas, não é só o desmatamento que afeta a floresta Amazônica. Temos a exploração dos minérios que é outro grave problema. Dezenas de exploradores estão dentro da nossa floresta buscando de uma forma agressiva e violenta à natureza e aos seus moradores enricarem às suas custas.

O governo nacional, os deputados e os senadores têm a obrigação de proteger a floresta Amazônica e não permitir esse tipo de exploração que destrói tudo e deixa um rastro de terra seca enorme por onde passam. Terra onde já não se pode mais plantar e de onde nada pode mais ser retirado. Mas, o nosso governo tem fechado os olhos para o problema da floresta Amazônica e nós pagaremos um preço alto por esse fechar de olhos ou faz de conta que não estou vendo e que não é comigo.

Segundo o relatório da RAISG, a agropecuária é a causa de 84% do desmatamento da floresta Amazônica. Cerca de 20% da floresta original já foi colocada abaixo sem que benefícios significativos para os brasileiros e para o desenvolvimento da região fossem gerados. Pelo contrário, os prejuízos são vários. Só para ficar num exemplo, a poluição causada pelas queimadas mata animais, causa mortes em pessoas com problemas respiratórios e desencadeia alterações no clima regional que podem colocar em risco a vida no campo.

Tem gente que pensa que na floresta Amazônica só tem bicho e mato. Para quem não sabe lá também moram pessoas que precisam urgentemente de cuidados das autoridades para não se deixarem ser levadas pelas falácias desses exploradores egoístas e mesquinhos que só pensam em si e nos seus grandes negócios. A floresta Amazônica é de todos nós brasileiros. Somos responsáveis por ela e precisamos fazer algo pela sua sobrevivência urgente.

Vou explicar alguns conceitos básicos aqui para os pais e professores que tiverem a curiosidade de ler este ensaio com as suas crianças e adolescentes, o que eu acharia maravilhoso porque este é um pedido de socorro que faço em nome da nossa floresta Amazônica tão bela e tão descuidada. Vou conceituar um bioma que é um grande conjunto de ecossistemas interligados e um ecossistema é um sistema ecológico onde existe vida e interação entre os seres vivos em determinado espaço podendo variar de tamanho.

Podemos definir um bioma como um grande espaço geográfico que compartilha das mesmas características biológicas, climáticas e físicas, existindo um vasto número de espécies animais e vegetais. Já o conceito de floresta Amazônica pode ser definido como a maior floresta tropical do mundo e concentra vasta biodiversidade.

Numa floresta encontramos diversas espécies de árvores e animais. É essa biodiversidade que diferencia a floresta Amazônica das demais. São tantas vidas descobertas pelos pesquisadores e cientistas que ficamos impressionados, sem contar com as que ainda não foram descobertas. Também não podemos esquecer das plantas de uso medicinais que servem para curar uma variedade enorme de doenças.

Os velhos africanos costumam dizer que dentro dos troncos de algumas árvores moram deuses. Eu também acredito que nas florestas moram duendes, esses pequenos serzinhos de várias cores que sempre aparecem para nos ajudar quando estamos perdidos numa delas. Já pensou se os sete anões de Branca de Neve conhecessem os problemas da floresta Amazônica? Certamente ficariam tristes por demais.

SUGESTÃO FILME LÓRAX: EM BUSCA DA TRÚFULA PERDIDA: https://youtu.be/mVIjDlVY9RM?t=32

O nosso querido poeta Vinícius de Moraes escreveu um poema intitulado “Floresta” que diz em alguns dos seus versos “Eu penetrei o atalho, na floresta. / Tudo era força ali, tudo era força / Força ascensional da natureza.”

Essa força que a floresta Amazônica tem demonstrado ao longo da sua vida mesmo com todo tipo de exploração ainda se apresenta linda e magistral à humanidade. Uma força que faz da natureza uma guerreira porque por mais que se desmatem e queimem as suas árvores mais ela ganha vida mesmo que doente e ameaçada de morte, ainda assim acorda todas as manhãs pronta para beijar os seus macacos e onças pintadas como para banhar com as suas chuvas as diversas plantas que nela habitam. Que haja sempre muita força e que o atalho de Vinícius de Moraes seja o nosso atalho para se chegar à solução dos problemas da nossa floresta Amazônica.

A floresta Amazônica corresponde a 53% das florestas tropicais ainda existentes. Por isso, a sua conservação é debatida em âmbito internacional, em virtude de sua dimensão e importância ecológica. A floresta tem existido por, pelo menos, 55 milhões de anos. Uma floresta perene, ou seja, permanece verde durante todo o ano não perdendo as suas folhas no outono. Também é heterogênea, ou seja, com um elevado quantitativo de espécies de plantas e árvores.

Tudo isso para chamar a sua atenção, leitor, de que fazer de conta que nada está acontecendo com a nossa floresta Amazônica é assumir a culpa mais tarde de que podíamos ter feito algo para salvá-la. Cada um de nós é responsável pela natureza que está ao nosso redor, não somente pelas florestas, mas pelos rios, mares e oceanos também. Precisamos sair às ruas com cartazes e gritos de guerra que conscientizem as nossas autoridades a fazerem alguma coisa urgentemente.

Estão destruindo a nossa floresta Amazônica é não é de hoje, faz anos que isso acontece. Se você sobrevoá-la verá o rastro de lugares desmatados e queimados sem nenhuma preocupação de replantio.

Na floresta amazônica existem árvores seculares. A fascinante Macacarecuia ou Cuieira deve ter aproximadamente mil anos e resiste a condições extremas, submersa nas águas do Rio Negro, na Bacia Amazônica, durante dez meses por ano. As árvores da floresta Amazônica exercem funções importantíssimas para o país, principalmente relacionadas à manutenção dos ciclos das chuvas em todo o Hemisfério Sul. O tempo para as árvores da nossa floresta Amazônica é cíclico, ou seja, que não é linear e não obedece as regras do capitalismo desenfreado ou até mesmo dos ponteiros dos relógios de bolso dos grandes madeireiros.

Temos também a árvore Sumaúma, também chamada de Samaúma ou Sumaumeira, é uma árvore muito especial, sobretudo, pelo fato de ser considerada a maior de toda a floresta amazônica. Considerada a árvore rainha da nossa floresta ela guarda e distribui água para outras espécies. Sagrada para os Maias, no México, e para vários povos indígenas brasileiros a mãe-das-árvores como é conhecida tem alturas que podem variar de 60 a 90 metros e a imensidão do seu tronco que pode ter cerca de três metros de diâmetro. A majestosa árvore tem madeira macia e produz frutos bastante utilizados na produção de estofados e no enchimento de almofadas e travesseiros. Por conta da fibra presente nas sementes, o material se tornou uma alternativa ao algodão e característica-chave da planta.

Do alto, sobrevoando a floresta Amazônica, por exemplo, é possível visualizar as copas das árvores que, por conta da proximidade uma das outras, impede até mesmo a entrada dos raios solares. Devido a isso, seu solo é considerado pobre, com poucos nutrientes e pouca cobertura verde. Mesmo assim, o húmus resultante da degeneração de restos de animais, além das folhas, frutos e flores que caem das árvores, permitem que o solo seja nutrido o suficiente para possibilitar o desenvolvimento de uma flora rica e diversa.

Como a floresta Amazônica fica perto da linha do Equador, seu clima equatorial apresenta temperaturas elevadas que variam entre 20º C a 30º C, além de apresentar bastante umidade que ultrapassa os 80%.

Para ensinar as crianças a amar a floresta Amazônica nós, professores e professoras, necessitamos apresentar-lhes tudo isso já dito acima de forma que elas possam compreender e explorar com atividades lúdicas, mas importantes para a sua preservação. Seja através de vídeos mostrando a floresta Amazônica, poemas diversos que podemos encontrar na internet, histórias infantis que abordem as lendas da floresta, contos de fadas que trazem as florestas como cenários tipo o de João e Maria que se perdem na floresta e são encontrados por uma bruxa.

Tudo isso é material para que possamos ensinar as crianças que o fundamental é aprender a amar a floresta Amazônica que apesar de ser chamada de pulmão do mundo, ela não é apenas isso, mesmo porque todo o oxigênio que produz é consumido por ela mesma.

Falar da biodiversidade existente na floresta e pedir para que as crianças façam desenhos dos mais diferentes bichos dizendo qual elas acham mais bonitinho e o motivo pelo qual gostam mais de um do que de outro.

Também podemos levar as crianças para aulas passeio em parques florestais apresentando para elas as histórias das árvores lá existentes e suas características importantes. Escrever cartas para autoridades pedindo mais cuidado com a floresta Amazônica. Elaborar concursos de poemas e desenhos que tratem do assunto. Tudo isso leva as crianças a pesquisarem sobre a nossa floresta e numa pesquisa sempre acabamos encontrando coisas que nem esperávamos e que nos despertam para novas ideias que podem ser úteis a todo a comunidade estudantil.

O importante é que nós professores saibamos passar um sentimento de amor e cuidado pela floresta Amazônica para as crianças de forma que elas se sensibilizem com esse respeito por tudo o que lá existe, inclusive pelos povos indígenas que a habitam. Um teatro de fantoches onde uma árvore converse com um madeireiro também pode ser interessante.

Dar vida e sentimentos as árvores nas nossas histórias é um bom recurso para que as crianças percebam que apesar de não falarem na vida real, as florestas sentem dores e choram quando sofrem a ação do homem nas suas destruições. Falar também sobre o motivo da floresta Amazônica ser uma floresta tropical, quais as outras maiores florestas do mundo, explorar as árvores seculares e suas lendas também é importante.

Procurar saber das lendas e ler histórias criadas por autores da Amazônia também são bons instrumentos de ensino para as crianças que anseiam por coisas novas. As crianças por si mesmas são apaixonadas pela natureza. Conheço uma mulher que quando ela tinha dez anos presenteei-lhe com uma árvore e hoje ela vai ser mamãe, mas a sua árvore continua plantada ao lado do seu quarto e quando acorda todas as manhãs pode conversar com ela, assim me disse outro dia. Aquelas crianças que podem plantar árvores em suas casas ou plantinhas em pequenos vasos também é interessante.

Perto da minha casa tinha uma floresta com diversas espécies de árvores e plantas, mas as autoridades locais nunca se preocuparam em preservá-la e o capital privado comprou a mesma e a desmatou para construir prédios. Hoje só resta uma paisagem morta de terra seca. Foi a minha floresta da infância de onde pude retirar inspiração para escrever vários poemas e contos infantis.

Fazer um trabalho com as crianças de como se comportam as árvores durantes as quatros estações do ano e que as da floresta Amazônica são diferentes das demais, pois no outono as suas folhas não caem. Isso é uma curiosidade. Quando o inverno é forte em alguns lugares do Brasil, algumas plantas não resistem ao frio e acabam morrendo. Pedir para as crianças escreverem as suas próprias historinhas sobre uma árvore ou que o professor aproveite o momento de contação de histórias e conte sempre que possível uma história que traga como paisagem as florestas e que possa se criar um diálogo com troca de conhecimentos entre as crianças.

Se possível manter uma plantinha na sala de aula nem que seja uma pequena flor num vaso sobre a mesinha do professor ou da professora. O importante é que as crianças tenham contato com algum tipo de planta na escola.

Conheço crianças que nunca pisaram na areia para não se sujarem e é claro que não tem nada melhor na infância do que se sujar na areia molhada para criar anticorpos e ter uma vida saudável. Os pais enchem os filhos de cuidados exagerados, muitas vezes. Não deixar que uma criança suba em cima de uma árvore com medo de que ela caia e quebre um braço ou uma perna também pode ser um cuidado exagerado dependendo da altura da árvore.

Às vezes faz bem para a criança ter contato direto com os galhos das árvores, retirar um fruto maduro da árvore com a própria mão, fazer um balanço na árvore para brincar ou quem sabe ter a sua própria casinha em cima de uma delas. Tudo demonstra o carinho pelas árvores que constituem as florestas.

A maior floresta tropical do mundo também é o maior reservatório de água doce do planeta! Nele existem diversas espécies de plantas, árvores e bichos! Isso não é imaginação de criança! Eis a nossa floresta Amazônica que para ser visitada e conhecida não precisa que a criança se desloque até lá. Hoje, temos formas de conhecer lugares virtualmente. São tantos os bichinhos que moram na floresta Amazônica que a criançada vai ficar encantada ao descobrir!

Elaborar jogos com perguntas e respostas sobre a floresta Amazônica também é interessante. As aulas mais chatas são aquelas em que o professor se prende a teoria sem buscar recursos lúdicos que agucem a curiosidade das crianças. A melhor aula é aquela que faz com que a criança chegue em casa toda empolgada e corra para os braços do pai ou da mãe e conte tudo o que ouviu na sala de aula. Daí, é com os pais que fica a continuidade de aguçar mais ainda essa curiosidade incentivando as crianças no diálogo a falarem mais sobre o que aprenderam de determinado assunto.

E para terminar eu trago os versos de duas canções. Sendo a primeira a de Arnaldo Antunes intitulada “As Árvores” que diz “As que chovem depois da chuva / As cabeludas, as mais jovens mudas / As que chovem depois da chuva / As cabeludas, as mais jovens mudas” que as chuvas dessas árvores possam ser de alegrias ao ver crianças estudando e buscando formas de as preservarem sejam nas florestas sejam nas cidades, o importante é que onde exista uma árvore ela possa chover lágrimas de gratidão à criançada feliz que diz aos homens que árvore também é coisa de criança. E que possam continuar bem cabeludinhas para nos darem sombras e podermos continuar brincando ao seu redor.

ASSISTA AO VÍDEO: https://youtu.be/jf70vCSax8A?list=RDjf70vCSax8A&t=177

E a segunda canção de Tulipa Ruiz, intitulada “A ordem das árvores” que nos diz “Naquele curió mora um pessegueiro / Em todo rouxinol tem sempre um jasmineiro / Todo bem-te-vi carrega uma paineira / Tem sempre um colibri que gosta de jatobá
Beija-flor é casa de ipê” e que cada criança descubra a sua árvore porque eu já descobri a minha: toda Rosângela conversa com um cajueiro.   

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

Não há mágica em educação

Não há impactos irreversíveis. Para enfrentá-los, são necessárias políticas públicas, reforço escolar e apoio integral aos estudantes e famílias prejudicadas. As ciências da educação, como a pedagogia e a psicopedagogia, as ciências do desenvolvimento humano, a psicologia e a ciência cognitiva, as neurociências e as artes, precisam ser mobilizadas para orientarem as escolas.

Havia prometido escrever sobre ensino domiciliar. Mas no Brasil atual há assuntos mais urgentes e relevantes. Não que o homeschooling não seja necessário discutir, considerando que se trata de uma negação da educação enquanto processo social. A educação é uma das áreas mais atingidas pela pandemia e, muito se deve ao atual governo que desacelerou a agenda de políticas públicas para educação básica e reduziu os investimentos necessários e previstos.

Um discurso orquestrado afirma que a educação, a aprendizagem e o futuro da geração atual estariam comprometidos porque as escolas e universidades estão fechadas e o retorno presencial precisa ser imediato. Primeiro, as instituições escolares estão funcionando com o distanciamento social recomendado pelas ciências da saúde e OMS, assim como tantos outros serviços; o impacto na aprendizagem e na vida não é só da covid-19, mas, também, oriundo das desigualdades sociais e tecnológicas, do aumento da pobreza, da fome, do desemprego, da negação do direito à educação, da falta de investimentos em educação.

Impactos reversíveis

Esses impactos não são irreversíveis. Para enfrentá-los, são necessárias políticas públicas, reforço escolar e apoio integral aos estudantes e famílias prejudicadas. As ciências da educação, como a pedagogia e a psicopedagogia, as ciências do desenvolvimento humano, a psicologia e a ciência cognitiva, as neurociências e as artes, precisam ser mobilizadas para orientarem as escolas.

A educação é um processo coletivo a longo prazo, sem datas pré-fixadas ou prazo de validade, como um produto ou ciclo produtivo. A educação é processo complexo, cujos resultados dependem do bom funcionamento de um conjunto de instituições de cada sociedade e de um longo tempo de desenvolvimento. Ela precisa, também, estar assentada em um projeto de país; e não se desenvolve em sociedade em que as disparidades de renda são elevadas e inexista oportunidades iguais para todos.

Necessidades dos estudantes

Um bom sistema de ensino precisa ser construído a partir das necessidades dos estudantes, por educadores bem preparados e valorizados e em sociedades que contribuam para o prazer de ensinar e aprender. Porém, a educação não acontece somente na escola. O conceito de que a escola é uma espécie de “bunker”, no meio do bairro, de uma cidade, está ruindo. A escola precisa andar pela cidade. Quem educa uma criança é toda a cidade. A visão de que é a escola que vai educar é uma ideia do século passado, diz António Nóvoa.

Como  ex-reitor da Universidade de Lisboa e consultor da Unesco, Nóvoa afirma que a “escola pública brasileira é, de forma geral, um escândalo” , apontando duas causas: primeiro, a falta de compromisso social e político com a educação de qualidade para todos e, em segundo, o modelo de formação de professores com uma jornada de trabalho segmentada em várias escolas. Isto ocorre só no Brasil. E faz um alerta: “é na escola pública que se ganha ou se perde um país”.

As cartolas dos especialistas

As reformas educacionais surgem, no Brasil, da cartola de alguns especialistas e se apresentam descontextualizadas da realidade objetiva dos estudantes. A educação sempre será impactada pelas comunidades sociais, pela economia, pela política, pelas tecnologias e, inclusive, pela própria ignorância. A experiência finlandesa para desenvolver sistemas públicos de ensino para todos os estudantes é simples: sempre pergunte se a política ou reforma que planeja iniciar será boa para crianças ou professores. Se hesitar em responder, não a faça. Reformular currículos é um processo lento e complexo. Acelerá-lo, mais ainda em contextos de crise, é o mesmo que arruiná-los.

Para Fernando Cássio (UFABC) as reformas em curso no Brasil respondem ao “ideal de centralização curricular dos grupos que a sustentam, ensejando um maior controle sobre o trabalho pedagógico via materiais didáticos e avaliação em larga escala” e, correspondem, também, a uma política substancialmente mais barata do que as iniciativas relacionadas à efetiva valorização do trabalho docente ou a melhoria das condições materiais das escolas. A opção pela BNCC e o novo ensino médio é econômica. Exigirá menos investimentos.

Bem público e equidade

Ter mais liberdade para planejar e escolher seus estudos não implica reduzir a oferta de disciplinas. O reconhecido sistema educacional da Finlândia possibilita escolhas, mas exige que os estudantes cursem 18 disciplinas básicas obrigatórias, enquanto nossa BNCC e novo ensino médio estabelecem apenas duas: português e matemática.

A educação deve ser concebida como bem público e necessidade fundamental para o desenvolvimento de uma nação. Não temos outra opção a não ser aceitar a proposta de que qualquer criança – recebendo as oportunidades, escolas com condições e apoio adequado – possa avançar para níveis mais altos de educação.

Equidade na educação significa que todos os estudantes devem ter acesso à educação de alta qualidade, independentemente de onde moram, de quem são seus pais ou da escola que frequentam.

Educação é para gente e precisamos ter, não apenas escolas, mas famílias e sociedades que se constituam em espaços de formação, cuidado, proteção de todas as crianças, adolescentes e jovens. O direito à educação não pode ser reduzido ao direito à aprendizagem, passando a concebê-la apenas como escolarização. Educação é projeto coletivo e não pode ser fragmentado e transformado em um projeto individual, como propõem as reformas baseadas na ideologia meritocrática.

Meritocracia: A favor ou contra? De acordo com a linha de pensamento meritocrática, aqueles que não chegaram ao sucesso não se esforçaram o bastante, mas seria possível a meritocracia em um país desigual como o Brasil? É sobre isso que a gente conversa hoje com o Dr. em História Social, Telmo Marcon, e com o professor e escritor, Nei Alberto Pies. A mediação é do diretor Eduardo Albuquerque. Assista: https://www.facebook.com/cmpsindicatopf/videos/524798705434371

Autor: Gabriel Grabowski

FONTE: Artigo originalmente publicado no site do Jornal Extra-classe do SINPRO-RS: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2021/08/nao-ha-magica-em-educacao/

Edição: Alex Rosset

A mixofobia da cidade

As cidades estão se tornando espaços de segregação, de confinamento, de privação e de medo difuso.

Li recentemente o livro Confiança e medo na cidade do sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Conforme anunciado no próprio título, o livro trata do horror e atração, medo e confiança, como sentimentos paradoxais que perpassam a identidade das cidades do nosso tempo.

Na análise de Bauman, as cidades, desde as suas origens, sempre foram lugares onde era possível conviver com o outro, com o “estrangeiro”, com o diferente. Por essa razão, as cidades eram tidas como o lugar da efervescência cultural, da pluralidade, da multiculturalidade, da tolerância, do compartilhamento de experiências díspares.

Em nosso tempo, porém, a cidade está se tornando o espaço do medo e da insegurança. O “estrangeiro” passa a ser apartado por marcas urbanas da diferença: bairros próprios, grades, muros e todos os mecanismos possíveis de segregação. Por essa lógica entendemos os motivos pelos quais em todas as médias e grandes cidades surgem a cada dia novos condomínios e as mais variadas formas de “serviços de segurança”. 

O valor destes condomínios é medido pela altura dos muros e pelas sofisticadas ou inovadoras formas de segurança.

A cidade, outrora local de convivência, de contatos freqüentes, de vida social intensa, está se tornando espaço de segregação onde os muros estão cada vez mais altos ao redor das casas, dos condomínios, dos parques, das praças, das escolas, dos escritórios.

No dizer de Bauman, “a nova estética da segurança decide a forma de cada tipo de construção impondo uma lógica fundada na vigilância e na distância”. É essa lógica que produz um mal-estar que alimenta a lucrativa rede de serviços e produtos voltados para garantir a “falsa” segurança dos cidadãos que podem pagar câmeras de vigilância, condomínio fortificados, carros blindados, dispositivos que afastam intrusos e indesejáveis, cercas elétricas, seguranças particulares, monitoramento 24 horas.

É neste cenário que vivemos hoje, intensificado pela pandemia, a mixofobia (medo de misturar-se). Todos os que têm dinheiro suficiente para pagar, ou crédito para quitar futuramente, adquirem um lugar para morar num condomínio fechado, num regime de confinamento, na doce ilusão de segurança e com a promessa de “vida de qualidade” que custa um alto preço.

O fator principal das mensagens publicitárias destes empreendimentos é a segurança que se traduz em cercas e muros ao redor do condomínio, guardas 24 horas vigiando os acessos e uma série de aparelhagens e serviços que servem para manter afastados aqueles que se apresentam como ameaça ao suposto “bem estar”.  

As cidades estão se tornando espaços de segregação, de confinamento, de privação e de medo difuso.

No entendimento de Bauman, essa mixofobia não passa da difusa e muito previsível reação à impressionante e exasperadora variedade de tipos humanos e estilos de vida que se podem encontra nas ruas das cidades contemporâneas. Uma vez que a multiforme e plurilingüística cultura do ambiente urbano na era da globalização impõe, as tensões derivadas da “estrangeiridade” incômoda e desorientadora desse cenário acabarão, provavelmente, por favorecer as tendências segregacionistas.

Talvez seja oportuno perguntar: é este o progresso e a inovação que o crescimento das cidades foi capaz de produzir? A vida simples, sem tanto luxo e ostentação não poderia ser um lugar mais salutar para viver? De que forma conseguimos pensar educacionalmente sobre esta situação?

Em contraponto às realidades apresentadas no texto, discute-se a Cidade Educadora, onde as pessoas sejam a prioridade. Assista ao vídeo: https://youtu.be/J9_54JCJ0ME

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

Eureca no caminhar pensante

“Só consigo pensar quando caminho. Minha mente só funciona com minhas pernas”. (Jean Jacques Rousseau)

Eureka: Exclamação de Arquimedes tornada proverbial, ao descobrir, no banho, a lei do peso específico dos corpos. Dizem que ele ficou tão entusiasmado com a descoberta que saiu imediatamente do banho e correu nu pelas ruas de Siracusa gritando:

Eureka, que em grego significa descobri, encontrei. Arquimedes encheu o balde de água e concretizou sua hipótese. Depois da descoberta a humanidade caminhou a passos largos, libertando-se dos mitos, do criacionismo e do teocentrismo, andando lado a lado com a ciência.    

Considerando que vivemos num mundo opressor, caótico e estressante, rodeados por obrigações, cobranças e de todos os tipos de responsabilidades, é concebível imaginar uma realidade em que as pessoas começam a dedicar parte do dia a duas ações concomitantes: caminhar & pensar.

Na novela Caminhando na Chuva, o escritor gaúcho Charles Kiefer conta a história de Túlio, um jovem pobre, filho de imigrantes alemães, que vive numa pequena cidade do RS. Enquanto caminha na chuva, pensa sua condição de pobre, seus amores, sonhos, medos e desilusões. Caminha na chuva para limpar sua alma, enquanto os habitantes bisbilhoteiros e chatos seguem suas rotinas recolhidos em suas rotineiras cavernas domésticas.  

Do ponto de vista lúdico, o sonho de milhares de pessoas, depois de muito trabalho, estudos com desgastes físicos e mentais é ir às praias por uma temporada para fins de renovar as energias corporais e desanuviar a mente. O mais comum a se observar são as caminhadas ao longo da praia, muitas vezes empreendidas solitariamente, ou em pequenos grupos.  

Os que andam sozinhos demonstram estar pensando na vida, nos negócios nos projetos futuros.

Por sua vez, os que andam em grupos trocam experiências de vida, relatam fatos e projetam o futuro presente. Caminham quilômetros, usando poucas roupas, pés no chão, a sentir o toque da natureza na areia úmida e salgada.

Diria que os que caminham em grupos estão na condição de desapegados. Naquele espaço parece não haver categorias sociais, diferenças políticas, múltiplas etnias. Um paraíso! São pequenos seres da terra diante da imensidão do mar e da finitude das coisas, em que as pessoas exercem o pensar e se locomovem como as ondas do mar.

Romeiros, peregrinos, andarilhos e andantes. Multidões em busca de um sentido à vida. Passeatas, manifestações, protestos. Todos a caminhar, pensando publicamente encontrar alternativas dialogadas para a solução dos problemas, especialmente aqueles de ordem política, econômica e ética. Sem-teto, sem-terra, sem rumo a caminhar, requerendo terra e moradia digna para dar sentido e conforto à vida.

Como se observa, cada dia é mais visível, especialmente à tardinha, observar que a população exerce o ato de caminhar pelo menos uma hora por dia pelas ruas, avenidas e rodovias do entorno das cidades, quer pequenas, médias e grandes.

O velho ensinamento Mente sana in Corpore sano – Mente sã, Corpo são – se renova a cada novo tempo, mesmo que a pandemia tenha inibido a mobilidade das pessoas por força do lockdown. O fato de andar, mesmo que seja devagar e sem propósito, libera energias para a mente vaguear livremente e fazer associações inesperadas, necessárias para reestabelecer o equilíbrio de cada um.

Para o poeta Drummond, há pedras no meio do caminho, o que, sem dúvida, constitui um grande acontecimento. Por isso mesmo, há que se pensar no caminhar pensante, alternativas para se evitar o choque com as pedras, pois são mais duras do que o frágil ser humano. Levanta hipóteses: saltar sobre elas, passar por baixo ou, simplesmente, buscar um suave desvio.

Não estranhe, caro leitor(a), se no teu caminhar pensante encontrar pessoas pronunciando Eureka! Eureka!  Eureka!

Assista ao vídeo “A inteligência também caminha”. https://www.facebook.com/watch/?v=767518007295482

Autor: Eládio V. Weschenfelder

PROPOSTAS DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

(Marciano Pereira, professor de filosofia)

Essa proposta pode ser desenvolvida junto a turmas do fundamental II e ou Ensino Médio, em mais do que uma aula, a depender da intencionalidade e adaptação que o / a docente pode fazer.

Objeto do conhecimento.Os peripatéticos / Aristóteles.

Habilidades[1].

  • Entender o método de ensino utilizado por Aristóteles e seus discípulos.
  • Conhecer, ainda que em partes, a proposta filosófica de Aristóteles.
  • Vivenciar uma experiência peripatética visando desenvolver as o raciocínio lógico, o diálogo, e a empatia. 

Competências

  • Desenvolver o raciocínio lógico;
  • Construir sínteses acerca dos conteúdos abordados tendo em vista o desenvolvimento da escrita criativa, lógica e comprometida com a verdade.
  • Utilizar diferentes gêneros e meios para aproximar-se cada vez mais do pensamento filosófico.

1º Assistir um dos vídeos a seguir:

¿QUIÉNES ERAN LOS PERIPATÉTICOS? Serie TV Merlí

Assista ao vídeo “A inteligência também caminha”. https://www.facebook.com/watch/?v=767518007295482

2º. Ler com os estudantes o texto “Eureca no caminhar pensante”, em seguida destacar partes do texto que mais chamou atenção e justificar porquê. (A intenção desta tarefa é perceber a compreensão do estudante, seus gostos, aptidões – isso pode ser muito útil para o planejamento da tarefa que será sugerida no final desta proposta).

3º. Partilhar os destaques do texto e falar sobre a metodologia que Aristóteles utilizava na sua academia fundada em 335 a. C em Atenas.

  1. A academia Aristotélica conhecida como Liceu, tinha como método um ensino que se dava junto com o ato de caminhar, assim desenvolvia-se a observação da natureza junto com a educação do corpo. Também nós, estudantes e professores aprendemos continuamente a partir da observação e da reflexão características necessárias para o filosofar.  
  2. Chamar atenção para o termo academia, mais conhecido nos dias de hoje como local para cuidado do corpo / físico, chamar atenção para o sentido grego de educação integral, intelectual e física/corporal. Frisar a importância dessa concepção mencionado trecho do texto “O velho ensinamento Mente sana in Corpore sano – Mente sã, Corpo são – se renova a cada novo tempo, mesmo que a pandemia tenha inibido a mobilidade das pessoas por força do lockdown. O fato de andar, mesmo que seja devagar e sem propósito, libera energias para a mente vaguear livremente e fazer associações inesperadas, necessárias para reestabelecer o equilíbrio de cada um”.
  3. Mencionar uma breve biografia de Aristóteles, principais temas abordados, a relação de proximidade e divergência deste com Platão, especialmente no tocante ao que podemos chamar de teoria do conhecimento.

 4. Fazer a experiência de aprender andando como os peripatéticos. De que forma? Sugiro a construção de uma trilha com desafios lógicos, “experiências sociais”, questões sobre conteúdos já estudados, sobre o filosofar em nossos dias. Onde?  Sendo possível no espaço da escola ou ainda em um trajeto previamente estabelecido que inicie na escola e termine em uma praça onde a atividade possa ser finalizada.  Possibilidades para compor a trilha:

a) Desafios lógicos, charadas,( para exercitar o raciocínio lógico);

b) “Experimentos sociais” como: andar com os olhos vendados deixando-se conduzir por colegas; caminhar com um “rótulo” na testa ou colado nas costas. Possíveis rótulos pobre, faminto, negro, LGBT, sem teto, empresário, político.   (Para fomentar a empatia, a solidariedade e o respeito a diversidade).

c) Propor dilemas éticos para refletirmos sobre a implicância de nossas escolhas na construção da sociedade.

d. Outras possibilidades que nascerem de sua criatividade e experiência docente.

5. Síntese. Solicitar que os estudantes escrevam uma memória da experiência, ou ainda escolham o gênero: poesia, história em quadrinhos, texto dissertativo para expor como foi a experiência e que aprendizados ela possibilitou.

Algumas perguntas para ajudar o estudante na elaboração de seu trabalho síntese.

* Como foi a experiência da trilha?  Quem você viu, como reagiu diante dos desafios propostos?

* Algum acontecimento do caminho lhe chamou mais atenção, porque?

* Nós podemos ser os peripatéticos do século XXI? Como precisamos agir para sermos peripatéticos?


[1] As habilidades e competências precisam ser adaptadas de acordo com o sistema de ensino a que pertenças. Colocamos aqui habilidades e competências que estão em consonância com uma compreensão de ensino de filosofia e dialogam com a BNCC.

Edição: Alex Rosset

Homo Imprudentis

Estamos abusando e estressando a Terra ao tirar dela recursos para prover toda a nossa ganância material.

Hoje em dia, parece haver pouca dúvida de que o animal homem e a sua economia de expansão material global estão escrevendo a história dos tempos modernos assinando uma espécie de atestado de autoextermínio, à medida que se potencializa em diversos fronts o sepultamento do mundo verde.

Nessa direção, dado o que é possível conhecer até o momento, pesa-nos constatar que:

(i) cerca de 7,3 milhões de hectares de florestas são destruídas a cada ano no planeta; (ii) cerca de 350 milhões de hectares de florestas em todo o mundo foram destruídos pelo fogo apenas no ano 2000; em cerca de nove de cada dez casos de queimada há o envolvimento humano direta ou indiretamente; (iii) erosão, compactação e perda da matéria orgânica, entre outros, atingem quase um terço das terras do planeta; (iv) em 58% da superfície terrestre a perda da biodiversidade está abaixo do “limite seguro”; (v) entre 1970 e 2006, o número de espécies de vertebrados teve um declínio de 30% em todo o mundo; 40% das espécies de aves e 42% dos anfíbios apresentam população em queda, aponta o Panorama da Diversidade Global; (vi) baseando-se em dados fornecidos pela ONG WWF, notar-se-á que em apenas 40 anos (1970-2000), os sapiens destruíram 52% da fauna do planeta (notadamente, as espécies de mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e peixes); (vii) também nesse mesmo período mencionado, houve uma drástica queda de 76% das populações de espécies de água doce, de acordo com o Índice Planeta Vivo (Living Planet Index).

O preço dessa inconsequência, precisamos admitir, tem sido demasiadamente elevado. Estamos abusando e estressando a Terra ao tirar dela recursos para prover toda a nossa ganância material.

Fato concreto é que, hoje, como outrora, temos nos comportado como uma espécie estúpida (Homo imprudentis) com poder de afetar e desequilibrar a nossa própria qualidade da experiência humana. Justamente por isso se diz, a rigor, que temos configurado a era do Antropoceno – o período de tempo que tem combinado agressiva ação humana com poder econômico.

Para terminar essas pesarosas constatações, convém lançar uma pergunta incômoda que precisa ser prontamente respondida pelos gestores do mundo moderno: as economias contemporâneas podem crescer indefinidamente ou há, de fato, limites físicos e ecológicos para esse crescimento?

Respostas possíveis: diminuir a taxa de consumo material e energético das sociedades industriais; mitigar os efeitos nocivos sobre o meio ambiente; e, como uma espécie de prêmio final à qualidade de vida, construir uma combinação viável entre economia e ecologia, visando superar o confronto entre a produção humana e a natureza.

Da tentativa de consolidar um modo global de produzir que não respeita limites, principalmente os ecológicos (matéria e energia), tem resultado, tout court, num intenso foco de tensão entre o sistema econômico (a tecnosfera, produção humana) e o sistema ecológico (a ecosfera, a natureza). Leia mais!

Autor: Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental. Autor de “Civilização em Desajuste com os Limites Planetários” (CRV, 2018), entre outros.

Edição: Alex Rosset

Contra o negacionismo: compreensão e amabilidade

Educar-se para a imaginação criativa, abrir-se à alteridade, são exigências que somente a “compreensão” e a “amabilidade” – acrescentaríamos, a “amorosidade” – podem realizar em relações consistentes, profundas, duradouras e que não sucumbem à volatilidade do egoísmo primário.

Há grupos significativos da sociedade nos dias atuais que se vangloriam por se dizerem numa posição que tem sido classificada como “dissonância cognitiva”.

É um termo ainda pouco conhecido ainda que o que ele significa seja bem familiar. Foi criado por Leon Festinger, professor da New School for Social Research de Nova York, para fazer referência à negação sistemática de evidências e de argumentos sobre assuntos diversos de modo a que, dessa forma, as próprias crenças não sejam frustradas. Lembra bem a fábula “A Raposa e as Uvas” de Esopo. É uma boa espécie de fundamentalismo individualista que traduz bem a imagem plástica dos três macaquinhos chineses, ainda que combine com o que não vê e não ouve, mas se inclua entre os que falam. Em linguagem popularizada entre nós, esta postura tem sido chamada de “negacionismo”.

O professor Leo Peruzzo Jr., em recente artigo na Le Monde Diplomatique Brasil (21/07/21), mapeou “doze máscaras do negacionismo”. Segundo ele, são a máscara da ignorância, do moralismo, da pseudociência, das fake news, do anonimato, do comunista, do autoritarismo, do liberalismo econômico, da militarização do Estado, do doutrinamento religioso, da docilização dos afetos, e do culto à tortura, ao horror e aos castigos físicos. Ele diz que “A máscara […], mais do que ser expressão simbólica de algo, serve para encobrir, esconder e disfarçar a identidade ou, em outras palavras, a fragilidade deste eu que prefere o anonimato e a solidão de suas ilusões”. Para ele, os negacionistas, “assim como o mimetismo dos camaleões, escolhem em cada ocasião seu novo adereço”.

O negacionismo não é só uma postura que se recusa a aceitas as evidências. Ela também é hipócrita e, pior, cínica. Mas, um negacionista é tudo menos inocente e ingênuo, ainda que possa ser estúpido e ignorante.

O negacionista é hipócrita por sua “vida dupla”: em público honra a virtude e na obscuridade se orienta pelo vício. Alega fazer o que faz e defender o que defende em nome da honra e dos “bons costumes”, ainda que para isso use palavras, valores e ações que podem destruir a vida e a outros/as humanos/as. Mas é pior, ele é cínico, aquela característica que o Marquês de Sade atribuiu às classes altas, liberadas de qualquer contenção e que defendem como sendo “naturais” e inevitáveis seus privilégios, poder, violência e impunidade.

Negacionistas preferem e se comprazem no cinismo; a hipocrisia já nem lhes é mais necessária: não têm como se dar ao luxo de, ao menos, “parecer bons” – a “banalidade do bem” é, mesmo, insuportável.

Contra o negacionismo, sua hipocrisia e cinismo, talvez seja o caso de apresentar o antídoto da “compreensão” e da “amabilidade” – e não estamos nem falando de “amorosidade” –, sugeridas como pequenas “satisfações” por Bertolt Brecht em poema de 1956 (mais conhecido pelo título “Prazeres”). Elas certamente soam ridículas ou extravagantes para sujeitos ensimesmados nas virtudes do egoísmo.

A “compreensão” é tanto no sentido de conhecimento, do pensar, do refletir, do interpretar, do explicar e mais, quanto no sentido de exercício do respeito ao que outros/as conhecem, pensam, sabem. A “amabilidade” não é sinal de fraqueza ou de submissão, mas de abertura e do achegar-se com proximidade à alteridade. “Compreensão” e “amabilidade” somente podem ser exercidas se houver atenção, simpatia, cuidado com o/a outro/a; se a indiferença, o ódio e a inimizade forem superados. Seja pelo “racional”, seja pelo “afetivo”, uma postura e outra se colocam como possibilidades de enfrentamento da brutalidade e do “brutalismo”, tão comuns entre negacionistas. A “regra de ouro”, do “não faça aos/às outros/as o que não queres que lhe seja feito”, é quebrada tout court, simplesmente não faz o menor sentido, a não ser entre os iguais, os do mesmo…

A vida rasa e rala é própria de quem se orienta pelo padrão negacionista. É mais fácil converter valores e princípios em moralismo, quanto mais superficial for a vida ética.

“Compreensão” e “amabilidade” sugerem enfrentar e, quiçá, superar uma das dicotomias mais deletéreas que nos herdou a modernidade, a que separa Razão e Sentimento/Afeto e que atribui profundidade e caudalosidade à vida ética se estribada unicamente na primeira, em detrimento e descaso do segundo. Há um desafio que vai no sentido de encontrar um encontro possível já que há que se viver a “compreensão” e a “amorosidade”.

Orientar-se unicamente pelos “mais próximos”, “os de confiança”, reduz o alcance ao interesse, ao auto interesse. A simpatia e a empatia, tão hodiernamente invocados, não podem se resumir aos iguais, aos nossos, aos mesmos, sobrando, na melhor das hipóteses, a condescendência – que é até onde pode ir a tolerância – com os/as outros/as.

Esticar o horizonte, educar-se para a imaginação criativa, abrir-se à alteridade, são exigências que somente a “compreensão” e a “amabilidade” – acrescentaríamos, a “amorosidade” – podem realizar em relações consistentes, profundas, duradouras e que não sucumbem à volatilidade do egoísmo primário.

Autor: Paulo César Carbonari

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Doutor em filosofia (Unisinos), militante de direitos humanos (CDHPF/MNDH) e pesquisador convidado NEP/UnB.

Edição: Alex Rosset

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