Um jovem ativista cultural

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Cássio Borges, um jovem ativista cultural, teve influências importantes desde muito cedo. Com uma avó professora, desenvolveu, desde os quatro anos, a vontade de ler. No seu tempo de escola, a vontade de trabalhar literatura, poesia e música com adolescentes e jovens. Vivendo de música, viu possibilidades de conciliar música e poesia.  Contando histórias, percebeu que as crianças desejam e necessitam de encantamentos.

Estas habilidades lhe permitiram estar trabalhando no SESC de nossa cidade, coordenando projetos culturais de abrangência local, regional e nacional.

Hoje, no auge dos seus 23 anos de idade, Cássio esbanja vigor e vitalidade na defesa da cultura como uma forma de cidadania. Defende a inclusão das diferentes formas de arte e cultura, sobretudo nas escolas públicas.

Conheçamos Cássio Borges por ele mesmo, em entrevista que concedeu ao site, organizada em 3 momentos: história e vida pessoal e literária; história profissional e artística; sua relação com a cidade de Passo Fundo e as experiências literárias e culturais.

NEI ALBERTO PIES: Conte-nos um pouco de sua história de vida pessoal envolvendo, desde cedo, sua vontade de ler e descobrir o mundo.

Minha avó- que não é de sangue, mas que uma vó que a vida deu-me de presente – trabalhou a vida toda como professora. Apresentou-me ao mundo dos livros e, por isso, em por mais um tanto, sou eternamente grato.

Nos finais de semana, ela colocava gibis e livros ao meu redor. Lia muito para mim. Graças a isso, com 4 para 5 anos, aprendi a ler. O primeiro livro que consegui ler sozinho foi “O Sanduíche da Maricota.” Depois, aventurei-me com Ziraldo e seu mundo de Menino Maluquinho, Joelho Juvenal e Professora Maluquinha. Então, soube – não sei como – que queria ser professor e estar envolto de livros.

NEI ALBERTO PIES: Ao cursar magistério na EENAV, surgiu desejo de servir a escola, trabalhar com adolescentes e jovens. Por que?

Antes mesmo do Magistério, esse desejo já estava vivo e latente. Sempre me senti muito a vontade no ambiente escolar e queria, de alguma forma, contribuir para melhorá-lo.

Trabalhar como adolescentes é desafiador em tempos de muito acesso virtual e pouca conexão.

Sim, pouca conexão. Conectar-se é estar de corpo e mente presente para exercitar nosso saber científico. Nas redes (anti) sociais, isso não acontece. Todos querem navegar, mas a maioria naufraga.

Meu objetivo é ajudar o jovem a buscar fontes de entretenimento que sejam culturais e edificantes. Acredito que é possível entreter-se e aprender ao mesmo tempo. Só é preciso saber onde e como buscar tais atividades.

NEI ALBERTO PIES: Qual foi a importância de alguns professores e professoras para despertar sua perspectiva artística literária?

Os professores Lauro Gomes e Laercio Fernandes dos Santos são aqueles seres inesquecíveis na vida de um aluno. Tamanha foi a motivação desses dois mestres que meu desejo de não sair nunca mais do ambiente escolar potencializou-se de uma maneira prazerosa e sem chance de dissuasão.

No magistério, aprendi muito sobre o que é ser professor e dos sacrifícios profissionais e pessoais que essa profissão envolve.

Apesar de não lecionar, tenho o privilégio de trabalhar com escolas através do Sesc e através da Literatura. Os ensinamentos desses mestres, até hoje, ecoam na minha cabeça quando sento para fazer um projeto, quando estou no palco, quando medio uma leitura. Enfim, há aqueles que se tornam eternos por tudo aquilo que ensinaram.

NEI ALBERTO PIES: Trabalhaste na Biblioteca Pública Municipal com contação de histórias. O que carregas desta experiência?

A Professora Suzana Einloft é um patrimônio humano da nossa cidade. Com ela, aprendi muito sobre como realizar projetos, firmar parcerias, tratar as pessoas. Na época, era ela quem coordenava todo o Núcleo Literário da Prefeitura Municipal. Os trabalhos que fizermos juntos –nos estagiários e ela – foram inesquecíveis: Contações de História, Teatro, Intervenções, Recitais de Poesia.

Na Biblioteca Pública Municipal, aprendi tudo que um curso superior não ensina. Aprendi a prática de ações culturais na veia.

NEI ALBERTO PIES: Há alguns anos no SESC, coordenas projetos culturais. Quais são estes projetos e como você se envolve com eles?

No Sesc, trabalho na Equipe da Cultura e estou a frente dos projetos de Literatura. Sempre tive muita autonomia para criar atividades e desenvolver esses projetos.

A Biblioteca é o meu QG. Um acervo com mais de 5.000 livros que estão disponíveis para qualquer um que queira ler. Também disponibilizamos acesso à computadores e à internet. Tudo de forma gratuita.

O Sesc Mais Leitura acontece 5 vezes ao ano e traz para a cidade autores, palestrantes, professores, ilustradores, contadores de história que fazem um trabalho todo voltado para fomentar o gosto pela leitura.

O Sesc Literatura possibilita que estejamos em mais de 30 municípios do interior da nossa região, levando a literatura para todos. Em Passo Fundo, participamos de atividades com escolas e instituições que nos procuram para que juntos motivemos a leitura.

NEI ALBERTO PIES: Fizeste a experiência de viver 04 anos de música. Que experiência foi esta?

Tocar semanalmente durante 4 anos, no mesmo lugar, ensina muito. Principalmente, como conhecer e lidar com pessoas. Se para um músico que fazia suas apresentações toda sexta-feira, para praticamente o mesmo público, já era um desafio, fico imaginando um professor que está diariamente com os alunos e precisa motivá-los, ensiná-los, manter a atenção, mas voltemos…

Trabalhar com a música foi muito prazeroso e instrutivo. Estar perto das pessoas e perceber do que gostam e do que não gostam ensinou-me muito mesmo. Hoje, trago em minhas atividades a música com complemento e a vivência que ela me proporcionou como metodologia.

NEI ALBERTO PIES: Sarau Literal. O que foi? Que lembranças?

O Sarau Literal Musical foi uma experiência única. Selecionei, carinhosamente, 10 canções que tiveram como fonte de inspiração a Literatura – Literatura com L maiúsculo. Disponibilizei, previamente, para as escolas que participaram, a lista de canções, os compositores e as obras literárias correspondentes. Foi um momento de exaltação à arte. Inexplicável a energia e a beleza desse momento. Podemos repetir, hehehe.

Já o Sarau Literal Livre, nasceu de um desejo que carrego sempre no bolso e no coração: DAR OPORTUNIDADE PARA TODOS.

O palco do Sesc tem de ser o mais democrático possível. Dever abrigar todos os artistas, independentemente do seu nível profissional. Desde que entrei nessa empresa que posso, tranquilamente, chamar de lar, fiquei entusiasmado com a ideia de poder oportunizar o nosso palco para os talentos locais.

O Professor Laercio trouxe os alunos do Colégio Estadual Joaquim Fagundes dos Reis que deram um show. Cantaram, dançaram, recitaram, dramatizaram. A Professora Ivania, da EENAV, trouxe as alunas do Magistério que realizaram uma dança cênica belíssima.

Foi lindo de viver!

NEI ALBERTO PIES: Celebraste 05 anos com Contação de histórias. O que significa esta experiência para ti? O que é ser um bom contador de histórias?

Fazer o que ama é um luxo de poucos. Felizmente, tenho esse privilégio – até quando, com o rumo estamos tomando, não se sabe.

Contar histórias está em mim desde sempre. A diferença é que agora me pagam para fazer, hehehe.

Contar histórias, na minha opinião, é o ápice da arte e do encantamento.

Sem recursos, sem cenário, sem figurino. Apenas uma boa narrativa que se desdobra em vozes e gestos. Todo o resto é elaborado pelo sexto sentido de quem está ouvindo: a imaginação. 

Na narrativa audiovisual – cinema, curtas, séries – temos tudo pronto. É preciso apenas absorver. Depois interpretar e julgar. Na contação de histórias, não. Assim como o leitor, o ouvinte é agente construtor dessa forma de arte. Ele imagina e recria automaticamente, através da sua imaginação, tudo aquilo que o contador de histórias está narrando. Sou um apaixonado por essa arte.

Um bom contador de histórias, antes de tudo, tem de ser um bom leitor. Lambuzar-se nas histórias infantis para ter repertório, pesquisar contos orais – pois é ali que reside a essência do contar- contar histórias para qualquer público independente de idade, classe ou cultura.

NEI ALBERTO PIES: Por tua experiência e trânsito na vida cultural de nossa cidade, como defines Passo Fundo? É uma cidade com grande ativismo cultural?

Sim. Uma cidade de muito ativismo e pouco público. Veja bem, Passo Fundo produz muita cultura, mas não consegue levar grande público até ela. Olha a riqueza que temos:  Sesc, Coletivo Andorinhas, Casa de Cultura Vaca Profana, Casa Drum Música e Arte, Coletivo das Artes, Espaço Cultural Roseli Doleski Pretto que compreende o Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, o Museu Histórico Regional, a Biblioteca Pública Municipal e a Academia Passo-Fundense de Letras, os grupos teatrais Ritornelo, Timbre de Galo e Madame Frigidaire e muito mais.

Contudo, a população prefere pagar R$150,00 para ver uma dupla sertaneja do que pagar R$ 12,00 e assistir um recitar de poesias, uma peça teatral, um conserto de violão.

Essa forma de enxergar a cultura local é o reflexo de que 80% dos passo –fundenses colocaram esse déspota abjeto na presidência da nação. Uma povo que não reconhece, não aprecia, não investe e não prestigia sua cultura local, dificilmente aprimorará seu saber crítico social.

NEI ALBERTO PIES: Por que nossa população e nossa cidade ainda não reconhecem o valor da arte, música, teatro e literatura local?

Esse fato é uma ausência de consciência. Já disse, em um poema, o seguinte:
Não me importo se você fala problema, poblema, pobrema
Eu quero é a solução.
Para todos nós.
Porque o problema mesmo
É quem começou a ganhar dez mil por mês
E pensa que é elite.
Dá chilique quando vê “pobre” no aeroporto
E acha bonito sair dizendo que quem trabalha
faz greve no domingo.
Por isso eu escrevo
Só assim eu me vingo
de um povo contra o povo
desumano e desunido

Somente quando o povo reconhecer-se como POVO e não como elite, começaremos a vislumbrar, ainda lá no horizonte, um preâmbulo de mudança.

NEI ALBERTO PIES: O SESC já atua há 63 anos em nossa cidade com trabalho social dirigido aos comerciários e também na área cultural. Tem um prédio que é uma referência na execução e promoção cultural. É, portanto, um local privado, com finalidades públicas. O que falta, na sua visão, para a cidade apropriar-se mais desta referência social e cultural de nossa cidade?

Essa consciência que tentei ilustrar na questão anterior, agregada de um sentimento de pertencimento. O Sesc trabalha para que as pessoas tenham a oportunidade de vivenciar a cultura e tornem-se consumidores de bens culturais, mas também é preciso que a população aproprie-se dessa oportunidade.

NEI ALBERTO PIES: Qual é a importância das feiras do Livro, das Jornadas de Literatura e do Festival de Folclore em nossa cidade?

IMENSURÁVEL! Esses três grandes eventos fazem com que até quem não é frequentador de ambientes culturais tenha um momento de parar e apreciar a arte e, quem sabe, tornar-se um consumidor de bens culturais.

Uma peça de teatro é um bem cultural, um livro é um bem cultural, aquela poesia que você ama e sabe decorar é um bem cultural. O caminho é longo e sem esses eventos a utopia seria embebida em uma piscina olímpica de hipérbole. 

NEI ALBERTO PIES:  Como vê a expressão da arte e a liberdade dos artistas neste momento histórico?

Estamos à mercê de um ignorante (no valor amplo dessa palavra). Os artistas e professores precisam fazer uma frente unidade para berrar aos quatro ventos a importância da cultura e da educação e como a união dessas duas expressões é de suma importância para uma nação.

Não acredito que acontecerá algo como um AI-5 que foi a legalização da censura, mas acredito na teoria do sapo na panela de água fervendo.

“Se você puser um sapo numa panela, enchê-la com água e a colocar no fogo, vai perceber uma coisa interessante: o sapo se ajusta à temperatura da água, e permanece lá dentro. E continuaria se ajustando, quanto mais subisse a temperatura. Quando a água estivesse perto do ponto de fervura, e o sapo tentasse saltar para fora, não conseguiria, porque estaria muito cansado devido aos ajustes que teve que fazer. Alguns diriam que o que matou o sapo foi a água fervendo. O que o matou, na verdade, foi a sua incapacidade de decidir quando pular fora”.

Os direitos serão tirados aos poucos como já estão fazendo. O que nós não podemos é nos acostumar e nos adaptar com um Presidente que fala o que fala e que faz o que faz. O jogo dele é esse. Quer que a população volte a considerar normal: ser grato ao patrão, inferiorizar minorias, soltar piadinhas preconceituosas, não respeitar quem pensa diferente. PRECISAMOS NOS LEVANTAR E JÁ!

Minha foto favorita dessa caminhada de 5 anos.

“A arte é política. Quem diz que não é não entende nada de política e nem de arte.” Precisamos retomar o orgulho de carregar essa bandeira.

Palestra formativa para o Magistério da EENAV.

É preciso ser louco. Gente normal desestimula.

Feira do Livro de Passo Fundo.

Apresentação no encontro em POA com todos os colegas de rede de Bibliotecas Sesc RS.

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