Um novo jeito de organizar a vida econômica

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Esse modelo de economia linear que desde há muito orienta os destinos da vida humana encontra-se completamente esgotado, justamente porque, de igual modo, vem esgotando as reservas biofísicas do planeta.


Desde que a natureza (matriz do sistema-vida) e, em especial, os principais serviços ecossistêmicos foram entregues às forças do mercado capitalista de consumo, passando assim a orientar o dogma maior da economia global, vale dizer, a busca pelo contínuo crescimento do PIB, dois “produtos” emergiram decorrentes desse processo de dominação/espoliação: o desequilíbrio climático (dado o exagerado nível de emissão de gases de efeito estufa, dentre esses, o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), o perfluorcarbonetos (PFC’s ) e também o vapor de água) e o esgotamento ecológico (notadamente, a depleção dos recursos naturais e energéticos).


“A saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependemos está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Nós estamos erodindo as fundações de nossas economias, meios de vida, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida mundialmente”, afirmou o químico britânico Robert Watson, chefe da IPBES”.
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Dessa ação de domínio sobre o meio ambiente severamente imposta pela política de crescimento econômico sem fim, percebida num mundo ecologicamente limitado, contam-se ainda uma série de outros “subprodutos” que tem ocasionado seríssimas consequências às vidas humana e não humana, condição que potencializa o empobrecimento biológico da Terra. Não por acaso, abundam exemplos: (i) extinção de espécies (segundo o Living Planet Index, o número de animais no planeta diminuiu cerca de 52% desde 1970); (ii) contaminação química do meio ambiente, erosão eólica e hídrica (devido ao emprego maciço de nitrogênio); (iii) poluição do sistema de água (notadamente a ocorrência de eutrofização dos oceanos e a contaminação de nascentes); (iv) poluição do ar (devido ao acúmulo de gases, líquidos e partículas sólidas em suspensão); e, por último, mas longe de esgotar essa lista de sérios problemas, (v) crescente dificuldade de polinização.

Da incidência dos mais preocupantes desajustes ecológico-ambientais, implica dizer que a urgência maior – em termos de desafios a serem superados pela geração de agora, para garantir um futuro promissor à geração futura – passa pela necessidade de uma profunda transformação na lógica da economia global, algo que deve estar combinado a uma sistemática reversão do modus antrópico que marca a atuação da comunidade humana.

Nessa perspectiva, é preciso dizer algo mais: transformar a economia dos homens significa, sem fazer uso de palavras vazias, propor a radical mudança do ritmo frenético de produção e consumo globais e, a partir disso, reconstruir o metabolismo ser humano-natureza, buscando igualmente reconstruir a própria economia de produção.

Inocência analítica à parte, há um claro sentimento de que isso permitiria consolidar, observando de perto a íntima relação Homem-Natureza, uma ligação integrada e sustentável (vide quadrante à direita), superando definitivamente a situação hodierna (quadrante à esquerda), da Figura a seguir.

Relação Homem-Natureza

Dito isso, um esclarecimento se faz oportuno: se é pouco provável – senão uma miraculosa utopia, dirão alguns – promover a reconstrução de toda a estrutura da economia (digo, seu arcabouço axial), é perfeitamente plausível enveredar esforços para, ao menos, reorientar os pressupostos basilares da atividade econômica, partindo para uma etapa de produção econômica de baixo carbono, criando sequencialmente condições para desmaterializar a economia (serviços e processos produtivos), ou seja, reduzir a intensidade energética e de material usada na produção econômica.

Essas condições, é bom que se deixe isso às claras, propiciam, grosso modo e pari passu, que se converta em realidade algumas “utopias” há muito gestadas na sociedade moderna, dentre elas, conciliar ecologia e economia e harmonizar a relação natureza-homem (novamente olhando-se com acurada atenção para o emprego da condição localizada no quadrante à direita da Figura aqui exposta). O motivo? Preservar o meio ambiente/conservar a natureza ao mesmo tempo em que se diminui o ímpeto do crescimento econômico (vetor das emissões de gases estufa), sem, no entanto, renunciar a busca do desenvolvimento econômico, cuja dimensão sempre será o social, identificada no viés qualitativo da economia; diferente assim da dimensão econômica do crescimento, com claro viés quantitativo.

Parece certo afirmar que toda essa questão envolvida na desejável boa parceria entre o ser humano e o meio ambiente acirra os ânimos porque com isso não somente se discute a imprescindível proteção ambiental, mas explicitamente tudo aquilo que está relacionado às condições de vida reservadas aos homens e mulheres no futuro, bem como ao mundo animal.

A breve ideia norteadora aqui discutida, que na prática deve partir obrigatoriamente dos stakeholders, precisa delimitar as condições de vida econômica adaptadas ao tamanho e possibilidades da Terra. Sob essa inspiração, cabe asseverar o seguinte: no centro das propostas que se espera sejam prontamente debatidas visando encontrar um novo jeito de organizar a vida econômica, a economia (tanto a ciência quanto a atividade de produção) tem de ser vista como um sistema parcial inserido num sistema completo (o meio ambiente).

Para o bem maior do desejado equilíbrio ambiental, o sistema de economia linear (extração-produção-consumo-descarte) centrado na fixa ideia do crescimento, do jeito como tem sido praticado até o momento, e por ter “conseguido” transformar o planeta num imenso hipermercado, entulhando-o de mercadorias e bugigangas com o propósito descarado de nos obrigar a consumir freneticamente para assim alcançar o almejado “progresso”, não pode mais permanecer. Até mesmo porque isso está longe, muito longe, por sinal, de ser considerado, de fato, legítimo e verdadeiro “progresso”. Sem delongas, é notório que a Terra não suporta mais duas cotidianas e estapafúrdias situações: a pressão econômica, inclinada à crescente produção industrial; e a pressão humana, inclinada ao sufocante nível de consumo material.

Vale insistir: esse modelo de economia linear que desde há muito orienta os destinos da vida humana encontra-se completamente esgotado, justamente porque, de igual modo, vem esgotando as reservas biofísicas do planeta. É esse o ponto nevrálgico. O drama é esse.

Finalizando, cabe observar com certa atenção um argumento-chave. Para experienciarmos a sonhada transformação da economia global, é absolutamente necessário, antecipadamente, que se reconheça um ponto fulcral aqui já mencionado: a economia nada mais é do que um subsistema de um sistema maior chamado “meio ambiente”.

Partindo desse reconhecimento, subleva-se a condição de se respeitar as fronteiras ecológicas, o que implica em não ultrapassar os limites existentes da natureza. Isso ajuda a difundir a noção central de que é a natureza – e somente ela – a responsável por provisionar e sustentar toda a atividade de produção econômica. Logo, enfatize-se, é a natureza, e nada mais, que limita o processo de produção econômico-industrial.

Com relativa facilidade, diga-se a propósito, o que a ciência tem nos mostrado em termos de conhecimento e dados técnicos não deixa dúvidas de que os limites biofísicos do planeta põem em xeque esse destrutivo modelo de crescimento econômico com o qual temos convivido. Daí a urgência de sepultá-lo, implantando um novo jeito de organizar a vida econômica; afinal, sem exageros retóricos, estamos no limiar de um colapso geral.


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Autor: Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de “Civilização em desajuste com os limites planetários” (ed. CRV) prof.marcuseduardo@bol.com.br
Economista, ativista ambiental e Mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (PROLAM), da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Economia destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018). prof.marcuseduardo@bol.com.br

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