Uma buscadora de direitos dá o seu adeus!

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Esta publicação é uma homenagem a uma amiga, lutadora social, mãe dedicada à sua família, militante de direitos humanos, uma das primeiras mulheres formadas em Direito e que atuou no exercício da advocacia por mais de 30 anos, na cidade de Passo Fundo, Maria Sirlei Flor Vieira e que nos deixou, aos 64 anos, nos últimos dias de outubro de 2022, entregando a vida na luta contra um câncer.

Vamos falar um pouco das histórias e das lutas com as quais construímos solidariedade, amizade e parceria, através das lutas por um mundo e uma sociedade mais humanos, por mais solidariedade, por mais justiça e por mais amor. Estas últimas lutas, talvez, hoje, mais atuais do que nunca.

Maria Sirlei Flor Vieira deu entrevista ao site, através da jornalista Márcia Machado. Márcia Machado assim apresentou a matéria, há 06 anos.

Matéria completa: https://www.neipies.com/um-ato-subversivo/

Nos despedimos de 2016 com a última entrevista da Série “Profissões Educadoras” falando sobre direitos, quebra de paradigmas, lutas, conquistas e garantias. Nossa entrevistada, que no nome traz flor, na vida se destaca pela luta em defesa dos direitos sociais: a advogada Maria Sirlei Flor Vieira, pós-graduada em Direito do Trabalho e em Processo do Trabalho. Ela advogou e assessorou movimentos sociais há mais de 30 anos. Maria Sirlei lutou pelo direito das pessoas, numa época em que defender direitos era considerado um ato subversivo, quebrando paradigmas, fundou a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF).

Pois é. Sirlei, junto com outros amigos, militantes e entidades da época, com muita coragem, fé e ousadia, resolveu empreender a organização da CDHPF (Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo), há 38 anos atrás. Muitos destes que a ajudaram já partiram, assim como ela parte do meio de nós, hoje. Mas ficam como legado, a coragem e a ousadia de construir uma Comissão de Direitos Humanos justamente numa cidade que, até hoje, é conservadora e, muitas vezes, avessa aos direitos humanos e sociais.

Vejamos o contexto daquela época:

Neste período de início dos anos 80, surgem em todo o país iniciativas em vista da reafirmação dos direitos humanos. Organizam-se entidades com o objetivo de lutar pelos direitos humanos, organizar, conscientizar e assessorar grupos e pessoas. Inserido nesse processo mais geral de mobilização e organização da sociedade em torno da luta pelos direitos humanos, pela reabertura política, pelo fim da repressão e pela construção de uma sociedade mais justa que surge a CDHPF. Ela é fruto desse processo mais amplo que mobilizou a sociedade brasileira, mas também é fruto da iniciativa e da vontade de pessoas comprometidas e imbuídas de objetivos comuns e que estavam dispostas a contribuir e realizar, de forma mais consistente, os anseios e demandas da sociedade. Era o momento da redemocratização. Logo no calor da luta pelas “Diretas Já!

Segundo a Ata de fundação

Aos cinco dias do mês de junho de um mil novecentos e oitenta e quatro, às dezoito horas, reuniu-se nos fundos da Catedral Nossa Senhora Aparecida, um grupo de cidadãos passofundenses para fundar a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo.

A partir de grupos da igreja católica e de grupos de juventude e, a partir da sua formatura, ocorreu esta importante decisão.  

“A CDHPF em Passo Fundo e no Brasil, tinha a função de denunciar as disparidades e os abusos de poder, abuso contra as pessoas. Foi então, que a gente começou um trabalho de divulgação dos direitos humanos”, falou na sua entrevista.

“Qualquer pessoa que escrevesse sobre direitos das pessoas era considerada subversivo, e nessa época já havia abertura política.  Isso só mudou a partir da nova Constituição em 1988 com a garantia de direitos. Hoje, a Comissão é mais educativa e menos de luta”.

Disse ainda:

“Hoje não cabem mais ditadores, pois levaria a uma guerra civil. Cabe a CDHPF e, acho que será uma luta dela, esclarecer à população sobre essa diferença entre democracia e ditadura. Se a democracia não está sendo boa para as pessoas, a ditadura é pior, porque na ditadura ninguém tem direitos garantidos. É preciso que as pessoas façam valer os direitos conquistados pela Constituição de 1988, luta dos movimentos sociais que ficaram na clandestinidade por mais de 20 anos”.

Sobre sua profissão, escreveu:

Márcia Machado: Quais os desafios da sua profissão? Maria Sirlei respondeu: A nossa profissão de advogado é muito individualista, o maior problema é a individualização. Eu me preocupo com o meu problema e não com o do meu colega, nós não lutamos por direitos iguais dentro da nossa profissão. Existem grupos de advogados ligados a movimentos sociais, mas não grupos que defendam os trabalhadores da justiça, que defendam melhores condições de trabalho. Existe uma Ordem de Advogados (OAB), mas não uma associação de advogados. Nós somos os buscadores da justiça, os buscadores do direito.  Sem advogados, não existe justiça!

MARIA SIRLEI FLOR VIEIRA, PRESENTE!

Amiga Sirlei!

“O que mais me marcou neste tempo de convivência com a Dra. Maria Sirlei Flor Vieira foi a garra com a qual defendia as pessoas e seus direitos! Todo o processo era uma causa e, em todos dava o seu melhor. Defendeu a todos com extrema dedicação, mas dedicava especial atenção quando estavam envolvidos direitos dos menos favorecidos, das mulheres, dos doentes, das crianças. Nunca se afastou da luta pela construção dos “direitos humanos”. Fez da advocacia missão de vida. Obrigado por tudo o que nos ensinou! Fica o exemplo de uma vida, de trabalho, de solidariedade! Maria Sirlei, presente! (Rosiclér Terezinha Dalchiavon, advogada).

“Nesse momento do meu último adeus a você, o faço com o coração apertado, tudo que faço neste momento é agradecer você, o presente de sua amizade de anos (1983-2018), tempos de minha vivência em Passo Fundo. Agradeço pela oportunidade de ter conhecido alguém tão especial como você, agradeço pelos momentos lindos que tivemos nas várias frentes de luta em defesa da vida, principalmente das mulheres, agradeço pela sua bondade e pela sua afeição nos momentos que mais precisei. A notícia de sua Pascoa mexeu demais comigo, mas guardarei você no meu coração, pela vida inteira.

Continuarei lembrando seu exemplo e empenho em defesa dos Direitos Humanos, numa determinação ímpar. Lembro de suas convicções fortes e de sua alegria de viver, sempre expressadas no seu doce sorriso. Amiga Sirlei, a morte nos lembra como a vida é um sopro, como somos tão pequenos e frágeis e como é rápido perdermos aquelas pessoas que amamos.

Sei que será difícil aprender a conviver com sua ausência, porém, a morte é uma sabia conclusão de vida. Continuarei dando meu melhor, correndo atrás dos meus projetos e desfrutando de cada momento de nossa amizade. É meu compromisso com você, até o nosso encontro definitivo no Reino de Deus”. Com amizade, Pe. André da Costa, msf. (Caldas Novas, 28 de outubro de 2022)

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“Aprendi a fazer atuação em direitos humanos com Sirlei. Chegue muito jovem à CDHPF, alguns anos depois de sua fundação. Com ela entendi que o mais importante é ouvir as vítimas, compreender profundamente suas dores e seus anseios. Uma escuta amorosa e cuidadosa. Esta escuta é que nos leva a analisar as situações e a encontrar os melhores caminhos para proteger as pessoas e para denunciar as violações. Sirlei marcou presença na vida de muitos/as da CDHPF. Obrigado pela tua colaboração e pela tua proximidade sempre cuidadosa. Seguiremos levando teu legado. Em tua memória e por ela seguiremos em luta para avançar na realização dos direitos humanos. Sirlei, presente, agora e sempre!” (Paulo César Carbonari, militante de direitos humanos de Passo Fundo e do Brasil)

FOTOS: arquivo pessoal/redes sociais

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