“Ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se forma como educador permanentemente na prática e na reflexão sobre a prática”. (Paulo Freire)
Agradecer pelo que somos é escolha de quem decide desenvolver suas potencialidades, ciente dos obstáculos a serem superados, com a coragem dos resilientes. Neste sentido, desejo agradecer pelos caminhos que me trouxeram ao exercício da docência, por todos os docentes que inspiraram essa minha decisão, pelos colegas de caminhada que na sala de aula ou no exercício de outras funções fazem “esse mundo da educação” acontecer. No entanto, não basta expressar gratidão, é preciso ser coerente e elaborar leituras do contexto que atravanca o fazer pedagógico, especialmente em escolas da Rede Estadual do Rio Grande do Sul.
O que motivou a necessidade deste escrito foram algumas mensagens alusivas ao dia do Coordenador Pedagógico (22/08). Ao partilhar algumas aprendizagens e indignações amorosas, tenho por objetivo gerar reflexão para mobilizar esperançosas ações, sem as quais a qualidade da educação dificilmente irá melhorar.
Ocupando esta função desde dezembro de 2022, experimento desafios que me acompanham em momentos formativos, análises de conjuntura, reuniões internas e externas de equipes gestoras e determinações da mantenedora advindas da política do momento.
Infelizmente, carecemos de uma política educacional pautada por ações que garantam qualidade, equidade e inclusão. Embora estes conceitos sejam repetidos em discursos oficiais, ainda estamos longe de atingir esses ideais. O motivo deste insucesso, provavelmente, já seja do conhecimento dos prezados leitores dessa coluna mas, mesmo assim, o óbvio precisa ser dito, proclamado sobre os telhados, gritado em púlpitos, assembléias, paralisações, emendas, plebiscitos.
É urgente valorizar os profissionais da educação, entender que sem estes não se faz um município, um estado, uma nação verdadeiramente humanizada, consciente do papel das subjetividades na construção do coletivo. Para alcançar esse objetivo convém compreender que os profissionais da educação são verdadeiros heróis, pois lutam incansavelmente contra toda forma de alienação e exclusão social.
É preciso derrubar por terra os argumentos neoliberais que tentam justificar baixos salários, benefícios irrisórios de vale alimentação, vale transporte e planos de carreira defasados.
Outra ação indissociável da valorização salarial vai ao encontro da necessidade sempre urgente de investimentos na formação inicial e permanente dos professores. É incoerente discursar e mostrar ações que visam melhorar a qualidade do ensino e as notas do IDEB, ao mesmo tempo em que se oferece pouco e ou quase nenhum espaço para formação entendida como práxis: ação – reflexão – ação. Dirão que existe jornada Pedagógica, parada pedagógica, ações que, embora bem vindas, precisam de reformulação e coerência. A esse respeito teço algumas observações nascidas da minha ação e da interação com meus pares.
A Jornada Pedagógica oferecida pela Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, tem se constituído em transmissões feitas pelo Youtube, momentos informativos, instrutivos nos quais se faz mais propaganda das ações do governo do que formação propriamente dita. O que tem de pedagógico na jornada que leva esse conceito? Ouso dizer que são poucos momentos, estes se resumem em algumas salas temáticas voltadas para segmentos específicos.
Quanto a Parada Pedagógica, reconheço a importância da mesma, porém lamento que seja apenas uma por trimestre, o insuficiente para responder a todas as demandas advindas da mantenedora. Entendo a necessidade da burocracia e do registro das ações, no entanto o excesso de planilhas nos consome, contribuindo com o adoecimento de uma categoria que já vem sofrendo há tempos com o desmonte do plano de carreira, com a ausência de estabilidade (o último concurso ocorrido na rede foi mais simbólico do que resolutivo se considerarmos a demanda de recursos humanos de nossas escolas).
É tarefa do coordenador pedagógico motivar a equipe de professores, instruir e acompanhar planejamentos, projetos e ações que respondam a necessidade sempre urgente de uma educação de qualidade. Como cumprir com essa missão num contexto que favorece o adoecimento da categoria? Pesquisas comprovam o crescente adoecimento dos educadores e isso se deve à carga horária excessiva, excesso de demandas burocráticas, pouco tempo para planejar, estudar e organizar o trabalho que se faz antes, durante e depois da aula dada.
O que falta para a sociedade compreender o trabalho dos professores? O que ainda precisa acontecer para os governos olharem com coerência para os contextos diversos nos quais ocorre o ensino e aprendizagem de crianças, adolescentes e jovens? Até quando seremos presa fácil de um sistema que se encaminha dia a dia para o “apostilamento” e a privatização?
Soma-se a estas questões a remuneração dos supervisores escolares em nosso Estado. Trata-se de uma função de gestão feita por especialistas que não são remunerados como tal. Cabe a estes profissionais, dentre outras tarefas, responder a diversas demandas, fazer a leitura das estatísticas e o planejamento de ações eficientes e eficazes em tempo reduzido, comparecer à escola fora do seu horário de trabalho para atender professores que lá se encontram cumprindo hora atividade. Deste modo, professores de sala de aula e gestores adoecem, a ansiedade de uns avoluma a angústia de outros e vice-versa.
Não concluo este texto sem renovar minha gratidão pelos que lembraram dessa data e manifestaram reconhecimento e carinho. Por razões diversas, é desafiador ocupar este lugar numa escola pública, pois:
- interagimos com os pares e suas angústias, esperanças e desejos;
- convivemos com educandos que, também, por razões muitas, demonstram pouco interesse pela escola, apegados ao mínimo matam o desejo de evoluir profissional e humanamente;
- lidamos com diferentes concepções de educação presentes na prática do outro; a dimensão ética e política do fazer pedagógico carece de aprofundamento.
Penso que transformar tanta indignação em ação é uma tarefa coletiva, requer consciência política. É impossível mudar o contexto se quem está imerso nele não for escutado ativamente, ou seja, contemplado em ações de real valorização e formação. Existem exemplos que apontam melhorias nos resultados apontados pelo IDEB em Estados que investem na valorização dos profissionais, caberia aqui mencioná-los, no entanto deixo para você esse desafio de pesquisa, entendendo ser tarefa primordial da educação formar para um agir autônomo, crítico e investigativo.
A opção pelo exercício da docência, independente do espaço onde ela se efetiva não pode ficar refém de um partido político e de uma ideologia calcada na valorização do mercado e de “pacotes da iniciativa privada”… a pretendida cooperação público / privado não justifica o menosprezo de instituições e profissionais da rede pública. A aquisição desses pacotes e assinatura de plataformas de leitura não parecem adequados se a intenção for melhorar a qualidade da educação: a neurociência e as experiências de outros países quanto ao uso de telas deveriam ser consideradas.
Renovemos nossa opção e estendamos as mãos com empatia: essa é uma força política com poder de colocar em movimento as consciências, recriando as “marchas” tão queridas por Paulo Freire, nosso patrono.
Indignado e grato, desejo que essa breve reflexão provoque não o Éco do mesmo, mas outras reflexões, questionamentos e ações que possam, efetivamente, melhorar e transformar a educação no Estado do RS.
Autor: Marciano Pereira. Também escreveu e publicou no site “Resiliência, compromisso e amor na profissão docente”: www.neipies.com/resiliencia-compromisso-e-amor-na-profissao-docente/
Edição: A. R.