Abrimos a temporada de novas entrevistas da série “Profissões Educadoras” com um personagem que contribui para uma revolução cultural na cidade. Nosso entrevistado nasceu em Santo Antão, interior de Passo Fundo e, ainda criança, veio com a família morar na Vila Operária e mal sabia ele que iria bem mais longe, ganharia o mundo. Refiro-me a Paulo Gilberto Bilhar Dutra, o Paulo Dutra, 60 anos de idade e uma vida dedicada à cultura e ao voluntariado. Formado em economia, é funcionário público há 42 anos, mas atrevo-me a chamá-lo de “operário da cultura”. Presidente do Festival Internacional do Folclore de Passo Fundo é responsável por colocar Passo Fundo no mapa internacional dos festivais de folclore, congregando 160 voluntários em torno de uma bandeira: a paz entre os povos.
Confira a entrevista.
Márcia Machado: Como a cultura entrou na tua vida?
Paulo Dutra: Na década de 70, nós tínhamos um grupo de teatro no antigo Colégio Comercial, que funcionava no Colégio Joaquim Fagundes dos Reis no período noturno e ali tínhamos um grupo de teatro que desenvolveu muitas atividades. Durante três anos trabalhamos ali e depois de formado continuei por mais um ano, nós inclusive viajávamos com o grupo. Desde o antigo primário participei de atividades culturais, especialmente ligadas ao tradicionalismo. Na Vila Operária, no Grupo Escolar Anna Willig, nós tínhamos um grupo de dança, também participei do Grêmio Estudantil, Centro Cívico e do Coral. O primeiro Coral no qual cantei foi com a professora Terezinha Brás, ainda no antigo Segundo Grau. Entrei para o Coral da Universidade de Passo Fundo, antes de entrar para a Universidade, eu já estava metido lá. Ainda participei de um grupo de danças no bairro Vera Cruz, chamado Mate Amargo, após ingressei no Grupo Terra Pampeana.
Márcia Machado: Foi com o grupo Terra Pampeana que nasceu a ideia do Festival Internacional de Folclore?
Paulo Dutra: Fui patrão do grupo por um bom tempo, fizemos um trabalho diferenciado sobre a cultura gaúcha e o grupo teve muitas atividades, muitas oportunidades dentro do Estado, pelo Brasil e fora do Brasil. Realizamos um trabalho intenso e com esse trabalho surgiu o CIOFF – Conselho Internacional de Organização de Festivais Folclóricos e Artes Tradicionais, onde fomos convidados a representar o CIOFF no Rio Grande do Sul pelo trabalho realizado pelo Terra Pampeana.
Márcia Machado: A ideia do Festival não nasceu em solo passo-fundense, tão pouco brasileiro?
Paulo Dutra: A ideia surgiu na Itália, enquanto participávamos de festivais lá, achamos que nossa comunidade também mereceria a oportunidade de ter aquela troca de informações que estávamos usufruindo. Voltamos e apresentamos o projeto para o legislativo que, na época, tinha como presidente o vereador Tadeu Karczeski e para o executivo chefiado pelo prefeito Airton Dipp e também fundamos o CIOFF/RS. O grupo trabalhou durante um ano, tínhamos a experiência de festivais nos quais participamos e mobilizamos toda a cidade, através de reuniões com escolas, igrejas, CTGs, associações de bairros, entidades. Tudo depende da motivação e esse grupo estava motivado e conseguiu fazer essa articulação envolvendo toda a comunidade. E o Festival está aí até hoje, completando 25 anos, sempre com o intuito de promover a paz entre os povos. Já estamos preparando a próxima edição.
“A ideia surgiu na Itália, enquanto participávamos de festivais lá, achamos que nossa comunidade também mereceria a oportunidade de ter aquela troca de informações que estávamos usufruindo”.
Márcia Machado: Como você se vê no papel de articulador dessa grande festa cultural que é o Festival?
Paulo Dutra: Eu me sinto feliz em participar. Não acho que eu seja o articulador porque a articulação se dá com um grupo que trabalha junto, há muito tempo, então tem ideias, tem coisas que são realizadas dentro dos grupos e que vão para a prática e a gente não sabe de quem é, a gente nem lembra. A ideia surge, é discutida, aprofundada e executada. Dizem que eu sou idealizador do festival de Passo Fundo, mas eu não sou. O Festival surgiu dentro do Terra Pampeana e até hoje a gente não lembra como aconteceu a discussão na Itália, o que sabemos é que ela foi tomando corpo e acabou resultando no Festival, tudo a partir do empenho de um grupo.
Márcia Machado: Como atrair 160 pessoas para um trabalho totalmente voluntário?
Paulo Dutra: Para ter voluntários, e eu sempre fui dedicado a essa causa do voluntariado, precisa ter um tema que atraia as pessoas, não só pela cabeça, mas pelo coração. E a questão do tema folclore está arraigado nas pessoas, é a vida, a cultura de cada um, todo mundo quer saber de onde veio, para onde vai. É a transmissão de cultura de geração para geração, então, é um tema que atrai as pessoas. Quando você tem um tema que te motiva e que motive as pessoas a trabalhar com o coração, aí o voluntariado acontece. Então, tem que ter cabeça, motivação e coração para isso.
Para ter voluntários precisa ter um tema que atraia as pessoas, não só pela cabeça, mas pelo coração.
Márcia Machado: O diferencial do Festival é o envolvimento de toda a comunidade. Os grupos visitantes percebem isso?
Paulo Dutra: Esse retorno que os grupos têm nos dado, não é só em relação ao Festival e a organização, mas é em relação ao comportamento da cidade. Como as pessoas recebem bem os grupos visitantes nas ruas, nas lojas, nos mercados, seja onde for. As pessoas querem com eles e não tem idade, tanto que num dos festivais a dona Heloisa Almeida, no alto dos seus quase 90 anos, estava em todos os desfiles e você também via crianças dançando e conversando com os grupos também. A comunidade compreende que para muitos é uma oportunidade única de conhecer várias culturas e que só o Festival proporciona isso.
Esse retorno que os grupos têm nos dado, não é só em relação ao Festival e a organização, mas é em relação ao comportamento da cidade. Como as pessoas recebem bem os grupos visitantes nas ruas, nas lojas, nos mercados, seja onde for.
Márcia Machado: O público busca uma interação maior com os grupos a cada Festival?
Paulo Dutra: A sinergia é grande, tanto que nós fomos aumentando o número de oficinas porque as pessoas pediam mais contato com os grupos. Exemplo disso é a oficina gratuita de conversação, momento em que a comunidade pode interagir com os grupos e também aprender as danças em outra oficina oferecida. Nas praças com os espetáculos, nas ruas com os desfiles diários. Outro exemplo foi um show aberto que realizamos no Parque da Gare e impressionou pelo número de pessoas participantes. Procuramos oferecer esse contato direto com os grupos, é uma troca. Só o Festival proporciona isso.
Márcia Machado: A disseminação da cultura dos povos tem um viés educativo?
Paulo Dutra: A questão cultural ela é muito importante para a educação e esses eventos com os quais a gente trabalha, todos eles têm um cunho educativo. O Rodeio Internacional de Passo Fundo, por exemplo, valoriza a questão da nossa terra, das coisas da nossa gente, das nossas raízes. Na medida em que tu conhece, começa a valorizar mais e a discutir sobre isso, é um princípio de desenvolvimento da educação. A Jornada de Literatura, nem se fala, é a formação de leitores, porque o conhecimento é cultura, e cultura é educação. O Festival é isso, muita cultura e educação, pois no momento que tu vai receber alguém de fora e que vai trazer a sua cultura, obviamente que as pessoas vão perguntar sobre a cultura local, então, você tem que buscar, tem que ler, tem que ter o conhecimento e esse processo na comunidade está sendo natural. Quem tem o conhecimento e a informação, tem outro tipo de educação.
A questão cultural é muito importante para a educação e esses eventos com os quais a gente trabalha, todos eles têm também um cunho educativo.
Márcia Machado: Como resumiria essa tua dedicação à cultura?
Paulo Dutra: Eu me sinto feliz em participar dessas oportunidades, em saber que posso contribuir com a comunidade, mas sozinho a gente não faz nada. Existe a necessidade de apoio e temos o apoio dos poderes públicos de Passo Fundo, dos patrocinadores e da comunidade. O último Festival reflete isso, mesmo diante de toda a crise econômica, Passo Fundo foi a única cidade brasileira, em 2016, a realizar um festival do CIOFF, os demais não saíram.
Márcia Machado: Você imaginou que o Festival ia tomar essa proporção e chegar ao ranking dos 10 melhores do mundo?
Paulo Dutra: Não. Ele acabou se transformando em um dos maiores festivais do mundo, nós já recebemos aqui praticamente todos aqueles que foram presidente do CIOFF mundial, como Finlândia, Canadá e França, e o conceito deles em relação ao Festival de Passo Fundo é excelente, pois já visitaram festivais no mundo todo e colocam o nosso entre os 10 melhores do mundo. Eu não imaginava que o Festival fosse tomar a proporção que tomou.
Quem tem o conhecimento e a informação sobre diferentes culturas, tem outro tipo de educação.
Márcia Machado: O que você espera para o Festival no futuro?
Paulo Dutra: Continuar sempre. O tempo passa e o meu grande desejo é que alguém assuma a liderança desse trabalho. Temos incentivado e pedido muito aos voluntários para alguém assumir. A aposentadoria dá um certo medo, mas um dia terá que ocorrer também.