A crise das utopias encontra na população juvenil
sua expressão mais perversa. O ato criativo como estratégia
crítica e política é o importante passo que devemos dar para
garantirmos o bom desempenho da nossa consciência e juventude.
É necessário o debate sobre nossas políticas públicas contemporâneas no momento em que nos deparamos com os impasses sobre as mesmas. Me refiro a qualidade de vida, ao compromisso da política social e a educação. Os modelos atuais que movem essas estruturas nos transferem a sensação urgente de melhorias, e é fato. Para isso, um importante passo que precisamos dar para a abertura de reflexões é permitir-se vagar pela utopia.
A utopia é justamente a construção de novas realidades, a partir de fendas simbólicas, no caso, como efeito do ato criativo. Este pode, de forma singular, despertar novas metáforas, lançar interpretações sobre o contexto histórico e abrir diálogos com outros campos de saber¹.
Quando me refiro á utopia eu gosto muito de lembrar as palavras de Eduardo Galeano que a relaciona elegantemente ao horizonte. “Se me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Se me aproximo dez passos, ela se afasta dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais irei alcança-la. Para que então serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Aqui, abrimos novos caminhos para outros mundos possíveis.
Desta forma, é importante investigar uma maneira utópica e iconoclasta daquilo que nos desafiamos a refletir. Quais nossas estratégias de crítica na atualidade? Os protestos, ao tomá-los como exemplo, possuem muitas faces que podem ser consideradas como um desafio a autocomplacência ética e a inação gerada pela colisão de otimistas e pessimistas. É importante saber distinguir com clareza os elementos destrutivos dos movimentos de protesto e sua função construtiva.
A crise das utopias encontra na população juvenil sua expressão mais perversa. Bem poderia dizer-se que o desencanto dos jovens e, de uma maneira geral, o declínio das aspirações militantes da população adulta, devem-se ao estrondoso fracasso do socialismo, um projeto que prometeu realizar os sonhos de liberdade, justiça e igualdade negados pela brutal realidade excludente do capitalismo². É curioso pensar nisso, não?
Nosso campo educacional sofre também com a invasão deste desencanto. Estamos freando, com cortes de um governo ilegítimo e a ameaça de um governo que se caracteriza pela imposição totalitária. O que podemos esperar de um conservador nato que nega a evolução das pluralidades?
É fato que a evolução das nossas metodologias de ensino, do nosso modelo educacional, lentamente andou ao longo dos anos passados. A não superação da metodologia tradicional reflete o efeito paulatino dos nossos avanços. Compreender como se passou a ensinar a muitos, ao mesmo tempo, no mesmo lugar, os mesmos conteúdos, com os mesmos ritmos, para chegar aos mesmos objetivos, é compreender como a simultaneidade da sincronia dessas ações, faça com que nossa noção de escola não seja simplesmente a evolução de nosso passado remoto.
Existe uma conservação da nossa metodologia de ensino de nossas escolas que se escoram em um tradicionalismo disciplinar, que negligenciam a flexibilidade de tomar procedências plurais no que se refere ao olhar para a singularidade do aluno e, sobretudo, a singularidade do professor³.
O espaço privilegiado de disciplinarização dos corpos mediante a articulação de estratégias de heterogestão dos pensamentos e atos: obsessão pela ordem, pontualidade, compostura, distribuição dos fazeres e dizeres dentro de uma regulada espaço-temporalidade, hierarquização entre saber formal e informal… ⁴ lembra muito bem aquela conhecida música dos tijolos no muro que Roger Waters deu origem.
Devemos focar nossas direções á contribuição para o redimensionamento das relações sociais travadas no contexto escolar, de modo a que a escola constitua-se efetivamente como espaço de múltiplos encontros, como lócus de socialização, produção e apropriação de saberes necessários à transformação da sociedade em direção a modos de vida solidários e dignos. Os processos de subjetivação e a afetividade, desse modo, são compreendidos em uma perspectiva ética e potencializadora da vida.
A análise que gostaria de discutir é o quão importante nossas políticas públicas, como as nossas escolas públicas, são para o desenvolvimento humano das pessoas, digo, de todas as pessoas. Poderia dizer que ninguém melhor para fazer isso do que os próprios professores regerem o rumo educacional, de maneira social crítica na prática de libertação.
Sofremos grandes ameaças pelas políticas de ajuste e privatização promovidas pelos governos neoliberais, que excluem os que não tem condições de pagar para estudar e que não prioriza a população mais pobre. A redução do gasto público nas áreas sociais ameaça estruturalmente a possibilidade de manter ou de elevar os níveis de qualidade dos processos pedagógicos. Como resultado disso, os pobres tem que conformar-se com escolas pobres, enquanto os ricos mantém o privilégio de escolas ricas, simplesmente pelo fato de poderem pagá-las.
Há os reformistas de plantão que afirmam que o problema do sistema escolar está em sua crise de qualidade, e que a crise de qualidade é, em boa parte, culpa dos docentes que trabalham pouco e mal. Dizem, de forma bastante leviana e enganosa, que com austeridade devemos modernizar o Estado, eufemismo que, até o momento, não significou outra coisa que cortes orçamentários nas políticas sociais.
É importante que busquemos a reflexão dos mais diversos significados que atribuem á compreensão das nossas políticas. Ficar imerso a razoabilidade dessas questões compromete, no sentido não colaborativo, com a superação do tradicionalismo. O ato criativo como estratégia crítica e política é o importante passo que devemos dar para garantirmos o bom desempenho da nossa consciência e juventude.
Referências e citações
¹ Marsillac, Ana Lúcia. “Aberturas Utópicas: pesquisa, arte e psicanálise, 2014.
² Gentili, Pablo. Alencar, Chico. “Educar na esperança em tempos de desencanto”, 2001.
³ Freitas, Marcos Cezar. “Forma Social Ética e Inclusão”, 2017.
⁴ Zanella, Andrea Vieira. Molon, Susana Inês. “Psicologia em contextos de escolarização Formal de 2007.