Os olhos abertos pode ser que estejam só olhando e vendo pouco. Há muitos olhos que olham bem, mas que não veem quase nada.
Educar a visão é uma tarefa muito exigente e pode levar uma vida inteira para adquirir este aprendizado laborioso. Ver é um aprendizado que exige paciência e habilidade pedagógica. Ensinar alguém a ver é muito mais do que ensinar a olhar.
Aprender a ver, em sua amplitude, está para além do olhar. Pode parecer um paradoxo, mas muitas vezes o olhar não se encerra no ver. “Como me espelho no olhar do outro? Como o outro se espelha no meu olhar?”
Ver é a capacidade de dirigir o olhar para realidade que nos circunda. Um olho “defeituoso” pode impedir o olhar, mas não o ver. O ver é interno. Já o olhar é externo. O primeiro está voltado para apreensão do visto e o segundo está voltado para as apresentações fenomênicas. O ver e o olhar sempre implicam numa densidade intrapsíquica. Acostumamos o olhar e, muitas vezes, vemos pouco.
As descobertas e as criações intelectuais são, em sentido estrito, aprender a ver as mesmas coisas com olhares novos. Já nos ensinava Merleau Ponty que filosofar é aprender a ver o mundo. Isto significa dizer que o ver não é uma questão fisiológica estrita, mas implica uma educação noética.
O ver da inteligência não é um olhar para fora, mas é sempre um ato reflexivo do visto. Olhar duas vezes não significa passar pelas coisas que se nos apresentam fenomenicamente.
A reflexão não é algo espontâneo, mas é um trabalho cognitivo que exige tempo e paciência para filtrar aquilo que “entrou pelas nossas retinas” e que nos traz inquietação espiritual e curiosidade intelectual.
O exercício espiritual exige, “ver com os olhos fechados”. Ver com os “olhos fechados” é ampliar a visão. É ir além da consciência intencional que sempre procura descrever o que viu. Por isso ver não é nominar as coisas do mundo, mas perceber o que as coisas do mundo nos dizem.
O ver não é uma passividade epistêmica frente ao mundo fenomênico, mas uma atividade reflexiva sobre o fora e o dentro das coisas. Uma coisa é olhar as coisas extrinsecamente e outra coisa bem diferente é ver a realidade intrinsecamente.
A relação entre o ver e o olhar exige um “terceiro olho” que é a instância que nos leva a ver o próprio olhar, no ato de ver. Não há nada mais emocionante para a inteligência quando ocorre a proximidade dos olhos para ver os olhares singulares. Ver o próprio olhar.
Olhar falando e falar olhando é o ato contemplativo genuíno da razão apaixonada e da emoção inteligente. Mas isto só acontece quando se consegue ver o olhar numa proximidade infinita entre dois ou mais olhares.
Um olhar penetrante tem muito mais força cognitiva do que uma cifra de muitos silogismos bem articulados e demonstrados logicamente. O ver da inteligência não acontece só com o desempenho da gramatologia, mas acontece quando se abre para a alteridade que vem de fora sem os “laços conceituais.” Aprender a ver significa ler o mundo com “as lentes” do intelecto.
Os olhos abertos pode ser que estejam só olhando e vendo pouco. Há muitos olhos que olham bem, mas que não veem quase nada. É por isso que muitas vezes não adianta limpar as lentes, mas é necessário trocar os óculos.
Há muitos cegos biológicos que veem melhor o mundo do que aqueles que têm os olhos em perfeita saúde. Aprender a ver é recolher para dentro do interior da psique os mistérios insondáveis do mundo, que só enxergamos quando este se mostra. Ver bem é captar o olhar que vê.
Autor: José André da Costa, msf
Há preocupação exagerada, hoje, de registar fotograficamente a aparência das coisas, querer registrar as imagens externas, sem a preocupação de olhar demorado, profundo e reflexivo sobre o que se está observando.