Vida a Crédito

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Será que precisamos comprar tudo aquilo que desejamos para ter uma vida feliz?

Vida a Crédito é o título de um dos livros do sociólogo polonês Zigmunt Bauman (Zahar, 2010), no qual analisa profundamente a recessão iniciada em Wall Street, nos Estados Unidos em 2008, e que rapidamente atormentou o mundo todo. Em tempos de crise como estamos vivendo, onde os noticiários não cessam de anunciar a falta de dinheiro e o endividamento generalizado, a leitura e estudo de Vida a Crédito pode nos ajudar a entender melhor os fatores da crise e a possibilidade de aprendermos com os erros.

Bauman inicia sua análise dizendo que estamos vivendo nas últimas décadas uma transição da sociedade de produtores (onde os lucros eram obtidos sobretudo da exploração do trabalho assalariado) para a sociedade de consumidores (onde os lucros são oriundos sobretudo da exploração dos desejos de consumo).

Para “alimentar” a sociedade do consumo e criar sempre mais “fome” de consumir, a “filosofia empresarial” criou um conjunto de estratégias, cujas finalidades sejam satisfeitas e, de preferência, induzir, capturar e ampliar novas necessidades e desejos de consumo.

Para garantir essa prática consumista insaciável e retroalimentar o desejo sempre insatisfeito de comprar cada vez mais, a oferta de crédito por meio de empréstimos se tornou imprescindível. Por essa razão, assistimos nos últimos anos a introdução de cartões de crédito em quase todas as camadas sociais.

O lema básico desta nova forma de vida foi: “não adie a realização do seu desejo”. Com um cartão de crédito em mão se tornou possível “desfrutar agora e pagar depois”. O cartão de crédito criou a doce ilusão de que “cada um é livre para administrar sua própria satisfação” e obter as coisas que desejar, sem esperar o tempo para juntar recursos suficientes para comprá-la. Assim, do automóvel ao vestuário, do jantar em um restaurante sofisticado à viagem dos sonhos, da televisão gigantesca à festa inesquecível, tudo se resume em antecipar o prazer e retardar a realidade.

No entanto, como nos adverte o próprio Bauman, não pensar no “depois” significa, como sempre, acumular problemas. Quem não se preocupa com o futuro pagará um preço pesado pela sua imprudência. Mais cedo do que tarde se descobre a triste e desagradável realidade de que “o prazer da satisfação” se transformou na “punição da cobrança”.

Assim, a falta de planejamento dos gastos, a suposta facilidade do crédito e a felicidade efêmera do consumo se tornaram rapidamente em pesadelo, mal-estar, incômodo, depressão e tantas outras patologias provenientes desta embaraçosa situação.

A dura realidade se faz sentir, principalmente, quando se anuncia uma crise, quando aquilo que parecia funcionar tão bem perde, sem aviso prévio, o rumo dos acontecimentos. E como já dizia a lei de Murphy “que se algo pode dar errado, dará”, nos damos conta que até o crédito para pagar nossas dívidas vai se tornando escasso, difícil, impagável.

Aos poucos nossa própria vida, considerada o bem mais precioso e inalienável, se transforma num objeto de venda, de troca, de hipoteca. E assim nos tornamos escravos de nossos próprios desejos e de um monstro invisível chamado consumismo que toma conta de nossas escolhas.

Os antigos nos ensinaram que a prática da prudência e o exercício da reflexão podem se tornarem o remédio amargo para nos curarmos de nossos próprios desejos e de nossa própria servidão.

Cabe, por fim, um questionamento: será que precisamos comprar tudo aquilo que desejamos para ter uma vida feliz?

Para os que desejarem conhecer mais o pensamento de Bauman, além das leituras do seu livro, sugiro o Dicionário Crítico-Hermenêutico que acaba de sair e está disponível publicamente em PDF.

Segue o link de acesso: https://www.researchgate.net/publication/356290134_Dicionario_Critico-Hermeneutico_Zygmunt_Bauman

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

altairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado em Educação – UPF

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