O mundo midiático transforma nossos gostos
e preferências desde que estejamos propensos a
consumir seus produtos. Cabe torcermos para que
tenhamos discernimento para o consumo consciente
do que realmente é necessidade.
O mundo da propaganda conta com profissionais que criam peças absolutamente geniais. Algumas são obras de arte, outras têm conteúdo absolutamente arrebatador. Escrevem-se tratados acerca das consequências que a propaganda exerce sobre a sociedade tal a importância que ela tem na formação de consumidores. Quero tratar daquelas que nos comovem pelo conteúdo de apelo aos pais.
Refiro-me a duas que divulgam uma marca de fraldas. Os bebês falam com a mãe e pai de uma forma absolutamente verdadeira. Quem tem filhos entende a linguagem usada e as imagens comovem pela ternura retratada em cenas de carinho e cuidado plasticamente perfeitas.
Transportamo-nos aos nossos próprios bebês. Eles foram assim, frágeis, cheirosos e tão nossos. Sabíamos instintivamente do papel fundamental que o nosso amor teria, para que aquelas criaturinhas vingassem.
O turbilhão de sentimentos e responsabilidades, como a voz dos bebês da propaganda preconiza, transformaram-nos em homens e mulheres balbuciantes em torno de mamadas, de cheiradas gostosas, de “bilu-bilu” e “cadê o bebezinho da mamãe?”. Fomos transformados em seres focados naquela criaturinha que, subitamente, tornou-se o centro das nossas vidas.
Sabíamos que aquele estado de encantamento e exclusividade seria transformado em coisa real, quando teríamos que tomar decisões cruciais para o futuro da família. O susto e o medo entravam naquela relação encantada, para nunca mais sair. Do dia para a noite a maior missão da nossa vida estava no nosso colo. E nós fizemos tudo o que era preciso fazer, mesmo que hoje, à distância, tenhamos a sensação de não termos aproveitado tudo o que podíamos.
Por vezes, imaginamos nossos filhos crescidos e a trabalheira menor, o que nos fazia ansiosos para que crescessem. Mas quando dormiam, quando mamavam, quando sorriam, queríamos que tudo permanecesse assim, um ninho de amor, onde nós e nossos bebês nos misturávamos como mamíferos instintivos, plenos de felicidade e transformados em seres irracionais, dispostos a fazer tudo, tudo, tudo pela perpetuação daquela plenitude. E fazíamos, mas a vida real sempre batia na nossa porta.
Sofremos a cada doença, conseguimos varar noites sem dormir, beijamos dodóis milhares de vezes, consolamos e acolhemos. Mas eles cresceram e transformaram-se em seres exigentes, por vezes chatos, chorões, reclamões, mas tantas vezes ternos e sábios. Eles sempre sabiam como nos ganhar. Transformavam-se de uma hora pra outra de monstrinhos a filhotes chegados a beijos e abraços e pedidos de desculpa, com a maior cara de inocentes do mundo.
Mas eles cresceram ainda mais. Tornam-se adultos como nós. E sofrem e não cabem mais no nosso colo, nem no nosso ninho de proteção. De pais protetores, passamos a espectadores. Aprendemos a duras penas a observar e ficar à disposição para colos eventuais. Tornamo-nos velhos cuja principal tarefa é torcer para que a vida não seja muito dura com eles. E com nós!
Nossos bebês – como manda o figurino – encontram seus parceiros amorosos e tornam-se pais também. E tudo começa de novo, com o ingrediente de que, agora, não podemos mais defendê-los de nada. Só podemos estar aí! E estamos!
É impressionante como uma propaganda consegue transportar-nos para paragens tão verdadeiras. Concluo que somos movidos a consumir emocionalmente, tanto o que presta e o que não presta. O mundo midiático transforma nossos gostos e preferências desde que estejamos propensos a consumir seus produtos. Cabe torcermos para que tenhamos discernimento para o consumo consciente do que realmente é necessidade.
Mas preciso agradecer àquela fralda tão lindamente propagandeada, que trouxe de volta os meus rebentos, agora adultos, que foram amados e cuidados como deve ser. Com algumas falhas, é claro! Mas tivemos a melhor das intenções. E fizemos bonito!
Sueli é, avó, mãe, escritora, graduada em filosofia, membro da Escola de pais do Brasil, do coletivo de escritores e escritoras Sociedade dos Poetas Vivos (SPV) e da Academia Passofundense de Letras (APL). Ela é apresentadora do programa Literatura Local na TV Câmara, uma parceria da APL com a Prefeitura Municipal de Passo Fundo (RS). A Convidada Especial do Bloco Papo de Gente Grande nessa edição do Projeto Mulheres na Literatura é a escritora Sueli Gehlen Frosi, que divide conosco como está resistindo a esse período delicado de pandemia e como a literatura está sendo relevante nesse momento.