Você pergunta a opinião da sua criança?

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A criança que não é ouvida termina se calando para o mundo. Deixar de opinar não é importante apenas para alegrar a criança, mas também para o desenvolvimento do seu pensamento cognitivo, a sua aprendizagem, o seu crescimento emocional.

O meu querido poeta Mario Quintana tem um poema belo intitulado “As falsas recordações” que nos diz “Se a gente pudesse escolher a infância que teria vivido, com enternecimento eu não recordaria agora aquele velho tio de perna de pau, que nunca existiu na família, e aquele arroio que nunca passou aos fundos do quintal, e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão, sob o zumbido inquietante dos besouros”.

Muitas crianças guardam dentro de si coisas falsas, ou seja, coisas que elas fingem se comportarem dos seus jeitos, do jeito que elas desejam para que os seus pequenos mundos se tornem melhores e com menos sofrimentos. Essas falsas coisas acabam se tornando companheiras das crianças e a gente nunca vai descobrir como elas são ou onde elas estão dentro da criança se não as ouvirmos, se não dermos atenção necessária às suas opiniões, aquilo que tentam nos dizer em tão poucas palavras.

Ser criança não é nada fácil. Cada vez mais vemos crianças sendo adultizadas cedo demais. Não sei se são as exigências do mundo contemporâneo ou se são os pais querendo se ver livres logo do mundo da infância que é considerado bobo demais por muitos. Tenho receio dessa adultização precoce.

Acho que a criança deve viver plenamente essa fase sendo criança de verdade e não se maquiando, pintando as unhas e até mesmo os cabelos ou usando sapatos de saltos altos. Penso que as culturas enlaçadas umas às outras propiciam esse amadurecimento precoce das crianças fazendo-as com que se tornem adultas antes mesmo de completarem nove ou doze anos de idade.

O que me intriga é que a criança pode pintar os cabelos e pode até mesmo arranjar um namoradinho, mas não pode opinar nos assuntos que lhe dizem respeito. São proibidas de tomarem decisões por si próprias e não podem fazer escolhas do que gostam ou não. Devem obedecer aos adultos sem questionamentos e muito menos fazerem birras porque não foram ouvidas.

Ser criança não é coisa fácil no mundo de hoje. São diversas as exigências da sociedade e das mídias, principalmente, o mercado econômico que aproveita essa adultização para oferecer cada vez mais produtos que ofertam promessas de belezas para os cabelos e para a proteção da pele ou até mesmo para ajuda do emagrecimento.

Ser criança em um mundo onde as pessoas não se ouvem mais está se tornando cada vez mais difícil.

No entanto, sempre foi assim com as crianças. Houve um tempo em que elas eram criadas longe dos adultos, largadas aos seus mestres que lhes ensinavam tudo o que precisavam saber sobre boas condutas e valores morais.

Na antiga Grécia, as crianças não podiam opinar. E se opinassem eram castigadas ou mesmo não eram ouvidas. Assim, em Platão na sua obra “A República” vemos que as crianças não têm vez, devem ser educadas para a arte das guerras e só entrarão em contato com a filosofia e demais artes na idade adulta.

Não costumamos perguntar às nossas crianças as suas opiniões sobre as coisas que fazemos, sobre uma decisão que precisamos tomar ou sobre um passeio que juntos faremos. Decidimos tudo como se fôssemos governos tiranos. As crianças, nossas súditas que só devem nos obedecer sem questões.

A opinião de uma criança deve ser respeitada em todos os sentidos, principalmente se importa a ela a decisão que será tomada por nós, adultos. Trocamos as crianças de escola, as afastamos dos seus amiguinhos, mudamos de endereço, compramos roupas para elas das cores que mais gostamos e dos modelos que mais achamos bonitos e nem procuramos saber as suas opiniões a respeito disso ou daquilo.

Silenciamos as nossas crianças, sem querermos. Não as permitimos que opinem, que falem, que gritem. Que digam o que desejam e mostrem através das suas palavras e gestos o que pensam sobre as suas vidas, os adultos, as coisas ao seu redor. Não deixamos que opinem sobre o que assistem na televisão ou veem nas redes sociais.

Para facilitar as nossas vidas na pressa do dia a dia simplesmente damos algo para a criança se distrair e esquecemos de colaborar com as suas opiniões. Deveríamos ouvir mais as crianças. Nos seus argumentos elas conseguem passar para nós como estão se sentindo diante das suas vivências e experiências, com elas descobrimos coisas maravilhosas que antes não conseguíamos enxergar que eram de outro jeito.

Por que não perguntamos a opinião das nossas crianças?

Temos medo de ouvi-las? Sim, muitas vezes as crianças são sinceras demais. Elas não usam máscaras ou dizem mentiras para não machucarem alguém. Quantas vezes a sua criança já lhe deixou em uma situação vexatória dizendo que a roupa do amigo era feia ou que o seu amigo estava ficando careca? Elas falam tudo o que pensam.

E nessa falar tudo o que pensam conseguem expressar as suas emoções e sentimentos. Através da opinião das crianças sabemos se estamos lhes dando a atenção necessária e os cuidados que precisam. Quando uma criança se sente ouvida ela sabe que pode confiar naquele adulto e passa a lhe contar tudo o que sente.

Se as crianças são levadas para fazerem as compras no supermercado elas devem poder opinar sobre alguns itens que a mamãe ou o papai não quer comprar, como também devem ter o direito de opinar sobre a roupinha que será comprada para ela. A criança tem o direito de dizer não e ser ouvida porque se recusa a aceitar tal coisa.

A opinião de uma criança é como uma caixinha de segredos que se abre quando a gente menos espera e toca uma canção que busca acolhimento e aprovação pelo seu comportamento. Aos pais cabe ouvir esta canção com os ouvidos bem atentos para que a criança continue opinando sem o risco de ser castigada ou receber críticas ao seu bom pensar que está se organizando no decorrer do seu crescimento.

Como aprimorar a escuta dos filhos? https://youtu.be/EmTpu7X4tJU?t=35

Pode ser difícil para os pais permitirem que as crianças deem as suas opiniões nas diversas tarefas do dia a dia, mas é importante que elas cresçam sabendo das suas responsabilidades enquanto membros de uma sociedade com direitos e deveres. Elas precisam conhecer os seus limites, saberem os motivos de muitas coisas não poderem fazer, questionarem sobre o que as intrigam.

O ato de opinar ou argumentar com precisão desde a infância também ajuda a criança na sala de aula quando é convidada a responder sobre uma ou outra pergunta. Se em casa as suas opiniões são ouvidas, ela não temerá responder as questões da escola e nem a falar em público.

Muitas crianças se sentem tímidas e envergonhadas porque nunca foram ouvidas pelos seus pais, porque sempre que quiseram opinar foram silenciadas com “você é pequeno demais para saber disso” ou “quando você crescer eu explico”. Não! As crianças querem discutir, debater, conhecer agora, neste momento. Elas não têm tempo para esperar o crescer. Mais tarde terão outros questionamentos e novos posicionamentos.

Todo mundo tem o direito de opinar sobre alguma coisa que lhe incomoda. Não somos máquinas para aceitarmos tudo sem podermos dizer o que achamos. Assim são as crianças. Elas querem poder escolher o que vão comer, o que vão vestir, a escola onde vão estudar, a hora de fazer a lição de casa. Elas sempre vão ter argumentos para os seus quereres.

A criança que não é ouvida termina se calando para o mundo. Deixar de opinar não é importante apenas para alegrar a criança, mas também para o desenvolvimento do seu pensamento cognitivo, a sua aprendizagem, o seu crescimento emocional. Claro que muitos assuntos são apenas de adultos, mas se você permitiu que a criança ouvisse a sua conversa terá que aceitar a opinião dela.

Ignorar a opinião da criança pode ser traumático e influenciar bastante no seu amadurecimento emocional. Afinal, através das nossas opiniões passamos a ser conhecidos e aceitos nas rodas de conversas e nas redes sociais. É preciso que a criança saiba opinar em casa para depois ter coragem de opinar quando estiver com pessoas estranhas e não aceitar tudo o que querem lhe dizer como verdade.

A sua realidade pode ser diferente da que a criança pensa.

As opiniões podem divergir e, por isso, é bom que os pais sentem e conversem com as suas crianças sobre assuntos que elas trazem nas suas perguntas e as deixem opinar do jeito que pensarem abrindo caminhos para que cheguem a um bom pensar.

Toda opinião é válida mesmo a que você acha a mais bobinha. Aquela que para você não chega a lugar nenhum, é preciso ser validada. A criança não sabe o que é uma coisa boba ou tola. No seu pequeno mundo tudo o que lhe intriga merece ser discutido com quem entende para obter respostas satisfatórias.

Na nossa literatura está cheia de personagens que se comportam como alguns adultos, ou seja, não ouvem as opiniões das crianças porque são consideradas ingênuas. No lindo conto da escritora Ruth Rocha intitulado “O que os olhos não veem” o rei fica doente e não consegue ouvir a opinião de pessoas pequeninas e que falam baixinho, daí as pessoas usarem pernas de pau para ficarem grandes e poderem ser ouvidas pelo rei. Isso é o que acontece com as nossas crianças no mundo inteiro, parece que todos os adultos estão doentes iguais ao rei de Ruth Rocha.

Para conversar com uma criança, de igual para igual, você deve sentar-se ao seu lado ou se abaixar até o tamanho dela demonstrando sinal de respeito e educação. Assim, a criança se sentirá amada. Poderá com confiança e segurança dizer o que pensa a respeito de determinada coisa, falar à vontade com você, se expressar sem medo de ficar de castigo ou coisa parecida.

Ouvir com atenção e demonstrar interesse na opinião de uma criança faz todo o sentido para nós, adultos, que sabemos o respeito e cuidado que ela merece.

Não custa nada deixarmos os nossos afazeres de lado só um pouquinho para ouvirmos o que a criança pensa daquele vizinho que veio morar do lado há pouco tempo ou da roupa que vai vestir à noite para ir ao baile com os amiguinhos. Nessas conversas sempre descobrimos coisas que estavam lá nas profundezas do pequeno espírito da criança guardadas há algum tempo com receio de serem colocadas para foram e serem mal interpretadas.

Conhecemos os nossos amigos através das suas opiniões e, nos últimos tempos, com a chegada das redes sociais descobrimos que algumas pessoas que se diziam nossas amigas pensam completamente diferente de nós. Ficamos espantados com as suas opiniões publicadas para que todos possam ver. Não estão nem aí para o que os outros vão pensar. Querem é mais opinar. Falar. Como se opinar hoje em dia fosse a válvula de escape para tudo.

Neste segmento, estão as crianças preparadas para opinar sobre tudo o que lhes dizem respeito. Elas nunca param de pensar. Mesmo quando estão brincando sozinhas ficam ali buscando alguma forma de conversar com você sobre algo que não estão gostando ou até mesmo que gostariam que mudasse.

É necessário ouvir as opiniões das crianças para que elas cresçam com desenvoltura e sabendo que podem confiar em nós e em si mesmas não silenciando diante dos assuntos importantes que muitas vezes somos convidados a debater. O debate é uma ótima oportunidade para os professores ouvirem o que as crianças pensam sobre determinados temas.

Quando as opiniões das crianças forem respeitadas de verdade, tenho certeza de que muitas delas crescerão desinibidas e preparadas para enfrentar um mundo que exige cada vez mais criatividade e saberes que resolvam problemas rapidamente.

O raciocínio lógico precisa construir argumentos válidos, por isso o estudo da lógica é tão importante na sala de aula.

Se você passar a pedir mais a opinião da sua criança começará a perceber o quanto ela se sentirá confiante e feliz ao seu lado. Ela compensará essa atenção entregando-lhe os seus segredos, os seus medos e angústias diante do mundo e das coisas ao seu redor. A criança que é ouvida tende a ouvir também facilitando o seu ensino-aprendizagem.

Deixo vocês com os versos do poeta Peter Handke que nos diz “Quando a criança era criança, / andava balançando os braços, / queria que o riacho fosse um rio, / que o rio fosse uma torrente / e que essa poça fosse o mar.” E se a criança desejava tudo isso certamente ela tinha a sua opinião sobre o seu desejo e quem sabe um dia possamos descobrir através do diálogo o que exatamente as crianças pensam sobre nós e o mundo ao seu redor.

Não sei para você, mas para mim é importante saber o que uma criança pensa sobre mim até mesmo para que eu possa melhorar a cada dia ou continuar sendo este adulto que se importa com ela e que ama bastante, pois sem amor não podemos ficar perto de uma criança, pois o amor é que a faz crescer com sabedoria.

Sabedoria essa, tão necessária à filosofia dos gregos que aprendemos nas escolas e nas academias universitárias. Esta filosofia que eu tanto luto para chegar às escolas da educação infantil e fundamental porque se faz precisa e urgente uma vez que só se aprende a ler e a escrever bem quem tem argumentos e sabe opinar com respeito e segurança.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

2 COMENTÁRIOS

  1. Texto relevante para pais, educadores, adultos que convivem com crianças. Oportuno, para se refletir e repensar a Educação, nos tempos em que vivemos. Aliás, a reflexão e atuação já deveriam estar presentes há mais tempo…

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