Você vai ver e sentir a velhice também!

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Você tem o poder de fazer de sua vida uma bênção, ou uma maldição. A escolha é sua.

Ela se chama X, mas poderia ser Y e até mesmo Z. Ela tem uma avó super idosa. Uma senhora que muito lhe ajudou. Coisa que ela esqueceu. Por isso, a maldição de que vai ver e sentir a velhice não é uma praga, é uma possibilidade.

No último Natal e no Ano Novo não se deu o tempo para ligar; para um “alô”.  Estava ocupada com as redes sociais, fazendo “selfies” com amigas deslumbradas.

Porto Alegre acaba de sofrer sua maior enchente, com prejuízos sem precedentes. Amigos, parentes e conhecidos ligavam com aperto no coração para ter notícias. Porém, nem todos agiram assim. Teve gente que não se importou com os seus parentes. Nem de seus parentes idosos. A solidariedade foi fantástica, todos falam. É verdadeiro.  De uma parcela da população; mas houve quem nada lhe tocou. O infortúnio era dos outros. E a perversidade veio acompanhada de “fake news”, de pix falsos, de desvios de doações, de politicagem.

Afinal, há pessoas que têm os velhos como um estorvo, não se importam com eles, são descartáveis. Descartáveis; invisíveis como os pobres que circulam, que esmolam, que estão nas frias calçadas das cidades. A escravidão contemporânea não lhes toca, como a História é apenas um livro esquecido do ensino médio.

Ah, mas se tiverem acesso ao cartão bancário dos seus parentes aposentados metem a mão. É a escumalha da sociedade, são os sanguessugas das pessoas idosas, quando não as maltratam, largando-as e deixando muitas ao abandono.

Temos no Brasil uma “cultura” às avessas, beirando ao comportamento amoral, algo entre o Estado da Natureza e o perverso da pós-modernidade. Quais seriam as razões para termos criado esta monstruosidade comportamental? Não foram nem os índios nem os negros africanos que nos legaram esta maldição. Pelo contrário.

A pessoa idosa, os tempos, as diferenças.

Os atenienses, na época de Aristóteles, não gostavam de pessoas idosas e, muitas vezes, revoltam-se contra eles. Até nos dias atuais, parece que, por lá, ainda estão nas suas próprias mãos e na dos familiares.  Na Idade Média, a velhice era retratada como uma fase de vida cruel. Thomas Morus, autor de Utopia, era uma voz discordante. Pouco mudou no Renascimento. Já no pensamento oriental – com a influência do confucionismo – vemos uma abordagem mais coletivista, onde o valor das hierarquias da família, do idoso tornava-se cada vez mais importante.

Nas culturas ocidentais modernas, o status cultural dos idosos diminuiu. Os idosos, muitas vezes, se encontram deslocados por restrições financeiras ou por incapacidade de viver independentemente. Muitos são obrigados a mudar para “lares”. Na sociedade prevalece a busca da “juventude eterna” e da beleza. Pouco se valoriza o hábito de se alimentar bem e as formas saudáveis de se viver. Há exceções, é claro.

Nunca se pode esquecer que vivemos numa sociedade de classes, de ricos, remediados, pobres, desvalidos. Há quem tenha moradia, outros tem a favela ou a rua, mesmo na velhice.

É forçoso aqui assinalar que há tratamentos diferenciados entre povos. Os indígenas primam pelas tradições. Para eles, a pessoa idosa é a mais respeitada e importante do seu meio. São responsáveis pela orientação aos mais jovens. Não vivem para acumular riquezas. O que possuem tem sentido coletivo. Que diferença!

Na África, nem tudo é igual, há diferenças. Mas o poeta do Mali, Amadou Hampaté-Bâ, diz que “quando morre um africano idoso é como se queimasse uma biblioteca”.  Ainda na tradição africana, os “griôs” são contadores de histórias, muito sábios e respeitados onde vivem.

Você vai ver e sentir a velhice

A neta que não liga para a avó, o filho que não trabalha e pega o cartão dos pais para benefício seu, o que larga seus velhos numa Instituição de Longa Permanência duvidosa ou na maior “cara de pau” tenta deixar o pai ou a mãe numa asilo vai ver e sentir a “sua” velhice. Talvez por comer hambúrguer, batatas fritas e refri vá antes… A escolha de vida é sua, pois a vida poderá ser uma benção ou uma maldição!

Para que mudemos o atual quadro da velhice no Brasil é preciso educar as crianças com uma mentalidade cooperativa, com uma visão inclusiva, sem preconceitos. Quais são as perspectivas por ações públicas e de sociedade para os jovens da geração Z, “nem nem”. Os poderes públicos têm que reagir contra o “status quo”, pois é esta uma das razões de ser governo.

Não basta uma Lei como o Estatuto do Idoso, criação de Conselhos Municipais “para inglês ver”. Ou a norma é uma letra viva, com conteúdo aplicado, numa interação entre lei e realidade, ou não passa de uma enganação.

Vai esperar para ver? Ou vai agir?

Na sociedade – seja nas instituições de ensino, nos governos, nas instituições, nos movimentos sociais – ou se faz ou se paga. O custo será alto, se não mudarmos nossos comportamentos.

Os governos estão, regra geral, desmoralizados. Com as enchentes e o desdém com a pessoa idosa, este contingente de pessoas não vai querer votar, se votar vai votar contra o prefeito que lhe virou as costas. E fará bem. A atual geração de pessoas idosas, regra geral, é mais politizada, menos conservadora que muitos jovens atuais.

Não se pode ter mais as ilusões românticas as quais nos levavam a sonhar com uma revolução social de igualdades, pois o capitalismo financeiro e imobiliário determina a exploração, a submissão e a exclusão. Este mesmo que enterrou o Estado de bem estar social. E com a sua forma fascista tenta enterrar o Estado democrático de direito. Ou seja, novas formas de organização e de lutas sociais terão que ser construídas. As armas são outras. A mídia, as mídias sociais determinam comportamentos. O idoso diante das novas tecnologias se torna um ser mais dependente, mais vulnerável, suscetível a crimes nunca antes imaginados.

É bom “não pagar para ver”!

Um novo movimento social

Numa de nossas rodas de conversa, Afonso Escosteguy mostrou que temos que encarar os vários tipos de idosos, os pouco ricos e remediados, os que em quaisquer circunstâncias tem proteção à saúde e ao bem estar, e aquela legião de desamparados, pobres, periféricos. Quase todos eles, não importa a condição social, não têm a mesma mobilidade e condições de agir como se eles fossem o próprio movimento de suas defesas, como foi e é a luta antirracista, contra a homofobia, o feminismo. Por isso, as pessoas idosas precisam de uma sociedade civil mais consciente, governos mais comprometidos com a sustentabilidade social, econômica, cultural e ambiental para buscar meios inclusivos das imensas populações de idosas que só crescem pelo mundo afora.

Há poucos grupos organizados em ação, apesar de termos pequenos agrupamentos que, às vezes, são lembrados como capital eleitoral por alguns prefeitos, dando-lhes condições de alguns passeios e alguns bailinhos. Isto não se despreza, mas é totalmente insuficiente.

O habitar

A moradia seja um apartamento no Centro de uma capital, uma casinha compartilhada com a família na favela, os velhos se agarram ao seu habitat como a última raiz que os vincula à vida, creio que foi a arquiteta Elenara Stein Leitão que disse algo assim numa de nossas reuniões. Como vocês podem observar não falo a partir de mim apenas, falo de um coletivo que pensa e repensa o transcorrer da vida. Graças a amiga Claire Abreu que em um café, ah os cafés… fez-me pensar mais na temática dos 60+ como se falava. Destes papos surgiu o livro “Metamorfose da Vida”, volume 1, com 21 autores falando do tema, fugindo de ser um livro acadêmico, ou de autoajuda. É um livro sobre o “envelhecer”.

Com as enchentes, com novos agregados ao grupo, surgiu a necessidade de falar do abandono, dos resgates malfeitos, da falta de políticas públicas, surgindo o livro “Perdi Tudo, e Agora?”.

No momento em que escrevo (julho de 2024) vamos para o prazo fatal de entrega de textos para o volume 2 de “Metamorfose da Vida”, escritos sobre o envelhecer.

No tema “do habitar” ainda estamos engatinhando. Os “asilos” estão sendo substituídos por “casas de repouso” – que nome horroroso – casas geriátricas, clínicas, ou qualquer outra designação. Muitas vezes não passam de um “depósito de idosos”. Ainda há casas em que há convívios de pessoas com Parkinson, Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas com pessoas com dificuldades de locomoção ou apenas mais velhas (porém com saúde). Nem sempre tem sido uma prática fácil ou salutar.

Os custos destes espaços são inacessíveis para muitas famílias.

Logo, impõe-se o estudo e a proposição de políticas públicas ou comunitárias que deem cabo destas demandas por habitação para as pessoas idosas.

Ah, você que não liga para sua avó, prepare-se porque amanhã haverá mais idosos, e será que a sociedade saberá lhe ajudar ou tratar melhor? Vai ter o “seu cantinho”?

É hora de “cutucar a onça com vara curta”. Afinal, a escolha é sua!.

Autor: Adeli Sell. Professor, escritor, bacharel em Direito, vereador em Porto Alegre. Também escreveu e publicou no site “O velho e a enchente”: www.neipies.com/o-velho-e-a-enchente/

Edição: A. R.

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