Se as crises históricas são fonte de medo, ameaça e perigo, semelhante contexto converte-se em alicerce para o autoritarismo ou totalitarismo, combustível das ditaduras e dos tiranos. O medo se transforma em arma populista contra as bases populares.

 

O medo é um dos sentimentos mais reservados e que mais se escondem. Mas, ao mesmo tempo, é também um dos que mais se condividem. Este aparente paradoxo é de fácil entendimento: esxitem medos estritamente pessoais, íntimos, ocultos, fechados, sepultados no fundo de nossas entranhas; e exitem medos coletivos, que envolvem uma família, um determinado grupo humano, uma comunidade e até mesmo toda uma sociedade.

A “fobia” – palavra que deriva do grego phóbos – representa um medo misto. Tem um lado pessoal, uma espécie de pânico persistente, por vezes silencioso, irracional e patológico… Porém, pode contagiar todo um povo, uma nação, uma cidade, uma cultura – contra uma etnia específica, pessoas de outra cor, sexo, religião. Quando a pretensa ameaça desenvolve-se em virtude do temor “ao outro, ao estrangeiro, ao diferente”, trata-se, em ambos os casos, de xenofobia. O estranho e desconhecido, da mesma forma que uma novidade inusitada, inspira um medo não raro obscuro, absurdo e desproporcionado.

Em outros termos, tudo que é “novo” amedronta, porque foge ao comportamento rotineiro e cotidiano, às respostas programadas, à atitude habitual. O “outro” adquire a função de espelho: rompe com toda espécie de máscara, revela a nudez da própria fragilidade e impotência. Daí o receio diante de riscos possíveis, previsíveis ou imprevistos.

O perigo bate à porta e provoca pânico. Faz-se necessário construir muros visíveis ou invisíveis em vista da autodefesa. E tal defesa, por sua vez, frequentemente converte-se em ataque e perseguição, em intolerância e discriminação, em violência ou aberta perseguição. Resulta que o medo dista pouco das formas extremas de neonazismo e nefascismo.

Instala-se a divisão entre “nós” e “eles”, ou entre os de “dentro” e os de “fora”. Do ponto de vista cultural e religioso, a fronteira divide, por uma parte, os que falam a nossa língua, seguem nossos costumes e se guiam por nossos valores e, por outra, os extra-comunitários. Do ponto de vista socioeconômico, os esrtangeiros são aqueles que ameaçam nosso emprego, nossa família e filhos, nossa paz e nosso futuro. Potiticamente, apela-se para o discurso da própria segurança nacional e a paz.

Neste momento, o cenário adquire formas concretas de tensão, conflito, rejeição, intransigência e rechaço. Quando o medo se expande e se torna generalizado entre amplos setores da população, gera-se um contexto propício à multiplicação de fortalezas, onde corações, portas e fronteiras são cuidadosa e hermeticamente fechadas.

Cada pessoa ou família protege-se atrás dos próprios muros. Parte da mídia, como verdadeiros abutres esfaimados, espalha a sensação de mau agouro. Mas o medo pode ser também sufocado, silenciado, dissimulado, reprimido. O silêncio vira mutismo de uma agressividade represada a custo. Olhares oblíquos e palavras envenenadas cruzam os ares. A socidade reveste a forma de uma cemitério da esperança, onde os vivos erram como fantasmas assustados e assustadores.

Pior de tudo quando o medo é instrumentalizado pelas autoridades de um país, pelas campanhas eleitorais e pela prática política em geral. Se as crises históricas são fonte de medo, ameaça e perigo, semelhante contexto converte-se em alicerce para o autoritarismo ou totalitarismo, combustível das ditaduras e dos tiranos. O medo se transforma em arma populista contra as bases populares.

Setores de extrema direita, com a bandeira de um nacionalismo exacerbado, sabem como manipular o medo, dirigindo-o contra um certo alvo – um bode expiatório – que podem ser os bárbaros e selvagens, os loucos e vagabundos, as bruxas e feiticeiras, os judeus e muçulmanos… Ou, nos tempos que corem, os migrantes, os refugiados e os prófugos. No seu modo de ver, são estes que atravessam desertos e mares, cruzam todas as fronteiras, invadem nossa sociedade, ameaçam a ordem, ignoram nossos valores mais profundos, fruto lento e árduo de “séculos de civilização”.

O medo xenofóbico, entretanto, pode ser dominado. O jardineiro, ao cultivar as flores, tem o cuidado de eliminar as ervas daninhas e os espinhos nocivos. Medos são como tumores malignos: podem ser analisados, radiografados, dissecados e submetidos ao bisturi. Este rasga o tecido não para expô-lo aos olhares alheios, mas para curá-lo. Dominados e controlados, os medos transfiguram-se em fonte de esperança, sonhos e construção de alternativas. Entra aqui o papel das autoridades, dos organimos internacionais, da Igrejas, das organizações não governamentais, das entidades e  movimentos populares…

DEIXE UMA RESPOSTA