As escolas sob alta tensão nesta pandemia

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A construção do conhecimento e a convivência social são os dois maiores pilares a partir dos quais se assenta a educação contemporânea.

Uma das coisas mais evidentes que se desnudou durante a pandemia, a partir do ano de 2020, foi a desigualdade no acesso aos meios para uma boa educação, como também no acesso aos meios tecnológicos. Esta desigualdade revela o grande abismo social e econômico que existe na população brasileira.

Enquanto uma maioria luta bravamente para garantir sobrevivência, apenas uma pequena parte da população tem condições de garantir estudo e disponibilidade plena das crianças e adolescentes aos estudos.

Outra questão, igualmente importante, é a expectativa imensa que a sociedade alimenta sobre a volta das aulas presenciais. Mas não vemos nenhum grande movimento, nem das escolas e nem da sociedade, para ressignificar esta volta presencial de aulas. Queremos voltar, sim. Mas voltar para quê? Que mudanças e que novos significados vamos incorporar na volta às aulas?

Diante de realidades tão diferentes, as escolhas das redes de ensino (públicas e particulares) em muito se assemelham através das aulas remotas.

Pensar a escola de agora, neste momento pandêmico, com seus limites e potencialidades e com a possibilidade de maior uso das tecnologias e das plataformas educacionais, parece ser o caminho para melhorá-la. Fora disso, nossa tentação será repeti-la como mera reprodutora de conteúdos e sem diálogo com a vida e com as maiores necessidades humanas.

“Mas com ensino remoto tudo fica mais difícil. Estou tentando fazer algo com a mesma essência que fazia presencialmente: incentivo pelo trabalho coletivo, pela pesquisa e pela criatividade. Não encontrei ainda um caminho. Enquanto isso, aposto no velho e poderoso diálogo. Sobre aulas, precisamos urgentemente melhorar a qualidade do ensino remoto dando condições para que crianças e jovens tenham boa internet em casa e equipamento adequado para isso. E, antes de um tablet, que tenha comida dentro de casa porque com fome ninguém faz nada, muito menos tarefas assíncronas”. (Elika Takimoto) Leia mais!

Seguem questões, que remetemos à breves reflexões.

Qual foi a escolha dos sistemas de ensino? Em grande medida, foi transformar os professores em meros entregadores de conteúdos, planilhas, relatórios, devolutivas. Nada, ou muito pouco, de relação, de diálogo, de trocas, de conversas sobre a vida e a pandemia.

Neste quesito, há poucas diferenças entre o ensino público e privado. Resta perguntar: a escola sempre foi assim? Onde ficou e onde fica a dimensão relacional, mesmo que de forma remota e precária? Ou ela nunca contou nas relações de ensino-aprendizagem?

Parece que a escolha unânime das redes de ensino é pela validação do ano escolar, através da burocracia.

Qual vem sendo a relação de Afetividade e aprendizagem na pandemia? Percebe-se pouca preocupação com esta questão, embora sempre tenha sido relevante, para muitos estudiosos da educação.

“Abordar a inteligência emocional como a principal estratégia, associada a um bom conteúdo, pode evitar o abandono das crianças, adolescentes e jovens da escola. Precisamos de um olhar mais atento às necessidades afetivas do ser humano, que em muito se perdeu sem o contato presencial. Como trabalhar de forma mais ampla e eficaz esses aspectos num convívio semipresencial? Mais do que nunca, escola e família devem estar juntas para minimizar as perdas e prejuízos das crianças e adolescentes, que são os mais frágeis deste processo” Leia mais!

A preocupação com a aprendizagem? Os professores e professoras trabalham muito, mais do que nunca estão atarefados, mas com poucas iniciativas que foquem aprendizagens significativas (aquelas que tenham sentido e valor para a vida dos estudantes e a vida das famílias).

Mas aí alguém poderá dizer que as aprendizagens significativas se constroem com metodologias ativas ou invertidas. Pode ser que estas ajudem, mas a mudança mais importante parece ser mudar o foco e o sentido da escola e da aprendizagem. Reduzir as soluções tão complexas de sentido e significado das aprendizagens para aplicações ou abordagens metodológicas, não é o caminho.

Paulo César Carbonari, em reflexão publicada no site, escreve: “É difícil dizer o que significa aprender! E o que é ensinar, então? Aprendemos que ensinar e aprender são dois verbos que se conjugam na transitividade da relação de presença entre sujeitos. Ensinamos que aprender e ensinar encontram sua síntese e finalidade nos sujeitos e sua mediação nos múltiplos liames da vida e nas diversas formas de fazer o viver. Sendo assim, que sentido tem a transitividade entre sujeitos e as mediações numa época cada vez mais “digital”? Leia mais!

Quem está ouvindo as nossas crianças, adolescentes e jovens? Quem está dialogando com as famílias? Qual é o espaço que as escolas estão oportunizando, a partir das Aulas e reuniões Meet para os estudantes vivenciarem uma socialização tutelada pelos professores?

Como estão os prédios e estruturas físicas das escolas públicas? Estão inutilizados e fechados, em compasso de espera pela volta das aulas presenciais. Poderiam e deveriam ser uma referência na vida das comunidades como um Centro de Informações sobre saúde, pandemia e educação, distribuição de alimentos (a partir da merenda escolar).

Os prédios poderiam estar recebendo algumas reformas e adequações, bem como poderiam estar sendo preparados para o retorno presencial dos estudantes, equipados com boa internet e estruturas digitais. As estruturas e prédios poderiam estar sendo ressignificadas em seu papel social nas comunidades.

E o conteúdo da pandemia? E os conteúdos que os alunos deveriam receber? O que vai acontecer com eles? O psiquiatra e professor da UPF (Universidade de Passo Fundo), Francisco Carlos dos Santos Filho, em evento para professores no início do ano letivo em Passo Fundo, RS, afirmou: “A pandemia é o conteúdo, a experiência que todos estamos vivendo é o conteúdo, assim como o são a possibilidade de trabalhar in loco as ideias do espírito coletivo, da compaixão, da humanidade e da solidariedade, para assim criar uma experiência conjunta que é o melhor conteúdo possível que se pode fazer ingressar no interior de qualquer disciplina”. Veja mais sobre a capacidade de pensar.

Por que então este conteúdo e este contexto não é objeto de estudo proposto pelas escolas aos estudantes? O que poderia ser mais relevante do que o conteúdo da dura realidade social, econômica e sanitária a que todos estamos submetidos nesta pandemia?

Como pensamos os traumas que a pandemia está causando em todos nós? Parece que a sociedade, assim como o conjunto das redes de ensino, tentam lidar com os traumas a partir do esquecimento, mesmo na contramão do que afirmam os especialistas. “Então, se a vivência é coletiva, a experiência que cada um de nós leva consigo de um acontecimento traumático, assim como seus efeitos, é absolutamente singular. De toda forma, precisamos ter claro que os efeitos de um traumatismo nunca se resolvem enquanto dura o trauma; o efeito desse traumatismo levará anos para ser elaborado, isso se nós trabalharmos direito sobre ele. E, além disso, somente a memória e o trabalho de pensamento permite “curar” o trauma”. (Francisco Carlos dos Santos Filho, psiquiatra)

Como voltaremos às nossas escolas físicas? Voltaremos às aulas presenciais no modelo híbrido? Qual é o suporte que daremos aos estudantes para que ressignifiquem a presencialidade? Qual é o suporte pedagógico e psicológico que daremos aos professores e professoras? Será uma volta com ou sem vacinas? Ainda usaremos máscaras? Teremos protocolos seguros de distanciamento e salas de aula com ventilação?

Crédito: Getty Images

Como será a escola do futuro?

Deveríamos aproveitar o advento da pandemia e os questionamentos sobre a escola neste momento histórico para ressignificar o sentido e o papel da escola na perspectiva humanizante, onde a centralidade da mesma seja a construção permanente de conhecimentos, envolvendo os sujeitos aprendentes: professores e estudantes. Uma escola onde a socialização seja uma dimensão que se incorpora às práticas educativas, de forma permanente, de maneira intencionada e valorizada pedagogicamente.

O que podemos conjugar nas mudanças que operam na escola?

Nosso maior palco é a vida e nela somos eternos aprendizes. Nosso maior desafio é a humanização, através do conhecimento. O conhecimento nos torna melhor seres humanos. A escola e a vida são oportunidades de aprendizagem, socialização e construção de conhecimentos. Humanizar é um dos maiores desafios da atualidade. Vejamos o papel da escola neste contexto: Assista ao vídeo.

Como já escrevemos em outra publicação: “O fato de vivermos na era da tecnologia e da informação não quer dizer que podemos suprimir a importância da oralidade, da escrita e outras formas de comunicação como a arte, a linguagem corporal, a linguagem simbólica e religiosa, o audiovisual, dentre tantas outras. Afinal, o ser humano é um ser integral e as suas diferentes dimensões (características) devem ser desenvolvidas e articuladas no seu processo de ensino-aprendizagem”.

A construção do conhecimento e a convivência social são os dois maiores pilares a partir dos quais se assenta a educação contemporânea. Fazer educação, nos dias atuais, significa compreender o sentido da escola, do mundo e do ser humano, contemplando a diversidade e a complexidade social que construímos até aqui como humanidade.

A sociedade, sobretudo os pais e as mães, está descobrindo o potencial e a riqueza que é a convivência e a integração social a partir do distanciamento físico e social dos estudantes. A cobrança pela volta das aulas presenciais revela justamente esta necessidade das crianças, adolescentes e jovens conviverem coletivamente no ambiente escolar, tutelados pela presença e pelo olhar dos adultos.

Marcos Piangers, apresentador, locutor de rádio e escritor, sintetiza, de forma interessante, a relação das novas tecnologias educacionais na educação e a formação integral das nossas crianças, adolescentes e jovens. Suas ideias estão em sintonia com o que pensamos como escola e como educação.

Crédito foto: Giselle Sauer

“Considero minhas filhas felizes quando estão interagindo com amigos com ferramentas tecnológicas, mas nunca as vi mais alegres do que quando estão correndo em um parque ou na praia ou na escola. Antes de andar, a criança dança; antes de falar, ela canta; antes de escrever, ela desenha. A arte, o brincar e o interagir são chamas fortes dentro da fogueira humana. Sonho com a escola como um ponto de encontro onde imperam o contato com o outro e com a natureza. Uma escola que interage com a comunidade, que conduz as crianças ao voluntariado, que ensina sustentabilidade, generosidade, equidade. Uma escola que é laboratório de experiência, de aprendizado pelo erro. Uma escola que considera o aprendizado técnico importante, mas menos importante do que todas as outras coisas mais importantes. Uma escola que ri de si mesma. Uma escola terapêutica, que cuida da saúde mental de pais e filhos e seja iluminação e conforto para as famílias. Uma escola para todos, ricos e pobres”. A escola na pandemia.

 Acesse a entrevista: https://youtu.be/M8jmOi3wYDE?t=66

Autor: Nei Alberto Pies

Edição: Alex Rosset

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