O conhecimento usado como ferramenta
de reflexão só pode ser libertador.

 

Educar já foi instrumento de dominação e legitimação de  violências – e isto está  na base do muito do que somos. Já o conhecimento usado como ferramenta de reflexão, só pode ser  transformador.

Cabe à  sociedade  a decisão, sempre política: as escolas  devem ser espaços  para a vivência  da liberdade  ou estruturas  que se prestam à reiteração de tudo aquilo que não queremos  ser?

Esta é a questão que nos é colocada hoje, diante  da  caixa de Pandora  da vida política nacional, aberta  em 2013, quando das  manifestações  que liberaram das  conhecidas  amarras cordiais  os males  do autoritarismo, do ódio, da intolerância, do preconceito  e  do desapreço  à  democracia.

Neste turbilhão fascista emergiu a anacrônica, reacionária e medieval campanha pela Escola Sem Partido. Os defensores desta  estapafúrdia  tese  escolheram  um inimigo:  Paulo  Freire, que os  assusta e lhes provoca medo.

Pedagogia libertadora de Paulo Freire.

A acusação contra o grande pedagogo é de ter sido um “doutrinador”.  Pergunto aos acusadores se haveria na obra  de  Freire alguma  mensagem capaz  de autorizar  tamanha indignação  e  reprovação?

“Doutrinador” – vamos esclarecer –, é aquele que prega, instrui, incute em alguém uma crença, um ponto de vista ou  um princípio  sectário, ou seja,   realiza  uma transferência  de  conteúdos,  de  si  para  o objeto  de sua  doutrinação.

Nada está mais distante do pensamento pedagógico de  Paulo  Freire  do que isto. Ele repeliu com contundência  qualquer  procedimento  doutrinador. Em Pedagogia da  Autonomia (1996) escreveu: “Ensinar  não é transferir  conhecimento, mas  criar  as   possibilidades  para a sua produção  ou a sua  construção”.

São claras suas recomendações sobre  os  saberes necessários  à prática  educativa. Em Pedagogia do Oprimido (1968) asseverou: “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela  que  é prática  da dominação, implica  na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado  do mundo, assim  como  também  na  negação do mundo  como  uma realidade  ausente de homens”.

Fica evidente o pressuposto de toda compreensão e de toda  a ação educativa  capaz  de promover  a autonomia  e  a libertação das pessoas.

Promover a tomada de consciência e a transformação do indivíduo em sujeito qualificado de sua própria história: eis  a prática (práxis) educativa de  Paulo Freire.

Onde encontrar o ímpeto doutrinador em alguém que, em vez  de pregar  e impor, pergunta  e escuta  para compreender?

Na verdade, a chave para compreendermos a acusação  de  “doutrinador marxista”  contra  Paulo  Freire   não está  na sua obra. Encontra-se na mentalidade  daqueles  que  produziram  a mensagem, em sua compreensão  anacrônica  e estreita  do que é  educação  e do que é ensinar.

A mentalidade  retrógada  dos  acusadores  rechaça  a dimensão  política  da pedagogia  concebida  e posta  em prática  por Paulo Freire.  “Ensinar  exige  reconhecer  que  a  educação  é ideológica”, deixa  claro o educador.

Os defensores da  Escola Sem Partido  querem resgatar  grande parte  da  cultura  escolar  remanescente  de uma educação  que  exclui  e divide  ao invés  de incluir. De  um projeto  educacional  que  ainda  associa  saber, poder e ordem.

Paulo Freire lhes causa medo e perplexidade. Seu conservadorismo não entende que a pedagogia de  Freire  é  radical, isto é, vem da e vai à raiz  das coisas.

Privilegia a cultura, os saberes e os valores dos educandos  como  ponto  de partida e chegada  de uma educação  como  prática  de liberdade e  da  transformação.

Quem prega doutrinação? Na verdade, é quem acusa Paulo Freire. O acusador grita contra o espelho! Qual a doutrinação dos reacionários de plantão? Afirmo, sem medo de errar: a “doutrinação bancária”, aquela que transfere “ao outro, tomado  como paciente  de seu pensar, a inteligibilidade  das coisas, dos fatos, dos conceitos”.

Encerro esta reflexão com a famosa citação do educador, replicada nas redes sociais  como resposta  dada  pela  Unesco  ao cartaz  levantado  contra  Paulo  Freire:  “Educação  não transforma  o mundo. Educação  muda  pessoas. Pessoas  transformam o mundo”. Eis o que  os  reacionários  temem!

(Artigo produzido à partir de uma reflexão sobre  o texto  “Quem é doutrinador?”  dos  professores  Paulo Cavalcante  da  UFRJ e  Yllan de Matos  da UEP, publicado na  Revista  de História, setembro de  2015).

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